Como uma das melhores jovens ciclistas dos Estados Unidos acabou morta num apartamento em Austin? Ian Dille desvenda a emaranhada história de um crime que chocou a comunidade do ciclismo.

UM: Uso de armas

COLIN STRICKLAND ACHAVA que todas as mulheres deveriam ter uma arma. Ele argumentava que, como um cara – um cara alto, bronzeado e forte – desfrutava de uma liberdade que muitas mulheres não tinham. Ele ia à maioria dos lugares e fazia a maioria das coisas sem se sentir ameaçado. Pedalava sua bike em estradinhas desertas de cascalho, depois estacionava sua caminhonete onde quisesse e dormia dentro do trailer Spartan que ele rebocava. Como ciclista profissional, vivia uma vida extremamente livre de preocupações, que chegava perto da melhor existência que poderia imaginar para si mesmo. Mas ele também era consciente de seu privilégio masculino.

A namorada de Colin, Kaitlin Armstrong, ligou para ele numa noite do verão de 2020 soluçando e em pânico. Um homem agressivo – talvez drogado, talvez passando por algum tipo de colapso nervoso, talvez ambas coisas – batia repetidamente na porta de seu apartamento em Austin, Texas. O cara acabou indo embora, mas o incidente a deixou aterrorizada. Em outra ocasião, ela foi acossada por um homem irritado no estacionamento de um supermercado. E ocasionalmente, delinquentes a seguiam enquanto ela pedalava em ciclovias, fazendo com que se sentisse insegura. Colin conseguia apenas imaginar como estes acontecimentos afetavam Kaitlin, uma ágil instrutora de ioga de cabelo castanho-avermelhado cujos cachos caíam sobre os ombros. Ele sabia que homens cometiam perto de 80% dos crimes violentos nos Estados Unidos, e se perguntou: Por que uma mulher tinha que viver uma vida de medo? Talvez uma arma pudesse fazer com que Kaitlin se sentisse mais segura, mais independente, mais livre para viver como quisesse.

É fácil comprar uma arma no Texas. Então, um dia por volta do começo de 2022, Colin e Kaitlin pedalaram suas bicicletas até a McBride’s, uma loja de armas de propriedade familiar perto da Universidade do Texas. Kaitlin escolheu uma pistola 9mm SIG Sauer P365 e a segurou na mão para sentir seu peso. Colin também escolheu um revólver. Quando criança, ele morou numa região rural do oeste do Texas chamada Hill Country, uma zona com muitas armas de fogo. Mas sua família não possuía nenhuma, e talvez ele tenha disparado uma espingarda uma única vez na vida. A motivação para comprar uma agora era sua fascinação por máquinas; ele foi atraído por sua engenharia e construção.

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Moriah Wilson era um fenômeno do ciclismo gravel que dominou praticamente todos os eventos em que competiu em 2022. Ela tinha ido ao Texas para competir na Gravel Locos, uma prova de 250 quilômetros pela região de Hill Country.

No relacionamento deles, Kaitlin, que já tinha trabalhado com finanças, administrava o dinheiro, enquanto Colin costumava pagar as coisas. Depois de passar todas as informações exigidas por lei pelos comerciantes de armas, ele perguntou ao vendedor se eram necessários também os dados de Kaitlin. “Não”, lhe disseram. “No estado do Texas você pode presentear alguém com uma arma”.

Colin pagou as pistolas e deu uma delas à Kailtin. Eles também adquiriram duas caixas de munição, uma para praticar e outra marcada com “9mm JAG”, uma bala criada para se desintegrar com o impacto e ocasionar danos adicionais dentro do corpo – incrementando a possibilidade de matar o alvo pretendido.

MAS QUERO QUE VOCÊS SE LEMBREM DE UMA COISA: SE FOI ESTE CONFLITO O QUE OCASIONOU A MORTE DE MORIAH, ISTO OCORREU APENAS DEVIDO À EXISTÊNCIA DE UMA PISTOLA.

NUM DIA QUENTE de primavera, não há nada como um mergulho na piscina Deep Eddy, em Austin. Um oásis a poucos passos dos arranha-céus do centro da cidade, a Deep Eddy é a piscina pública mais antiga do Texas. Famílias se refrescam na parte rasa. Jovens perto dos vinte anos relaxam no gramado sombreado enquanto os mais velhos, em parte vestidos, tagarelam no balneário ao ar livre do imponente edifício de pedra calcária cortada pelos trabalhadores da WPA (Works Progress Administration) durante a Grande Depressão.

Ao cair da noite de quarta-feira, 11 de maio de 2022, vagalumes brilhavam enquanto a jovem de 25 anos Moriah Wilson mergulhava na água e nadava. Naquela tarde, Moriah, ciclista profissional, tinha girado algumas horas sozinha nas estradas expostas ao vento do nordeste de Austin. Antes de aterrissar, vindo da Califórnia, ela tinha enviado uma mensagem a seu amigo Colin Strickland para dizer que estava indo para a cidade. Ele estaria a fim de fazer companhia em um pedal?

Colin e Moriah tinham uma relação um tanto quanto complicada. Eles tinham se conhecido aproximadamente um ano antes, em uma competição de gravel de quatro dias em Idaho. No final de 2021, quando Colin estava no meio de uma separação de Kaitlin, que durou vários meses, ele e Moriah se envolveram emocionalmente. Ficaram juntos durante uma semana enquanto ela visitava Austin. Mais tarde, depois de Colin retomar seu relacionamento com Kaitlin, ele e Moriah voltaram a ser apenas amigos.

Colin sabia que suas oportunidades no ciclismo local não se comparavam às de Vermont, onde Moriah cresceu, ou às de São Francisco, onde ela havia se estabelecido como ciclista profissional. Mas ele queria mostrar a ela porque todo mundo dizia que Austin era um lugar divertido, e a convidou para dar um mergulho na Deep Eddy. Depois de uma consulta no dentista naquela mesma tarde, ele pegou Moriah com sua moto BMW por volta das 18h, e a levou até a piscina.

Moriah, chamada de Mo pelos amigos, era relativamente novata no universo das competições de gravel – disciplina off-road em crescimento e tipicamente norte-americana em que profissionais largam lado a lado com entusiastas de final de semana num grande e único pelotão. Mas ao longo do último ano, a jovem formada na Universidade de Dartmouth e ex-profissional de esqui downhill tinha dominado praticamente todos os eventos em que competiu. Recentemente, ela tinha deixado seu emprego na Specialized, onde trabalhava no planejamento de demanda, acompanhamento das cadeias de suprimentos e na previsão de vendas. Ela queria se dedicar ao ciclismo em tempo integral e foi ao Texas para competir na Gravel Locos, uma prova de 250 quilômetros na pedregosa região de Hill Country.

Enquanto Moriah saía da piscina, gotas de água escorriam de seu cabelo denso e castanho. Ela enrolou uma toalha ao redor de seu corpo miúdo, trocou a parte de cima do biquíni e colocou um vestido de verão. Aos 35 anos, Colin era uma década mais velho que Moriah, mas se identificava com sua trajetória. Dez anos antes, ele tinha tomado uma decisão parecida ao dar novo rumo à sua vida, trocando o trabalho estável como consultor na área de meio ambiente e pelo ciclismo competitivo. A mudança tinha funcionado para ele. Em 2019, venceu a competição de gravel de maior prestígio mundial, a Unbound, um percurso casca-grossa de 320 quilômetros que atravessa as colinas de Flint Hills, no leste do Kansas. Ele se tornou ícone na cena ciclística norte-americana, com patrocínio das marcas mais tops da indústria do ciclismo, incluindo Rapha, Specialized e Wahoo, assim como de outras mais mainstream, como a Red Bull.

Ali, ao lado da piscina, Colin e Moriah conversavam sobre a relevância social das competições de ciclismo como forma de ganhar a vida. Moriah estava apenas começando uma grande aventura, e Colin, por outro lado, já via sua jornada no ciclismo profissional perto do fim. Ambos curtiam ganhar provas de bike, é claro, mas estavam indecisos quanto ao valor do que faziam. Moriah se perguntava como poderia inspirar pessoas, retribuir ao esporte o que ganhou, e torná-lo mais inclusivo. Colin refletia sobre as centenas de mensagens que recebera de fãs fascinados por sua história – ele tinha aberto seu próprio caminho e permanecido fiel a si mesmo. Disse à Moriah: Você pode motivar pessoas a viverem vidas mais saudáveis.

Quando o sol se pôs, Moriah e Colin abandonaram a Deep Eddy e caminharam até o Pool Burger, um bar com terraço onde pediram comida e coquetéis de rum. O celular de Colin tocou. Olhou para a tela e viu que Kaitlin estava ligando. Sabia que ela não gostaria de saber que ele estava jantando com Moriah – a breve relação sentimental dos dois tinha sido dolorosa para ela. Antes de sair da Deep Eddy, ele tinha mudado o nome de Moriah na lista de contatos de seu celular. Uma ideia realmente estúpida, ele sabia, mas ele não queria que sua namorada visse as mensagens de Moriah e ficasse chateada. No bar, ele não atendeu à ligação de Kaitlin. Mais tarde, desejaria ter atendido.

Depois da refeição, Moriah montou na garupa da moto de Colin e ele a levou pelo eclético east side de Austin até a garagem do apartamento onde ela estava hospedada com uma amiga, Caitlin Cash. Colin pegou uma ruela paralela à rua principal, deixou Moriah do lado de fora do apartamento e continuou pela ruela em direção à sua casa. Moriah subiu a escadaria de madeira que levava à entrada do apartamento e utilizou um código para destrancar a porta. Caitlin estava jantando fora com amigos; um app no celular dela a notificou de que a porta tinha sido aberta. Eram 20h36, e já tinha anoitecido.

