Nas profundezas da altitude

Ele escalou o vulcão mais alto do mundo para mergulhar em uma lagoa - Go Outside

Húngaro escala o chileno Ojos del Salado, o maior vulcão do mundo, para escrever um capítulo importante na história do mergulho extremo

Por Mario Mele
Fotos de Patricia Nagy

FOI UMA PEQUENA PROFUNDIDADE para um mergulho autônomo – apenas dois metros –, mas um grande feito para a história do esporte. O húngaro Ernõ Tósoki poderia ter parafraseado a máxima do astronauta norte-americano Neil Armstrong para descrever a expedição feita em março deste ano: no Chile, ele escalou o vulcão Ojos del Salado (6.893 metros de altitude) para explorar uma lagoa glacial. Dessa forma, desafiou os limites do mergulho extremo e, consequentemente, do corpo humano – se descer dois metros é algo insignificante no mergulho em que se utilizam cilindros de ar comprimido, naquela altitude essa profundidade deixa o esporte aterrorizante.

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Patricia durante a escalada ao vulcão

“Não é possível tirar conclusões científicas sobre os efeitos da altitude no corpo humano em um único mergulho, mas acho que dei um passo desbravador”, acredita Ernõ. O que ele sentiu naquelas águas geladas e altas foi algo que classificou como “consequências esperadas”: foco mental baixo e hipotermia súbita. “Também me senti muito cansado após o mergulho”, completa.

Em outras palavras, Ernõ constatou que sobrecarregou ao extremo seu coração e pulmões (que naquelas condições não funcionam por completo, podendo sofrer um edema), além de levar o cérebro à beira de um colapso, devido à baixíssima oxigenação. “Definitivamente, não são bons ingredientes para um mergulho e, portanto, eu não tinha certeza se meu corpo poderia suportar ou reverter o quadro de estresse físico. Não há protocolos evoluídos nem regras sobre o assunto.”

Os reais efeitos fisiológicos da mistura entre alpinismo e mergulho ainda são pouco conhecidos. Ernõ ficou submerso durante dez minutos, que também foram os dez minutos mais demorados da vida de Patrícia Nagy, sua assessora e a única integrante da equipe de apoio. “Patrícia é montanhista e ficou esperando ansiosamente meu retorno à superfície”, disse o húngaro. “Ela tem muito conhecimento sobre os efeitos da altitude, e por isso vem me orientando desde os preparativos iniciais do projeto.”

Quando retornou à superfície, Ernõ mal teve tempo de comemorar, sendo logo surpreendido pelo mal tempo. “Apesar dos sintomas de hipotermia que eu apresentava, tivemos que sair da montanha o mais rápido possível, uma missão que durou três horas no meio de um nevoeiro espesso. Não conseguíamos ver um palmo à frente do nariz.” Nada, porém, que cortasse o barato da sensação indescritível de ter feito algo inédito. “Eu tinha acabado de mergulhar no maior vulcão do mundo, era a realização de um duro projeto. Foi o primeiro mergulho da história no Ojos del Salado naquela altitude.”

Apesar protagonizar o segundo mergulho nos 6 mil metros que se tem notícia (veja o quadro nesta reportagem), Ernõ ainda permanece anônimo em seu esporte – até o fechamento desta edição, nem o artigo “Altitude diving” do Wikipedia havia sido atualizado. A seguir, ele dá mais detalhes sobre a expedição.

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OXIGÊNIO SUPLEMENTAR: O húngaro se ira como pode para escalar com dois cilindros de mergulho a tiracolo

“Foram cinco semanas de imersão total no deserto. Alugamos um veículo 4×4 para cruzar o Deserto do Atacama, uma viagem difícil e perigosa. Passamos por três carros totalmente detonados, e nos falaram sobre outro que havia pegado fogo. O nosso quase capotou quando tive que dirigir na lateral de uma montanha. Lá não tem para quem pedir ajuda, você precisa contar com um bom jipe, bons equipamentos e dominar as técnicas de sobrevivência.”

Bolamos planos de emergência para possíveis escapadas e salvamentos. Aprendemos procedimentos médicos avançadas em um curso que fizemos com médicos do exército húngaro. Levamos maca, respiradores, instrumentos para acessos intravenosos e intraósseos, além de estetoscópio e injeções. Estávamos preparados até para algumas intervenções cirúrgicas, como uma traqueostomia. Nossos equipamentos de comunicação também eram de alta tecnologia.”

Não fomos com guias nem carregadores, e ainda levamos quase 100 kg de equipamentos. No ano passado, fizemos uma expedição àquele mesmo lugar apenas para deixar alguns alguns equipos próximos ao lago. No acampamento, só para conseguir água já era uma missão: tínhamos que buscar gelo para derreter, encontrado acima dos 6 mil metros. O vento forte, as nevascas, as tempestades de gelo e a queda de rochas que enfrentamos durante essa expedição pareciam querer que mudássemos de ideia.”

Não foi um mergulho recreativo, mas totalmente científico. Eu tinha que me concentrar no ambiente e em tudo durante o mergulho, e não apenas no que eu via. Por causa das duras condições do deserto, nossa aclimatação foi muito mais difícil do que normalmente é.”

“Quando vi que finalmente eu estava na beira do lago, cercado dos meus equipamentos, foi inesquecível. Foi a mais perfeita sensação de realizar um sonho, apesar dos perigos e da dor que ainda estavam por vir. Nem sabíamos a profundidade do lago, porém também não poderíamos ir tão fundo.”

“Alguém que pretende lidar com essa atividade deve ter muita experiência com gases. No mergulho, isso é um pouco pessoal, já que não se sabe quase nada sobre o comportamento do nitrogênio em altitudes extremas. Sabe-se apenas que o oxigênio pode ser tóxico e perigoso.

Meses antes, tive que formar uma camada especial de gordura e músculo, porque passaríamos quase dez dias acima de 6.000 metros, fazendo um grande esforço físico. No final, perdi 22 kg de massa muscular e gordura. E ganhar peso na montanha é impossível. Nossa comida era contada e, além disso, gastávamos muita energia cozinhando e derretendo gelo para fazer água. Nos últimos dias, sofremos de inapetência (falta de apetite). Era quase impossível comer algo que o organismo não recusasse.”

Subir, depois submergir
Explorar lagos 300 metros acima do nível do mar já é considerado um “mergulho de altitude”. Mas tem gente que já foi muito além disso:

1968 >> Ícone do mergulho expedicionário, o francês Jacques Cousteau chegou à Bolívia para explorar os “mistérios arqueológicos submersos” e anfíbios do Lago Titicaca (3.800 metros). Naquela ocasião, ele desceu 110 metros a bordo de um mini-submarino.

1981 >> O norte-americano Johan Reinhard mergulha no vulcão Licancabur, entre o Chile e a Bolívia, a 5.880 metros de altitude, para realizar pesquisas arqueológicas. Consequentemente bate o recorde mundial do mergulho de altitude.

2007 >> Um trio de mergulhadores chilenos, liderado por Philippe Reuter, submerge em um lago na cratera do vulcão Pili, no Chile, e entra para o Guinness Book como o primeiro mergulho realizado nos 6.000 metros de altitude.







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