Por volta do mesmo horário, a câmera de segurança de um vizinho gravou um SUV preto – com molduras cromadas nas janelas, rack para bikes na traseira e um bagageiro de teto – saltando uma guia rebaixada que conectava a Maple Avenue à ruela. O vídeo mostra as luzes de freio do SUV acesas enquanto o veículo desacelera ao lado do apartamento de Caitlin.

Caitlin chegou em casa por volta das 22h. O apartamento estava aberto. Caitlin entrou, procurou a amiga e rapidamente a encontrou no chão de azulejo do banheiro, rodeada por uma poça de sangue.

Três cartuchos de bala, marcados com “9mm JAG”, foram encontrados no chão ao lado do corpo, que estava olhando para cima. Moriah tinha uma laceração no dedo indicador direito e outra sob o queixo. Ela tinha sido atingida duas vezes na cabeça; uma terceira bala tinha entrado pelo peito e saído pelas costas. Investigadores da cena do crime, que chegaram pouco depois de Caitlin ver o corpo de Moriah, encontrariam uma terceira bala encravada num azulejo quebrado debaixo do corpo. Alguém tinha ficado de pé sobre seu corpo caído e disparado contra seu coração.

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Moriah Wilson em Monterey, Califórnia, em abril de 2022.

O ASSASSINATO DE Moriah Wilson não se tornou público até o sábado, três dias depois de sua morte. Naquela tarde, o Departamento de Polícia de Austin – que anunciou imediatamente que um crime violento havia ocorrido em Maple Avenue, mas inicialmente não revelou o nome da vítima – publicou um comunicado de imprensa declarando que Moriah Wilson tinha sido morta, que o disparo “não parecia ter sido um ato involuntário”, e que “uma pessoa suspeita” tinha sido identificada.

Em conversas discretas e nas discussões de mensagens de texto que se multiplicaram rapidamente, rumores pairavam sobre a cena gravel competitiva da comunidade ciclista de Austin – minha comunidade. A teoria emergente – de que um triângulo amoroso envolvendo Colin, Kaitlin e Moriah tinha levado ao assassinato de Moriah – parecia excessivamente escabrosa para ser verdade. Mas ao longo da semana seguinte, à medida que amigos em pânico trocavam informação, e esta informação chegava até os detetives policiais de Austin, a ideia de que Kaitlin havia disparado contra Moriah começava a parecer, para muitos, cada vez mais e mais plausível.

O vídeo de segurança colocou o SUV – que parecia ser idêntico ao de Kaitlin – ao lado do assassinato praticamente exatamente na mesma hora em que a equipe policial concluiu que ele se realizou. A polícia também recuperou uma SIG Sauer P365 da casa de Colin. O especialista do departamento de balística realizou um teste de disparo com a arma e utilizou um microscópio para comparar as marcas deixadas nos cartuchos com aqueles encontrados na cena do crime. No relatório com os resultados do estudo balístico, o especialista escreveu que os cartuchos encontrados na cena do crime foram “positivamente identificados” como tendo sido disparados pela SIG Sauer P365. (Embora alguns especialistas em investigação forense tenham questionado a confiabilidade deste método, ele é utilizado regularmente em processos judiciais que envolvem violência com armas).

Também houve uma conversa perturbadora que Kaitlin supostamente teve com uma amiga em janeiro, depois de retomar seu relacionamento com Colin. Ela estava falando com Jacqueline Chasteen numa festa na cafeteria Meteor de Bentonville, Arkansas. Jacqueline era amiga de Kaitlin e Colin, e tinha a impressão de que Colin nem sempre tratava Kaitlin como ela merecia. “Dá um fora nele!”, ela havia dito à Kaitlin em mais de uma ocasião. Em Bentonville, Kaitlin explicou à amiga que as coisas entre ela e Colin estavam melhores agora. Ela revelou, no entanto, que o rolo de Colin com Moriah tinha realmente a incomodado. Kaitlin disse que achava que Moriah havia seduzido Colin de forma agressiva, que ela não o deixaria sozinho. Jacqueline percebeu que sua amiga tremia de emoção. “Eu quis matá-la”, Kaitlin teria supostamente dito à Jacqueline. Um pouco alarmada, Jacqueline disse à Kaitlin que certamente ela não falava sério – que pessoas sentiam e falavam todo tipo de coisas quando estavam magoadas. “Não, eu realmente quis matá-la”, disse Kaitlin.

Kaitlin confidenciou à Jacqueline que conseguira uma arma recentemente. Isto é, de qualquer forma, o que Jacqueline acha que ouviu Estava barulhento dentro da cafeteria. Elas tinham tomado um par de drinks. Jacqueline tinha escutado, sem dúvida, Kaitlin falar algo sobre uma arma, que ela tinha acabado de comprar uma ou que estava a ponto de fazê-lo. Na época, ela não chegou a se dar conta da gravidade do comentário de Kaitlin. Todo mundo a conhecia como uma pessoa afetuosa, compassiva, cheia de luz e talento, não tão diferente de Moriah. Ninguém acreditava que Kaitlin pudesse chegar a machucar alguém.

Mais tarde, quando o marido de Jacqueline, Andy, lhe contou sobre o assassinato de Moriah, ela quase teve uma crise. “Foi Kaitlin!”, disse ao marido. Ela ligou anonimamente para a polícia, o que ajudou a obter um mandado de prisão. Inicialmente, a polícia de Austin considerou Colin suspeito da morte de Moriah. Mas ele apareceu em um vídeo dirigindo sua moto a caminho de casa na rodovia Interestadual 35 às 20h48. Como Colin estava a quase 13 quilômetros da cena do crime, apenas 12 minutos depois de deixar Moriah, a polícia considerou sua versão factível. Detetives também interrogaram Kaitlin. No dia 12 de maio, um dia após o assassinato de Moriah, ela foi detida por uma acusação pendente envolvendo uma contravenção realizada em 2018. Enquanto estava em custódia, eles a questionaram sobre o assassinato. Mas Kaitlin não falou muito durante o interrogatório e a polícia a deixou em liberdade. Na quinta-feira, 17 de maio, seis dias depois da morte de Moriah, eles consideraram que tinham indícios o bastante para uma detenção e começaram a procurar por ela novamente. Mas então já era tarde demais. Ela tinha desaparecido.

DOIS: É complicado

UMA MULHER JOVEM E ESBELTA, Kaitlin Armstrong, 35, é acusada da morte de outra mulher jovem, Anna Moriah Wilson, que era uma das melhores ciclistas dos Estados Unidos. Num esforço por ajudar o público a entender como um ato de violência como este pôde ocorrer entre estas duas pessoas, a polícia de Austin criou uma suposta narrativa sobre o assassinato. Eles acreditam que ambas queriam o mesmo homem: Colin Strickland, amigo meu de longa-data da cena ciclística de Austin.

A polícia retratou Colin Strickland como um cara que enganou sua namorada com uma mulher mais jovem. Muita gente disse que ele tem, pelo menos, parte de culpa pelo crime – uma afirmação bastante relevante. Antes das notícias propagarem seu envolvimento oficial com o caso, eu mandei uma mensagem a Colin. Disse a ele que muitas pessoas se importavam com ele. Também lhe disse que me aprofundaria na história como jornalista, acompanhando de forma objetiva os fatos onde quer que eles me levassem, e revelaria todos os meus métodos de cobertura à equipe editorial da Outside. Para dizer o mínimo, as pessoas ficaram obcecadas por este caso, que foi noticiado ao redor do mundo. Uma procura rápida no Google dá como resultado dezenas de milhares de notícias. No Tik-Tok, vídeos relacionados com Kaitlin Armstrong alcançaram 100 milhões de visualizações. Violência armada envolvendo pessoas negras costuma ser reduzida a questões envolvendo gangues ou drogas. Mas quando um crime violento inclui alguém como Moriah, o mundo parece incapaz de desviar o olhar.

Se vemos as discussões sobre o caso acontecendo online, fica claro que muita gente quer saber se Colin era ou não um mau namorado. Também, será que ele era tão mau namorado a ponto de admitir algum tipo de responsabilidade pela morte de Moriah? O raciocínio é que seu comportamento provocou em Kaitlin uma fúria de ciúmes que fez com ela assassinasse Moriah. Pessoas que pensam desta forma encheram o perfil do Instagram de Colin com comentários tipo “ASSASSINO” e “A culpa é sua”. Em determinado momento, ele revelou publicamente que estava tendo pensamentos suicidas como consequência do assassinato de Moriah. “Se ele decidir acabar com a própria vida, o problema é dele”, aparecia em outro comentário. Todos os patrocinadores de Colin o abandonaram. Era justo? Será que ele merecia o ódio e as ameaças de morte que estava recebendo?

Não responderei a estas questões diretamente, mas vou contar o que aprendi nos meses imediatamente posteriores ao assassinato sobre Colin Strickland, sobre este caso e sobre a comunidade ciclística de Austin, onde vivo há 25 anos. Vou contar coisas sobre Kaitlin e Moriah, que eu não conhecia, mas muitos de meus amigos conheciam. E durante o processo, revelarei muitas coisas sobre os dramas de seu relacionamento – coisas que acontecem o tempo todo em comunidades como a nossa, que aconteceram comigo e que provavelmente com você também.

Mas quero que vocês se lembrem de uma coisa: se foi este conflito o que ocasionou a morte de Moriah, isto ocorreu apenas devido à existência de uma pistola. Oficiais das forças de segurança não acusaram Colin de nenhum crime relacionado com o assassinato de Moriah, mas foi ele quem tomou a decisão de comprar uma arma para Kaitlin. A polícia acredita que as balas que mataram Moriah foram, muito provavelmente, disparadas com aquela pistola. Eu sei que este fato gera culpa e remorso imensos a Colin. Ele gostaria de poder mudar isso, gostaria de poder mudar tudo. Ele gostaria de nunca ter conhecido Kaitlin, gostaria de nunca ter sido ciclista profissional, gostaria de não ter encontrado nem conversado em particular com Moriah. Mas o fato inalterável é que ele fez todas estas coisas.

COLIN STRICKLAND SABIA QUE ELE E MORIAH ERAM APENAS AMIGOS NAQUELE MOMENTO, E NÃO TINHA INTENÇÃO DE ENGANAR KAITLIN. MAS TAMBÉM DEVERIA TER PENSADO QUE MENTIR PARA KAITLIN SOBRE SEU ENCONTRO COM MORIAH ERA UMA IDEIA TERRÍVEL.

MORIAH E COLIN cruzaram seus caminhos pela primeira vez em 2021 numa série de competições de bike chamada Rebecca’s Private Idaho. Os eventos, realizados todo mês de setembro, são organizados pela ciclista Rebecca Rush e acontecem nas imediações das Montanhas Rochosas, em Ketchum. Durante a competição, Moriah revelou-se a ciclista mais forte do evento, mas terminou na segunda colocação depois de um problema mecânico com sua bicicleta e de cometer alguns erros de principiante. Ao longo do evento, ela tinha tido breves conversas com Colin, que acabou em segundo entre os homens. Depois que a competição acabou, eles se encontraram num bar da cidade. Lá, conversaram sobre tudo, de estratégia e treinamento, a patrocínios e, mais tarde, Colin apresentou Moriah a muitos de seus apoiadores, inclusive à Red Bull, rodas Enve, e Meteor, uma combinação de loja de bike e cafeteria com filiais em Austin e Bentonville.

Como depois Colin e Moriah tiveram um relacionamento amoroso, é tentador concluir que seu apoio a ela desde o começo havia sido motivado por mais que puro altruísmo. E sim, Colin achou Moriah atraente, mas quando ele a conheceu, não estava à procura de romance. Ele morava com sua namorada; Moriah tinha um namorado de longa data. Ele viu o encontro deles como o começo de uma relação profissional.

Pete Stetina, um dos adversários de Colin na Rebecca’s Private Idaho, diz que o ciclismo de gravel é conhecido por sua cultura de apoio mútuo, e que o comportamento de Colin com Moriah era condizente com isso. “Colin era superamigável, e gostávamos de conversar sobre o mercado do ciclismo”, ele conta, “sempre aberto como um livro no que diz respeito ao que estava fazendo. Ajudava muitos ciclistas, inclusive Moriah. Estávamos todos orgulhosos dela. Ela tinha crescido localmente, dentro da nossa pequena disciplina, o gravel. Nós víamos o sucesso dela como nosso sucesso”.

Um mês mais tarde, Colin e Moriah se reencontraram na Big Sugar, uma competição gravel de 165 quilômetros que começa e termina em Bentonville. Colin acabou em nono lugar. Moriah venceu a competição feminina e terminou em 12o lugar no geral, apenas cinco minutos depois de Colin. Naquele final de semana, Colin participou de um pedal em grupo por um singletrack fluído de Bentonville. Estavam com ele Moriah, Amity Rockwell – outra profissional, quem ele tinha namorado brevemente em 2018 – e também outras duas ciclistas que ajudaram a organizar uma liga de mountain bike para o ensino médio na região. Todos do grupo eram ciclistas de sucesso.

Embora Kaitlin também tivesse ido a Bentonville, Colin não a convidou para o pedal. Ela tinha se tornado uma forte ciclista de estrada e gravel, mas ele achou que ela não teria as habilidades técnicas de trilha para acompanhar o ritmo. Aquilo acontecia bastante no mundo do ciclismo, especialmente em rolês como aquele, que eram em parte também para tratar de negócios.

Embora ninguém goste de ser excluído, é possível que esta humilhação tenha feito com que Kaitlin enxergasse as ciclistas profissionais, como Moriah, como rivais em potencial. Durante as nove horas de carro de volta a Austin, ela e Colin tiveram uma conversa longa e intensa sobre seu relacionamento. Colin disse a ela que não era o companheiro que ela merecia, e que não sabia se poderia ser. Desde que eles tinham começado a namorar, dois anos antes, ele tinha se esforçado para se comprometer completamente. Mais de uma vez, ele tinha pensado em terminar, mas não tinha seguido adiante. Agora ele faria isso. Quando chegaram na casa estilo rancho que dividiam em South Austin, eles terminaram oficialmente.

TRÊS: O que aconteceu entre eles

VOLTANDO A JUNHO DE 2019, quando Colin venceu um monte de profissionais do Tour de France na Unbound e instantaneamente se tornou um dos atletas mais proeminentes do mundo, eu estava empolgado. Eu vi sua evolução como competidor na cena ciclística de Austin. Tínhamos trocado ideias durante pedais longos e disputados, chocando guidões nas competições locais, e depois tomado cervejas juntos. Algumas vezes, Colin pediu meu conselho sobre algum dilema relacionado ao ciclismo profissional que ele estava enfrentando. Eu lhe daria minha mais honesta opinião, depois ele faria exatamente o contrário e aquilo funcionaria perfeitamente. Eu o respeitava pra caramba por isso.

Quer Colin estivesse vencendo ou sucumbindo, eu costumava lhe mandar uma frase de apoio, por mensagem de texto ou pelo Instagram – dizendo, basicamente, que ele seguisse em frente. Quando ele venceu a Unbound, eu estava trabalhando para a FloSports, uma companhia que transmitia provas de ciclismo profissional ao vivo. Nós produzimos um monte de conteúdo com ele. Ele fez um tour conosco por sua garagem de aficcionado por motores e me mostrou como consertava roupas de ciclismo com uma máquina de costura antiga. Fiz um curta contando como Colin tinha emergido de competidor de provas informais estilo alleycat para se tornar um dos melhores ciclistas de gravel do mundo, talentoso em cima de uma estradeira, o suficiente para de ser recrutado rapidamente por uma equipe norte-americana para competir no Tour de France.

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Colin não foi acusado de crime algum relacionado com o assassinato de Moriah, mas ele tomou a decisão de ajudar Kaitlin a comprar uma pistola. A polícia acredita que as balas que mataram Moriah foram, muito provavelmente, disparadas com essa pistola.

Até eu começar a cobertura desta história, não sabia muito sobre a vida pessoal de Colin. Mas às vezes as fofocas locais sobre quem está namorando quem o envolviam. Ele não parecia ser alguém interessado em relacionamentos dramáticos. Parecia apenas que carecia de um certo tipo de inteligência emocional no que dizia respeito a relacionamentos. Coisas que pareciam óbvias para todo mundo, pareciam não passar pela cabeça dele.

Não acho que Colin tenha montado em sua moto no dia 11 de maio com a intenção de pegar Moriah para um encontro amoroso. Quando ele a convidou para ir à piscina, não pensou que um monte de gente (inclusive eu) pudesse ver esta decisão como inapropriada. Especialmente se você tem um relacionamento sério e se sua companheira não sabe o que você está fazendo. Mas Colin vê o mundo de uma forma diferente, e na maior parte do tempo esta visão funciona para ele. Ele está sempre dando caronas a amigos – tanto homens como mulheres – na garupa de sua BMW, e o que tem de mais nisso? Sabia que ele e Moriah eram apenas amigos naquele momento, e não tinha intenção de enganar Kaitlin. Mas também deveria ter pensado que mentir para Kaitlin sobre seu encontro com Moriah era uma ideia terrível. Se você estiver escondendo alguma coisa de seu companheiro(a), muito provavelmente é algo que não deveria estar fazendo.

Em 2019, antes de Colin conhecer Kaitlin, ele costumava se preocupar com o fato de que envolvimentos emocionais profundos pudessem ser contraproducentes para suas ambições ciclísticas. Mas naquele ano, depois de sua temporada competitiva mais bem-sucedida até então, ele sentia uma urgência renovada por encontrar alguém com quem construir um relacionamento sério. Ele baixou o aplicativo de relacionamento Hinge, que se autopromove como o anti-Tinder, direcionado a solteiros à procura de conexão verdadeira ao invés de encontros casuais. Em outubro de 2019, ele conheceu Kaitlin.

Se encontraram para uma taça de vinho no Meteor de South Congress, e depois foram dar um passeio no calçadão do lago Lady Bird, com o horizonte de Austin cintilando sobre a água. Embora Colin tenha visto Kaitlin como alguém doce e inteligente, e certamente a tenha considerado atraente, ele não sentiu uma conexão amorosa imediata.

Superficialmente, eles pareciam muito diferentes. Ela não compartilhava os ecléticos interesses musicais e artísticos dele. Ele comprava produtos de qualidade e consertava sua própria roupa; ela não se importava de comprar artigos baratos em cadeias de lojas. Ele tinha crescido numa fazenda de orgânicos e se preocupava bastante com a alimentação; ela nem mesmo cozinhava. Ele tinha estudado numa escola de pedagogia Waldorf estilo hippie; ela tinha crescido em Livonia, um subúrbio de classe-média de Detroit.

Durante os primeiros meses de namoro, Colin pensou em acabar antes das coisas ficarem mais sérias. Mas a ternura, a paciência e a positividade de Kaitlin o impediram de cortar os laços. Então a pandemia chegou. Competições foram canceladas. Viagens acabaram. Colin e Kaitlin passaram mais tempo juntos e cresceram como casal. Ele a apresentou ao ciclismo, e ela se apaixonou pelo esporte. Em pouco tempo ela ficou forte o suficiente para andar na roda dele em suas longas pedaladas de treino. Kaitlin também o apoiou em tudo que pôde. Durante a pandemia, por exemplo, passou cinco dias no telefone ajudando a mãe de Colin a conseguir acesso a um seguro-desemprego. O que fez ele perceber que o coração de uma pessoa era mais importante que o tipo de música que ela escutava.

Em fevereiro de 2021, o Texas foi atingido por uma tempestade de gelo; os tubos do apartamento de Kaitlin estouraram, tornando o lugar inabitável. Kaitlin ficou com Colin durante as obras de reparo. No entanto, quando ela perguntou sobre a possibilidade de morarem juntos, ele hesitou. Durante metade do ano, a mãe de Colin morava com ele em sua casa de quatro quartos. Mas mais importante que isso, ele se preocupava com a dependência emocional que morar com Kaitlin poderia criar em ambos.

Mais ou menos na mesma época, enquanto Kaitlin trabalhava para obter sua licença de corretora imobiliária, ela começou a investir em imóveis. Colin e Kaitlin compraram uma casa juntos em Lockhart, uma cidade ao sul de Austin, e Kaitlin comprou duas casas em South Austin, inclusive uma no bairro de Colin. Eles passaram horas planejando reformas para modernizar aquela casa, incluindo uma cerca de aço que a própria Kaitlin tinha instalado. O objetivo dela era se mudar para o local quando a reforma terminasse, dentro de seis meses aproximadamente. Mas mais de um ano depois de Kailtin mudar para a casa de Colin, continuavam morando juntos.

Eles também tinham criado um negócio, a Wheelhouse Mobile, que envolvia restauro e venda de trailers Spartan customizados. Kaitlin tinha se tornado corretora imobiliária da Sotheby’s, onde eles podiam vender os trailers por nada mais nada menos que US$ 350.000 cada. Aparentemente, sem pensar muito no assunto, praticamente todos os elementos da vida deles se entrelaçaram. Ela gerenciava a Wheelhouse Mobile e grande parte das finanças dele como ciclista profissional, e ela tinha acesso a quase todas as senhas de celular e computador dele.

As pessoas gostavam de Colin e Kaitlin, mas muitos de seus amigos em comum me disseram que o relacionamento deles parecia complicado. Alguns dos amigos de Colin achavam que Kaitlin tinha se acoplado excessivamente à sua persona pública. Um exemplo disso ocorreu antes de um pedal em grupo em Austin. O patrocinador de roupas de Colin, a marca Rapha, tinha feito um conjunto exclusivo para ele, em que apareciam os logos de todos seus patrocinadores. Ele tinha pedido também um para Kaitlin, como presente, mas depois pediu a ela que não o utilizasse em eventos públicos. Ele achou que seria inadequado, que seus patrocinadores poderiam não gostar. Então, na manhã do evento, quando Kaitlin apareceu vestindo o conjunto, Colin pediu que ela mudasse de roupa. Irritada, Kaitlin decidiu não participar do pedal.

Do ponto de vista de Kaitlin, amigos tanto dela como de Colin haviam presenciado momentos em que ele teria falado de forma rude com ela, tanto que se sentiram obrigados a falar com ele sobre isto. Um dos amigos dele da indústria da bike, Andy Chasteen, conversou comigo sobre isto, embora um tanto quanto relutantemente. “Odeio falar mal de outra pessoa”, ele disse. “Mas Colin podia agir com ares de extrema superioridade com pessoas que ele conhecia e que eram próximas dele”. Andy tinha visto isso acontecer também com um dos companheiros de equipe de Colin, e até mesmo com sua própria mãe – provavelmente a pessoa com quem ele tem mais intimidade no mundo.

Chris Tolley, um amigo meu que conhecia bem Colin e Kaitlin, dividiu comigo sua teoria sobre porque ela tolerava seu comportamento rude. Chris me contou que tanto ele como Kaitlin haviam crescido em lares com um dos pais alcoólatra. “Quando você cresce numa família assim”, ele disse, “sua autoestima é superbaixa” e você pode ser muito mais complacente com relacionamentos instáveis. Chris estava bastante ciente de que Colin podia ser frio, e que costumava se referir a Kaitlin como sua “amiga” em vez de sua namorada. Amigos íntimos diriam mais ou menos isso: Olha, se você não está a fim dela, deixe-a ir. Vocês já estão em meados dos 30 anos, e ela quer um relacionamento estável. É tarde demais para esta inconstância. Quando Colin e Kailtin voltaram de Bentonville no outono de 2021 e acabaram, parecia provável que ambos começariam relacionamentos novos.

Então, no final de outubro, poucos dias depois de terminar com Kaitlin, Colin recebeu uma mensagem de Moriah. Ela iria para Austin para curtir com amigos durante uma semana e trabalhar de forma remota. Será que ele gostaria de encontrá-la?

MUITOS DOS AMIGOS EM COMUM DE COLIN E KAITLIN ME DISSERAM QUE O RELACIONAMENTO DELES PARECIA COMPLICADO. ALGUNS DOS AMIGOS DE COLIN ACHAVAM QUE KAITLIN TINHA SE ACOPLADO EXCESSIVAMENTE À SUA PERSONA PÚBLICA.

MORIAH CRESCEU em East Burke, na região de Vermont conhecida como Northeast Kingdom, uma esquina intacta do estado delimitada pelo rio Connecticut e pela fronteira com o Canadá. Nos anos 1970, o pai dela, Eric Wilson, competiu no circuito World Cup como membro da equipe norte-americana de esqui. Depois de parar de competir internacionalmente, ele conseguiu um trabalho como treinador no Burke Mountain Academy, um internato de elite criado em 1970 com o objetivo de formar competidores de elite do esqui alpino. Moriah e seu irmão mais novo, Matthew, frequentaram a escola e ambos competiram em esqui downhill. A duas vezes ganhadora do ouro Olímpico Mikaela Shiffrin se formou lá em 2013, um ano antes de Moriah.

Moriah sonhara com ser competidora de esqui, mas seus talentos e interesses iam muito além das pistas. Os pais dela tinham iniciado no mountain bike nos anos 1980, pouco depois do surgimento do esporte, e com cerca de sete anos, Moriah já pedalava na maior parte da rede de trilhas da região. Os famosos caminhos de Kingdom Trails circulavam por sua cidade-natal e eram como um playground particular para ela.

Além do esqui, Moriah se destacou no ciclismo e no futebol em Burke, e desde pequena demonstrou um perfeccionismo que às vezes a sobrecarregava. No ensino médio, os pais de Moriah procuraram um terapeuta para ajudá-la a lidar com sua personalidade excessivamente perseverante. Quando se formou em Burke em 2014, Moriah se afastou durante um ano dos estudos para focar no esqui, mas voltou depois de romper o ligamento cruzado anterior pela segunda vez. Durante sua recuperação da cirurgia de joelho, ela pedalou com regularidade, e pela primeira vez considerou a possibilidade de abandonar o esqui para se dedicar mais seriamente ao ciclismo. Continuou esquiando para Dartmouth temporariamente, enquanto obtinha seu diploma de engenharia.

Durante seu último ano na universidade, Moriah escutou falar sobre a emergente disciplina de competições gravel. Ela se ofereceu como voluntária num evento em sua cidade natal, Rasputitsa, que percorria 100 quilômetros das trilhas mais íngremes do Northeast Kingdom. Ver os melhores profissionais acabarem a prova, cobertos de lama e completamente esgotados, foi inspirador para Moriah. Depois de se formar na universidade em 2019, ela disse aos pais que queria competir profissionalmente no ciclismo. Eles a ajudaram a encontrar um treinador, Neal Burton, que realizou uma série de testes físicos com ela. Os resultados mostraram que sua produção de potência era de alta-qualidade e que seu potencial era ilimitado.

Naquele verão, Moriah e seu namorado na época, Gunnar Shaw, se mudaram para a região da baía de São Francisco, onde ela começaria a trabalhar para a Specialized. Eles compraram uma van e viajaram para eventos ao longo da costa Leste do país. Neal sugeriu que ela experimentasse o ciclocross, o que ela fez no final de 2019, no campeonato nacional em Lakewood, Washington. Depois de largar no fundão, ela foi abrindo caminho e acabou em 26o lugar.

Quando as competições de ciclismo foram suspensas durante a pandemia, Moriah descobriu que trabalhar de casa lhe permitia ter mais tempo para treinar, e continuou melhorando. Em novembro de 2020, foi em direção a provas de ciclismo de endurance norte-americanas: a White Rim Trail, em Moab, uma volta de 160 quilômetros pelos cânions dos rios Colorado e Green. Totalmente autossuficiente, carregando apenas uma mochila de hidratação e duas garrafas de água, ela completou a volta em menos de sete horas, conquistando um novo tempo mais rápido (FKT) entre as mulheres no percurso e se estabeleceu como uma ciclista promissora para a temporada seguinte, de 2021.

Kaitlin Armstrong numa cicloviagem em 2021.

Moriah valorizou a vibe amigável e solidária da comunidade de gravel competitivo dos Estados Unidos. Em 2021, ela competiu pela Specialized ao lado da anterior vencedora da Unbound, Alison Tetrick. “Meu coração se encheu ao ver Moriah se dar conta de sua força”, Alison me contou. Alison simpatizou com sua discreta confiança, sempre observando e aprendendo. Moriah era tão determinada que às vezes Alison tinha que lembrá-la de curtir o pedal. Uma vez, durante um treino perto da casa de Alison, em Petaluma, Califórnia, ela percebeu que Moriah tossia. “Você precisa pegar mais leve”, ela lhe disse. Elas pararam para comer e mais tarde, na casa de Alison, relaxaram sob o sol e tomaram uma cerveja. Moriah se sentia muito melhor.

Colin, por sua vez, ajudou Moriah a entender o lado business das competições de gravel. Ele era ao mesmo tempo admirável e doce, e, como Moriah descobriu ao chegar em Austin em outubro de 2021, acabara de ficar solteiro. Ela tinha se separado recentemente de Gunnar. Não surpreende que tenha se interessado.

QUATRO: Fraturas

DURANTE A SEMANA em que Moriah esteve pela primeira vez em Austin, ela e Colin curtiram juntos uma prova noturna que acontece às quintas-feiras chamada Driveway Series, um evento social com cerveja grátis onde algumas centenas de ciclistas se reúnem e torcem o cabo em voltas de aproximadamente uma milha de distância. Kaitlin também participava com regularidade deste evento; ela tinha amigos competindo, tanto na categoria masculina como na feminina.

Passou pela cabeça de Colin que se Kaitlin o visse em público com Moriah, poderia ficar ressentida. Depois da competição, quando Moriah e alguns de seus amigos foram ao Meteor – onde Kaitlin também iria naquela noite – Colin foi para casa. Ele sabia que seria insensível ser visto por Kaitlin no que poderia ser considerado um encontro.

Os dois ainda estavam se esforçando para cortar os laços. Kaitlin estava procurando um apartamento, e não era fácil encontrar um em Austin, e enquanto isso continuava morando com Colin, embora em quartos separados. As reformas da casa dela estavam progredindo, então ela poderia mudar para lá em breve. Enquanto isso, Kaitlin disse a Colin que não queria continuar fazendo parte da Wheelhouse Mobile. Ele disse que gostaria que ela continuasse, mas entendia sua decisão.

Durante a primeira semana de novembro de 2021, Colin e Moriah dirigiram até o leste do Texas, onde fizeram três pedaladas longas com um pequeno grupo de amigos de Colin. Kaitlin também decidiu viajar para limpar a mente. Ela agendou uma viagem para uma cidade costeira do México. Colin não parecia compreender o quanto seu relacionamento com Moriah estava machucando Kaitlin. Mas a irmã mais nova de Kaitlin, Christie, que também morava em Austin, viu sua dor. Por volta da mesma época em que Moriah foi para Austin, Christie enviou um texto a Chris Tolley, dizendo de fato: Quem Colin pensa que é? Acaba com Kaitlin e em seguida começa a sair com essa garota do Instagram? Chris entendia porque Kaitlin estava chateada. “Quem não estaria?”, ele responde. “Tipo, o cara que há uma semana era seu namorado está saindo com uma ciclista com quem você tem um problema – em Austin, no seu território, na frente de todo mundo? Todo mundo viu”.

Não muito mais tarde, Kaitlin conseguiu o telefone de Moriah e ligou para ela, alertando-a e recomendando que ela ficasse longe de Colin. No mandado de prisão declarado contra Kaitlin Armstrong no dia 17 de maio de 2022, uma amiga de Moriah – que utilizou o pseudônimo Jane – afirmou em seu depoimento que Kaitlin ligou para Moriah tantas vezes que Moriah acabou bloqueando o número dela. Se as tentativas de contato de Kaitlin com Moriah saíram à luz entre ela e Colin é algo que não está claro. Mas em interrogatório com detetives da polícia de Austin depois do assassinato de Moriah, Colin disse que Moriah tinha lhe contado que recebera uma ligação estranha de Kaitlin dizendo que ela se afastasse.

AO LONGO DAS FÉRIAS de fim de ano de 2021 e no começo de 2022, Colin e Kaitlin começaram a se reaproximar. Kaitlin não tinha onde ir no Dia de Ação de Graças, e ele a convidou para jantar na casa de um amigo. O grupo gostava de Kaitlin; os amigos de Colin ficavam sempre felizes ao tê-la por perto.

No final de janeiro, Colin e Kaitlin voltaram a Bentonville para acompanhar o Campeonato Mundial de Ciclocross. Colin tinha que ir a alguns eventos de patrocinadores; Kaitlin, que tinha reconsiderado sua participação na Wheelhouse Mobile, foi para participar de um encontro de negócios para a companhia. Ela também foi porque amava bikes; a possibilidade de assistir competições e ver amigos da comunidade de ciclistas a empolgava. Na época, Colin ainda se considerava solteiro. Ele estava no limbo dos relacionamentos, tentando entender até mesmo se queria realmente uma parceira para a vida. Aos amigos que perguntavam sobre Kaitlin, Colin respondia convicto, “Nós não estamos juntos”.

Moriah estava em Bentonville também. Ela e Colin compartilhavam alguns patrocinadores, e ela acabou vendo-se nos mesmo eventos que Colin e Kaitlin. A situação era embaraçosa para todos. Em determinado momento, os três estavam sentados juntos no mesmo jantar. Colin no meio, com Kaitlin de um lado e Moriah do outro. “O quê, ele estava com uma mão em cada coxa?”, brincou um dos amigos de Colin.

Mesmo se eles não estivessem juntos novamente, estava claro que Kaitlin permanecia envolvida emocionalmente com Colin. Foi naquele final de semana, no Meteor de Bentonville, que ela teria supostamente contado à sua amiga Jacqueline que tinha querido matar Moriah. De acordo com a polícia, na época desta viagem, Kaitlin foi a um rancho de tiro com sua irmã e praticou com sua pistola.

Os acontecimentos de Arkansas fizeram Moriah se sentir confusa, e ela enviou um texto longo para Colin. “Ei! Então, gostaria de conversar em algum momento”, ela escreveu. “Este final de semana foi estranho para mim e eu simplesmente queria saber o que está acontecendo. Se você só quer que sejamos amigos (parece ser este o caso), então beleza, mas eu gostaria de conversar sobre isso porque honestamente minha mente tem dado voltas e eu não sei o que pensar”. Colin se desculpou pela confusão, mas não esclareceu as coisas sobre a relação entre eles. Ao longo daquela primavera, no entanto, ele retomaria seu relacionamento com Kaitlin. Colin insiste em que tinha redefinido seu vínculo com Moriah: apenas amigos.

Como ciclistas profissionais, Colin e Moriah se viram com frequência em competições durante a temporada de primavera e em festas pós-competição. Em março de 2022, depois de acabar a competição de gravel Mid South, em Stillwater, Oklahoma, eles se encontraram num bar em que estava um grupo de ciclistas e de profissionais da indústria do ciclismo, e beberam cerveja juntos até tarde. Em determinado momento, eles escutaram que os últimos participantes da prova estavam chegando. Colin, Moriah e o também profissional Pete Stetina se apressaram até a linha de chegada para animá-los.

Moriah, que ficou em segundo na Mid South, contaria mais tarde a celebração do momento em sua newsletter “Mail from Mo!”. Escrevendo sobre a última participante feminina, ela disse: “Estava escuro, estava frio, e ela tinha pedalado durante 14,5 horas! Que demonstração incrível de força e perseverança. Ver esta mulher atravessar a linha de chegada, com dezenas de outras pessoas aplaudindo-a, foi um momento especial. É por isso que pedalamos. Pedalamos para fazer coisas difíceis e celebrar estas coisas juntos”.

Para Pete, o momento pareceu amistoso. “Não houve nenhum clima romântico, ninguém segurou a mão de ninguém, ou nenhuma coisa do tipo”, ele conta. “Éramos apenas alguns amigos tomando uns drinks”. Mas outros competidores que os viram ficaram com uma sensação diferente. “Quem não estava lá?”, disse Chris. “Kaitlin. Onde esteve Colin? Bem ao lado de Moriah o tempo todo”.

NA QUARTA-FEIRA, dia 11 de maio, o dia do assassinato de Moriah, Colin e Kaitlin começaram o dia pedalando até o Meteor de South Congress. Colin tinha planejado encontrar seu amigo Bob Koplos, um companheiro competidor de gravel, para um treino de quatro horas. Kaitlin os acompanhou no pedal, mas numa subida, apenas alguns quilômetros depois de sair da cidade, ela não conseguiu acompanhar o ritmo. Colin disse a Koplos que eles não precisavam esperá-la, que ela não contava com isso. Eles seguiram em frente.

A dinâmica da profissão de Colin como ciclista profissional e a paixão de Kaitlin pelo esporte, às vezes gerava discussões. Eu já vivenciei isso na pele e tive conversas desse tipo. Namorei profissionais que tinham um trabalho a fazer e realmente não queriam seus namorados sempre por perto. E me casei com uma ex-profissional do ciclismo, a quem eu perguntei algumas vezes, “Então, se você ficar para trás, quer que eu te espere?”. Eu acho que tudo é uma questão de comunicação. No entanto, é chato sobrar no pelotão, e temos que imaginar que perder a roda tão no começo do pedal não teria deixado Kaitlin nada contente.

Havia outra fonte de estresse no relacionamento de Colin e Kaitlin: um processo judicial sobre uma propriedade comercial em Lockhart que Colin pretendia utilizar como armazém da Wheelhouse Mobile. Ele alegava que o agente imobiliário tinha tentado vendê-la a um amigo bem antes dele decidir fechar negócio. Então ele tinha contratado um advogado numa tentativa de assinar contrato e adquirir a propriedade. Depois de voltar do pedal, Kaitlin enviou um texto a Colin dizendo-lhe que ela tinha recebido um e-mail do advogado. Você quer ver isso?, ela perguntou. Já era fim do dia, e Colin estava no dentista. Ele nunca respondeu.

No dia anterior, quando Moriah tinha entrado em contato para dizer a Colin que estava indo para Austin, ele decidiu deletar a antiga conversa entre eles e mudar o nome dela nos contatos de seu celular. Ele pensou que ocultar essas coisas de Kaitlin poderia ajudá-lo a evitar conflitos. O que ele não tinha levado em conta era que suas mensagens de texto também apareciam em seu laptop, que costumava ficar aberto na mesa da cozinha. Kaitlin sabia a senha. Não tenho ideia de se ela viu a conversa com Moriah, mas poderia ter imaginado que ele tinha convidado alguém para ir à Deep Eddy.

OS PAIS DE MORIAH A AJUDARAM A ENCONTRAR UM TREINADOR, QUE REALIZOU UMA SÉRIE DE TESTES FÍSICOS COM ELA. OS RESULTADOS MOSTRARAM QUE SUA PRODUÇÃO DE POTÊNCIA ERA DE ALTA-QUALIDADE, SEU POTENCIAL ILIMITADO.

DEPOIS QUE COLIN e Moriah saíram da piscina e jantaram, ele a levou até o apartamento de Caitlin Cash e se despediu. O plano era se verem no dia seguinte, num jantar para os ciclistas que competiriam na Gravel Locos. No caminho de volta à casa, Colin enviou uma mensagem à Kaitlin. “Ei! Você está fora?”, ele escreveu. “Fui deixar umas flores para Alison na casa do filho dela no norte, e meu celular morreu. Voltando para casa, a não ser que você tenha outra sugestão para o jantar”. “Flores”, era a gíria deles para maconha. Esta incumbência era, é claro, uma mentira. Ele tinha estado com Moriah.

Kaitlin chegou em casa por volta das 21h20, e encontrou Colin na garagem, preparando rodas novas para usar na competição. Ela estava com roupas e mat de ioga. Ela não lhe perguntou onde ele havia estado e não mencionou que tinha tentando entrar em contato com ele. Eles entraram. Ele se serviu de um copo de uísque e sentou na mesa da cozinha. Ela pediu que ele servisse um para ela também.

Amigos meus, familiarizados com os eventos daquela noite, me contaram que Kaitlin se aproximou de Colin, os dois transaram, e que ela foi rude e dominadora. Eles tinham relações sexuais regularmente, mas esta força física não era usual. Colin não se importou na hora, mas depois, ao saber da morte de Moriah e da acusação de Kaitlin de assassinato, as lembranças da experiência se tornaram angustiantes.

No final daquela noite, em East Austin, o oficial de comunicações do Departamento de Polícia da cidade, Juan Asencio, permaneceu do lado de fora do apartamento de Caitlin Cash e realizou uma curta coletiva de imprensa. Asencio disse aos repórteres que uma mulher tinha sido encontrada morta dentro do apartamento, e acrescentou: “Existe alguma atividade suspeita acontecendo lá dentro”. Ele não sabia ao certo se a arma que produzira o assassinato tinha sido encontrada, mas investigadores haviam descartado suicídio. Eles também tinham encontrado uma bicicleta Specialized S-Works – a bike de Moriah – lançada em um bambuzal a 20 metros de distância da entrada do apartamento.

CINCO: “Eu gostaria de falar com você”

NA MANHÃ SEGUINTE, os detetives de Austin Richard Spitler e Jason Ayers vigiaram a casa de Colin de dentro de um carro não identificado. Eles tomaram nota dos veículos que estavam na entrada da garagem, inclusive a moto BMW e o Jeep preto de Kaitlin, ressaltando que seus detalhes cromados, rack para bicicletas e bagageiro de teto pareciam coincidir com o veículo gravado na cena do crime. Quando eles viram Colin sair da casa, se aproximaram e perguntaram se ele conhecia uma mulher chamada Anna Wilson. O uso de seu primeiro nome o confundiu, e ele disse que não. Quando tentaram novamente – desta vez dizendo Moriah, seu segundo nome – Colin entendeu imediatamente e disse que sim, que a conhecia. Os detetives então contaram a Colin que ela havia sido assassinada. Ele ficou chocado, e a consciência de que ele tinha sido uma das últimas pessoas que a viu viva o invadiu. Concordou em ir ao centro e contar aos detetives tudo que sabia.

Lance Tindall, um corretor imobiliário e ciclista amador, recebeu uma mensagem de Colin por volta das 8h da manhã daquela quinta-feira, a manhã seguinte à morte de Moriah. Lance tinha tentado entrar em contato com Colin para comprar umas rodas usadas, e Colin sugeriu que ele fosse à sua casa antes das dez. Ao chegar na casa, Lance viu um veículo da polícia e Colin saindo da garagem. Colin viu Lance, fez uma curva para ir em sua direção, e abriu a janela.

“Ei, tenho que ir à delegacia de polícia”, ele disse. “Uma amiga minha morreu ontem à noite, e nós dois fomos à piscina ontem”.

“Tipo um homicídio?”.

“Sim”, disse Colin, parecendo angustiado. “Parece que ela foi assassinada”.

Colin disse a Lance que as rodas estavam dentro e que Kaitlin sabia que ele viria. Abalado, Lance andou até a porta de entrada, onde Kaitlin o cumprimentou. Eles começaram a falar sobre o assassinato, e ela lhe contou que Moriah era a vítima. Enquanto falava, Kaitlin começou a remover algumas das partes extras do kit de rodas que Lance estava comprando. Ela explicou a ele que Moriah era um fenômeno que tinha ganhado grandes competições na Califórnia, inclusive a Sea Otter de mountain-bike em Monterey e a Belgian Waffle Ride, um evento duro em San Diego que ela tinha vencido por surpreendentes 25 minutos. Enquanto Kailtlin trabalhava, ela olhou para Lance e disse, “Será que Austin está realmente se transformando neste tipo de cidade?”.

Confuso, Lance respondeu, “O que você quer dizer?”.

“Somos realmente uma cidade violenta?”.

Talvez, disse Lance, notando que homicídios tinham aumentado em todo país, e que sim, à medida que Austin crescia, estava mais sujeita a ser uma cidade mais violenta. “Mas uma ciclista profissional, que pelo visto tinha vindo passar apenas um ou dois dias na cidade é assassinada?”, ele disse. “Não, eu não acho que isso seja algo normal para a cidade de Austin”.

Então Kaitlin perguntou uma coisa que pareceu realmente estranha a Lance. “Cherrywood é um bairro ruim?”.

moriah wilson
Na época de seu assassinato, Moriah Wilson (à dir.) tinha acabado de abandonar um trabalho na companhia de bikes Specialized para se dedicar em tempo integral às competições.

O assassinato tinha de fato ocorrido num bairro alguns quarteirões ao sul de Cherrywood, em East Austin. A parte leste da cidade, onde as fronteiras entre os bairros eram confusas, era historicamente conhecida como lar de comunidades minoritárias e de menor renda de Austin. No entanto, como as pessoas geralmente sabiam, ao longo das últimas décadas a região havia sido massivamente revalorizada. Lance disse que tinha amigos que moravam na região há décadas e nunca tinham tido problemas com crimes. De fato, ele disse, um amigo que ambos tinham em comum tinha uma casa lá.

“Definitivamente não é um bairro onde aconteçam atos aleatórios de violência ou assassinato”, ele disse.

Kaitlin pediu licença para ir ao banheiro. Ela tinha retirado tudo menos um pneu de uma das rodas. Lance tentou retirá-lo, mas não conseguiu. Se sentindo um pouco estranho naquela situação, esperou dez minutos mais ou menos até Kaitlin voltar. Quando apareceu, ela retirou o pneu e Lance se foi.

Ele contou à polícia o que pensou um pouco mais tarde: Como Kaitlin Armstrong sabia em que região Moriah Wilson havia sido assassinada?

“SE EU ACHO QUE KAITLIN MATARIA ALGUÉM?”, COLIN DISSE À DETETIVE. “NÃO, EU NÃO ACHO. NÃO CONSIGO CONCEBER A IDEIA DE SENTIR TANTA RAIVA E DE TER A CAPACIDADE DE SUSPENDER A REALIDADE DURANTE O TEMPO SUFICIENTE PARA FAZER UMA COISA COMO ESTA”.

NO QUARTEL DE POLÍCIA no centro da cidade, detetives levaram Colin até uma pequena sala com paredes acolchoadas e lhe disseram que ele podia abandonar o local a qualquer momento. Falaram com ele durante uma hora, e ele lhes contou sobre seus relacionamentos com Kaitlin e com Moriah, e os detalhes do tempo que tinha passado com Moriah no dia anterior. Os detetives se desculparam e deixaram Colin sozinho durante aproximadamente uma hora e meia. Ele sentou no chão, forçando sua alongada ossatura contra uma das esquinas da sala. Ele cobriu a cabeça com os braços e colocou o boné sobre o rosto. O pesadelo que se aproximava era real.

Quando os detetives voltaram, contaram a Colin sobre o vídeo de vigilância, e como o veículo de Kaitlin parecia estar do lado de fora do apartamento onde Moriah tinha entrado por volta da hora da morte. Colin estava chocado pela possível conexão de sua namorada com o assassinato de Moriah. Durante o interrogatório, e em um segundo realizado no dia 17 de maio com a presença do advogado de Colin, detetives o pressionaram: Você acha que Kailtin seria capaz de fazer uma coisa assim?

“Se eu acho que Kaitlin mataria alguém?”, ele disse a Spitler. “Não, eu não acho. Não consigo conceber a ideia de sentir tanta raiva e de ter a capacidade de suspender a realidade durante o tempo suficiente para fazer uma coisa como esta”.

“Ela mencionou no passado ter vontade de machucar Mo?”, Spitler perguntou. “Você acha que ela seria capaz de ferir Mo?”.

“Se eu achasse que ela é fisicamente capaz de ferir outro ser humano, teria me afastado imediatamente desta situação”, disse Colin. “Não tanto por minha própria segurança, mas por minha preocupação com outro ser humano”.

Spitler pressionou Colin sobre a possibilidade do ciúme de Kaitlin levá-la a cometer um assassinato. “Eu já lhe dei todos os fatos que conheço sobre alguém e sua capacidade para fazer algo”, ele disse.

Mais tarde, quando Spitler saiu da sala para fazer uma ligação, a advogada de Colin, Claire Carter, perguntou: “Existe alguma coisa que você não tenha falado da última vez – alguma coisa que você não tenha se sentido confortável para dizer?”.

Exausto devido ao que ele viu como uma tentativa do departamento de polícia de fazê-lo implicar a Kaitlin, Colin respondeu rispidamente. “Tenho sim uma coisa a dizer: ‘Fodam-se todos vocês por me manipularem’”.

NO DIA SEGUINTE ao assassinato de Moriah, enquanto os detetives interrogavam Colin no centro, oficiais da polícia de Austin vasculharam sua casa, pegaram a pistola dele e a de Kaitlin, assim como o celular de Kaitlin. Então prenderam Kaitlin Armstrong por uma acusação pendente que, estranhamente, não tinha relação com o assassinato. Em março de 2018, Kaitlin fez um tratamento de Botox em uma clínica médica em South Austin que custou US$ 653. Quando chegou a hora de pagar, de acordo com a ordem de prisão por delito menor, Kaitlin teria retirado da carteira um Mastercard com seu nome, depois dito que preferia pagar com outro cartão de crédito que tinha deixado no carro. Ela colocou o Mastercard no balcão, foi até o carro, e nunca mais voltou. Posteriormente, ela foi acusada de furto de serviço, mas nunca havia sido presa pelo delito até agora, mais de quatro anos depois da emissão da ordem de prisão.

Kaitlin foi algemada, levada ao quartel de polícia e até uma sala de interrogatórios por dois oficiais fortes vestidos com colete tático e bonés com a aba para trás. Ela sentou na esquina, com camiseta regata e uma trança no cabelo. Depois de 18 minutos aproximadamente, a detetive Katy Conner entrou na sala e desalgemou Kaitlin. Conner explicou porque ela tinha sido presa e disse que ela leria a Kaitlin seus direitos. “Se você vai ler meus direitos, então eu deveria ter um advogado?”, ela perguntou. Ela também disse a Conner que nunca tinha escutado falar daquela ordem de prisão antes. Em certo momento, alguém bateu na porta. “Alguém está batendo na porta?”, Kaitlin perguntou.

Conner se levantou, abriu a porta, e falou com um companheiro. “Bem, boas notícias”, ela disse a Kaitlin quando voltou, e lhe explicou que havia ocorrido um erro: a ordem de prisão não era para ela. (Como acabou descobrindo-se, era sim para ela, mas a polícia de Austin parecia não saber disso naquele momento). “Então você não está detida, OK?”, disse Conner. A porta da sala foi destrancada, mas Kaitlin pareceu confusa e indecisa sobre seus direitos e sobre se realmente deveria se levantar e partir. “Eles simplesmente foram à minha casa e me algemaram sem nenhuma razão?”, ela perguntou. Conner disse que havia havido uma “falha na comunicação neste respeito”. Sem ler à Kaitlin Armstrong seus direitos, ela acrescentou, “Mas eu realmente gostaria de falar com você”. Então começou a perguntar sobre o paradeiro de Kaitlin na noite da morte de Moriah.

Kaitlin acabou contratando um advogado, Rick Cofer, e quando ele examinou, posteriormente, os detalhes desta entrevista, registrada por meio de vídeo e transcrição, ele percebeu que Kaitlin tinha perguntado outras duas vezes se não precisava da presença de um advogado. Conner ignorou as perguntas de Kaitlin e lhe disse que a polícia tinha tido acesso a uma gravação em que seu veículo aparecia na cena do crime. Registros da polícia do interrogatório dizem que Kaitlin assentiu com a cabeça em reconhecimento de que o veículo era dela. Quando Conner disse à Kaitlin que aquilo não parecia muito bom para ela, Kaitlin teria supostamente assentido novamente, expressando sua compreensão.
Cofer discorda disso, dizendo que ela permaneceu quieta e em silêncio, e que qualquer assentimento de cabeça teria sido feito para expressar que ela estava prestando atenção. À medida que a entrevista avançava, Conner disse a Kaitlin que Colin tinha estado com Moriah na noite anterior, acrescentando, “Talvez você tenha ficado chateada e por acaso estava na área”. Kaitlin respondeu: “Não tinha ideia de que ele tinha visto e nem saído com esta garota, até recentemente”. Kaitlin pediu autorização para ir embora cinco vezes no total. Depois de cerca de dez minutos, Conner abriu a porta e a deixou partir.

QUANDO COLIN VOLTOU para casa naquela noite, Kaitlin estava lá. Ela parecia profundamente abalada, como alguém que tinha sido atraído para dentro de uma tragédia bizarra e terrível. Eles estavam em choque e não falaram muito a princípio. Em algum momento, Kaitlin disse a ele que a polícia tinha vasculhado a casa e a interrogado. “Estou realmente assustada, o que eu devo fazer?”, ela perguntou. Colin disse que pensava que, de uma perspectiva criminal, eles não tinham nada com que se preocupar. Eles simplesmente precisavam demonstrar onde tinham estado e o que tinham feito, e escrever tudo antes de que pudessem esquecer de algum detalhe.

Mais tarde eles deitaram na cama, tentando dormir sem sucesso. “Eu estou com saudade da minha mãe”, disse Kaitlin em determinado momento. “Quero ir para Michigan. Quero abraçar a minha mãe”. Na manhã seguinte, Kaitlin quis falar mais com Colin sobre o que tinha acontecido, mas ela estava preocupada com possíveis escutas colocadas pela polícia na casa, então eles decidiram ir até uma cafeteria próxima. Ao sair caminhando de casa, eles viram, na frente do quintal, que alguém tinha derrubado a moto de Colin, que estava estacionada ao lado do Jeep de Kaitlin. Além disso, a parte de cima de um muro de pedra que ficava na frente da casa tinha sido derrubado e espalhado pela calçada.

Na cafeteria, eles sentaram em silêncio. Finalmente, Colin pediu que Kaitlin lhe contasse onde havia estado e o que tinha feito na quarta-feira. Ela disse que tinha ido à uma aula ioga, depois à depilação em South Austin. Mas porque, Colin pensou, a polícia acreditava que o veículo dela tinha estado em East Austin? Sua mente corria. Ele sabia que Kaitlin gostava de astrologia; talvez ela tivesse ido ver alguém que trabalha com energia no leste da cidade? Pareceu coerente. Qualquer coisa parecia mais coerente do que Kaitlin ter matado Moriah.

Depois de terminarem seus cafés, Colin e Kaitlin caminharam de volta à casa. A polícia tinha confiscado seus celulares. “O eu faço? Onde consigo um celular?”, Kaitlin perguntou a Colin. Ele sugeriu que ela pegasse um temporário no Walmart. Kaitlin saiu por volta das 10h30. Seus advogados recomendaram que eles se separassem por um tempo, então Colin foi para casa de seu pai. Ele não a veria novamente.

SEIS: Distante

NÃO MUITO DEPOIS de Colin e Kaitlin voltarem para casa após o café no dia 13 de maio, ela dirigiu seu Jeep até uma CarMax a mais ou menos um quilômetro e meio da casa de Colin, na estrada de serviço da rodovia I-35, onde o vendeu por US$ 12.200. Não se sabe ao certo onde ela passou a noite de sexta-feira, mas na manhã do sábado ela estava no aeroporto internacional Austin-Bergstrom, vestindo calça branca, jaqueta azul e máscara facial quando embarcou num avião para a cidade de Nova Iorque. O voo dela passou por Houston e aterrissou no LaGuardia. Dois meses antes, a irmã de Kaitlin, Christie, tinha se mudado para um camping e retiro de bem-estar chamado Camp Haven localizado duas horas ao norte de Nova Iorque. Algumas pessoas instaladas no camping disseram à imprensa que tinham visto Kaitlin com Christie, fato não confirmado pelos investigadores.

Na quinta-feira, 17 de maio, a polícia de Austin obteve os resultados dos testes balísticos realizados com a arma de Kaitlin e emitiram um mandado de prisão. Aquele teste, assim como evidências que supostamente situavam seu veículo na cena do crime, pareciam ser mais que suficientes para realizar um interrogatório adicional, mas o mandado ia mais além. Ele também especulava sobre o motivo do crime: afirmando que o encontro de Colin com Moriah havia provocado uma raiva homicida em Kaitlin.

A declaração oficial incluía mensagens de texto entre Colin e Moriah sobre a situação de seu relacionamento com Kaitlin, fontes anônimas que o descreveram como “juntos novamente, separados novamente”, e uma mensagem de Kaitlin dizendo a Moriah que “ficasse longe [de Colin]”. A declaração também afirmava que Kaitlin tinha “revirado os olhos em expressão de raiva” quando a detetive Conner lhe disse que Colin tinha estado com Moriah.

Em depoimento, a família de Moriah negou a afirmação de que ela ainda estivesse envolvida emocionalmente com Colin na época no assassinato, sustentando que ela não tinha nenhum relacionamento naquele momento. Assim como o revirar de olhos, isso não foi registrado em vídeo, e os advogados de Kaitlin contestam a afirmação. No dia 18 de maio, no exato momento em que as notícias sobre o assassinato estavam em plena ebulição, Kaitlin embarcou num voo internacional que saía do aeroporto Newark, em Nova Jersey, com destino à Costa Rica.

NA COSTA RICA, Kaitlin cortou e tingiu o cabelo, e ficou conhecida pelo nome de Ari, embora a polícia acredite que ela utilizou pelo menos outros dois pseudônimos. Ela fez check-in num albergue de Santa Teresa, cidade litorânea conhecida por oferecer ioga de primeira qualidade e como destino de surf em ascenção. Lá ela fez amizade com locais e deu aulas de ioga.

De todos os lugares para onde fugir, Santa Teresa, que fica na península de Nicoya, na costa do Pacífico do país, parecia uma boa escolha. Para chegar lá, você tem que dirigir cerca de 90 minutos a partir da capital, San José, pegar um ferry de também 90 minutos para cruzar o golfo de Nicoya, e depois dirigir outro trecho de 90 minutos até a parte oeste da península. Lá, os visitantes encontram cafeterias veganas, surf bars e praias imaculadas rodeadas de montanhas de floresta tropical.

Décadas atrás, Santa Teresa tinha a reputação de posto-avançado secreto de criminosos. A eletricidade não chegou até 1996, e durante muito tempo não havia nenhuma estrada asfaltada. Nos velhos tempos, era possível conhecer lá pessoas que não gostariam de ser encontradas. Hoje, é mais provável que você encontre camisetas à venda para gringos, com a frase “Um lugar ensolarado para figuras suspeitas”. Tom Brady e Matthew McConaghey foram vistos na cidade.

Outras pessoas de Austin também perambularam por Santa Teresa. No Don Jon’s Surf and Yoga Lodge, o albergue onde Kailtin dividiu um quarto por menos de US$ 20 por dia, ela conheceu Kael Anderson, jovem de Austin de 27 anos que ia para lá com frequência para surfar. Kael tinha ouvido falar sobre o assassinato de Moriah, mas não pensou que aquela mulher que ele conheceu com o nome de Ari pudesse ser a acusada de sua morte.

“Parecia que ela tinha muito a esconder”, Kael me contou. “Ela não se comunicava muito. Mas não havia rumores. Ninguém sabia de nada. Ela não aparentava ser um tipo capaz de matar, ou uma pessoa que planejasse um assassinato de forma premeditada. Ela agia com bastante indiferença. Sentava numa esquina e trabalhava em seu laptop durante a maior parte do tempo”.

Kaitlin ficava de bobeira no bar onde a maior parte das pessoas ia, o Kooks Smokehouse, uma churrascaria dirigida por Greg Haber, que antes trabalhava como advogado em Nova Iorque. Em Santa Teresa, quando uma mulher nova na área aparece, os locais costumam se apresentar e lhe oferecer um drink. Greg disse que via Kailtin em seu bar duas ou três vezes por semana, e que normalmente ela estava com amigos dele. De acordo com o jornal Austin American-Statesman, Kaitlin também tinha feito amizade com um local chamado Teal Akerson, que ela conhecera na frente de um estúdio de tatuagem. Teal guardou o número de Kaitlin em seu celular como “Ari Tattoo”, e eles se encontraram algumas vezes, conversaram, e fumaram um baseado juntos. Em determinado momento, quando ele tentou lhe beijar, ela se afastou. Disse a ele que tinha acabado de passar por uma separação difícil.

No final de junho, pouco mais de um mês depois de Kaitlin Armstrong se tornar uma fugitiva, ela pegou dois ônibus e um ferry de volta a San José. De acordo com uma reportagem sobre o caso no programa Dateline da rede de televisão NBC, ela teria ido à uma clínica chamada AVA Surgical Center e feito uma cirurgia de nariz. “Ela estava mudando completamente sua aparência”, disse Kael. Quando as pessoas perguntavam porque ela estava com atadura no nariz, Kaitlin dizia que tinha se machucado num acidente de surf.

A polícia finalmente a encontrou no dia 29 de junho. Ela estava sentada no lobby do albergue, conversando com um amigo, quando três agentes da polícia costa-riquenha que trabalhavam com a U.S. Marshals se aproximaram. Eles pediram um documento de identificação. Kaitlin disse que não possuía nenhum. Mais tarde, dentro de um cofre do albergue, a polícia encontrou o recibo de uma cirurgia plástica no valor total de US$ 6.350 em nome de Alisson junto com o passaporte de Christie.

SETE: Julgamento

EU VI KAITLIN ARMSTRONG poucos meses atrás durante uma audição preliminar no 403o Tribunal Distrital Estadual do condado de Travis. Correntes uniam seus tornozelos, e oficiais de justiça a vigiavam de ambos lados. Ela vestia um uniforme bordô fornecido por uma prisão de Del Valle, cidade a leste de Austin. Seu cabelo tinha readquirido grande parte de seu tom castanho-avermelhado original. Ela o havia repartido com risca lateral.

Seus advogados estavam ocupados emitindo uma série de moções questionando quase todos os aspectos do caso. Uma delas demandava a exclusão da entrevista policial realizada dia 12 de maio com Armstrong do julgamento pendente, sob alegações de que a detetive Conner não havia emitido nenhuma Advertência de Miranda durante o interrogatório. Outra moção argumentava que o juiz deveria descartar o mandado de prisão, e a investigação derivada dele, chamando a declaração policial, escrita pelo detetive Spitler, de “uma história misógina e fictícia que retratava a Sra. Armstrong como uma mulher enciumada e humilhada pelo Sr. Strickland”. (Os advogados de Kaitlin recusaram um possível contato com ela para uma entrevista para esta matéria e não responderam aos pedidos de comentário).

As moções prévias ao julgamento deixaram claro que os advogados de Armstrong questionariam evidências fundamentais, inclusive o teste balístico e o vídeo de segurança que supostamente mostrava seu Jeep na cena do crime. Cada um dos lados acusou o outro de usar a mídia para promover sua própria versão dos fatos. A defesa, por exemplo, indica a vangloriante coletiva de imprensa realizada pela U.S. Marshals depois da detenção de Kaitlin. Uma apresentação que incluiu o pôster de “procurada” de Kaitlin com uma faixa vermelha sobre seu rosto com a palavra: CAPTURADA.

Por sua parte, a promotoria pediu uma ordem de proibição de publicação, alegando que o uso da mídia pelos advogados de defesa para influenciar a opinião pública em relação a Kaitlin tinha contaminado o júri. A juíza que presidia a instrução, Brenda Kennedy, outorgou a ordem dia 23 de agosto, dizendo que não interessaria a ninguém que o julgamento fosse transferido a algum lugar remoto devido a influências indevidas sobre os membros do júri.

No dia 9 de novembro, a juíza Kennedy negou as moções da defesa que buscavam excluir evidências. Ela disse que Armstrong não tinha recebido uma Advertência de Miranda porque não estava oficialmente sob custódia, e que a polícia não tinha nenhuma obrigação de suspender o interrogatório de Armstrong quando ela perguntou em voz alta sobre a necessidade de ter um advogado presente. Os argumentos adicionais feitos pelo advogado de Armstrong, do ponto de vista da juíza Kennedy, não estavam de acordo com a lei nem com outros precedentes.

Kaitlin Armstrong tinha direito a um julgamento justo e à presunção de inocência. Seu advogado argumentou que ela abandonou Austin legalmente, para estar com sua família. Ele também insistiu que, na época da partida de Kailtin, o próprio Colin ainda era suspeito do assassinato de Moriah. O voo internacional? O tingimento de cabelo? De acordo com Cofer, seu advogado, tinham sido decisões motivadas pelo medo de um namorado eventualmente assassino, não por culpa. O julgamento de Kaitlin Armstrong está agendado provisoriamente para junho de 2023.

MAIS TARDE, DENTRO DE UM COFRE DO ALBERGUE, A POLÍCIA ENCONTROU O RECIBO DE UMA CIRURGIA PLÁSTICA NO VALOR TOTAL DE US$ 6.350 EM NOME DE ALISSON JUNTO COM O PASSAPORTE DE SUA IRMÃ.

EM UM MEMORIAL organizado para Moriah Wilson no mês de maio do ano passado, nos reunimos nos degraus do Tribunal Federal de Justiça de Austin. Falamos sobre qualquer coisa que não fosse o assassinato: as pedaladas daquele final de semana, os eventos e aventuras que ainda estavam por vir.

Um amigo me disse: “Achava que Colin estaria aqui”. Isto faria sentido. Moriah era amiga dele, e ele também tinha sofrido com sua morte. Por Moriah. E também por Kaitlin. E, em menor grau, por sua própria identidade como ciclista profissional, uma vida que ele tinha construído para si mesmo e agora tinha perdido. Ele não montava numa bike de gravel desde a morte de Moriah. Seu último pedal de verdade tinha sido aquele que começara com Kaitlin.

Eu já tinha estado em memoriais para ciclistas antes. Em muitos deles. Cresci numa família de membros de um clube de bike. Pessoas dirigindo carros se chocavam com membros do clube e os matavam. Perdi um amigo íntimo para a violência de tráfego. Conhecia ciclistas que tinham colidido e morrido durante competições. Em algumas comunidades, a violência armada é uma realidade excessivamente regular. Mas na nichada comunidade ciclística de que faço parte, ela é praticamente desconhecida.

Pessoas ficam com raiva, se machucam e se sentem desesperadas, tudo ao mesmo tempo. Elas procuram uma solução para acabar de forma repentina com sua dor. Uma arma torna muito fácil que elas se machuquem, ou que machuquem alguém mais. Colin utilizou uma lógica imperfeita para comprar uma arma, ele sabe disso. Sua crença de que a posse de uma arma poderia tornar mulheres mais seguras, livres para buscarem a vida que queriam, estava equivocada, independentemente de Kaitlin ter matado ou não Moriah. Mais armas equivale a mais mortes por arma. E não apenas entre criminosos. Menos de 2% dos crimes violentos são desencorajados quando se tem uma pistola.

Muito mais do que a memoriais para ciclistas, fui a celebrações do amor. Pessoas que se conheceram pedalando suas bicicletas e que se casaram. Crianças que nasceram de casais que pedalam, como os pais de Moriah. Depois do memorial, todos os presentes foram pedalar, do tribunal até a Deep Eddy. Estava quase 38 graus lá fora. Dar um mergulho com amigos foi maravilhoso.







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