Mountain bike em Israel: uma aventura no deserto

Texto e fotos por Martin Bissig, para a Go Outside

mountain bike Israel
Imagem: Martin Bissig

“Pense como um camelo. Pedale como um tigre. E beba como um viking que acaba de sair do campo de batalha.” Maor, nosso guia no dia de hoje, nos dá esses conselhos para nos preparar para a chegada do calor no Deserto da Judeia. Estamos no sul de Israel para fazer mountain bike, entre a margem oeste do Mar Morto e o Mar Mediterrâneo. Os camelos procuram os trajetos que exigem menos esforço físico e tentam ao máximo desviar de caminhos inclinados. “É por isso que as trilhas dos camelos foram predestinadas para gente como nós, ciclistas” , diz Maor.

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Ainda não são nem 7h da manhã e o termômetro já marca 24ºC – o dia promete ser divertido. Michele, colega da marca de equipamentos para bike Qloom Team, e eu tomamos café da manhã sentados sobre uma manta no deserto ao lado do guia de mountain bike Maor e de Hovav, um cara que adora abrir novas trilhas em Israel.

Daqui, podemos ver Jerusalém e outra cidade menor ao longe. Tudo parece esparso e cinza na paisagem seca. Até mesmo os olhos têm que se acostumar com a vastidão interminável de areia. Hovav conhece absolutamente todas as trilhas de Israel – as usadas para mountain bike e vários outros caminhos. O labirinto de percursos off-road pelas quais os camelos passam nessa região rochosa onde estamos agora é o único lugar que outra pessoa que não ele conhece mais – e essa pessoa é Maor. Todo mundo o chama carinhosamente de “Zelador”. Maor gravou cerca de 700 km de trilhas via GPS por aqui e encontra cada uma delas sem a ajuda de aparelho de navegação.

Imagem: Martin Bissig

Guardamos as sobras do café da manhã e pegamos as bikes. Nossos amigos israelenses começam forte, dando tudo de si. Precisamos de um pouco de tempo para nos acostumar com o terreno rochoso e escorregadio. Eles querem nos mostrar uma trilha ainda em construção. Nós mal podemos esperar. Paramos, boquiabertos, depois de apenas dez minutos. Uau! Um enorme desfiladeiro se abre bem diante de nós. É um corte profundo, com formações rochosas em forma de terraços de arenito amarelo, em ambos os lados. Fazemos comparações com o Grand Canyon, em nosso país (os Estados Unidos), e com o desfiladeiro de Kali Gandaki, no Nepal.

Mas o melhor ainda está por vir: há ainda uma trilha do lado esquerdo, no alto do penhasco. Obviamente bem próxima à maldita beirada, passando pertinho dos terraços rochosos. Lindo, sem dúvida. Mas a questão é a margem de erro – que aqui é realmente pequena. Em alguns trechos a distância entre você e uma queda profunda não chega à largura de um guidão de mountain bike. Em outros pontos, a trilha tem até uma espécie de teto, pois formações irregulares de arenito se estendem acima de nossas cabeças, em direção aos céus. Estamos completamente eufóricos.

Vemos uma casa ao longe. Michele e eu não acreditamos nos nossos olhos. Uma construção se sobressai do cânion e se camufla perfeitamente com o entorno, toda feita de arenito. É enorme, com campanários, abóbadas e muitos andares, agarrando-se à parede do cânion como um ninho de andorinhas. Paramos apenas alguns metros mais adiante, impressionados, em frente ao Mar de Saba. Não cansamos da paisagem. Hovav explica que é um mosteiro grego ortodoxo onde vivem monges até hoje. E que foi fundado por um monge ermitão chamado São Sabas no século 5. No seu apogeu, chegaram a viver 8.000 monges no mosteiro, o que explica sua incrível grandeza.

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Imagem: Martin Bissig

O sol continua subindo, junto ao termômetro, que já superou os 30ºC às 11h. Partimos para pedalar em uma das trilhas mais conhecidas de Israel: a Sugar Trail. Ela acompanha uma antiga rota de comboio em direção ao Mar Vermelho. Muito antigamente, mercadores costumavam usá-la. Seus animais carregavam sal, especiarias e também açúcar. Alguns dos poços encontrados ao longo do caminho estão rodeados de cabras e temos que ziguezaguear entre elas. As subidas nunca são muito difíceis de vencer pedalando, e as descidas se revelam lisas, gostosas de pedalar, como se tivessem sido feitas para ciclistas. Somos afetados pela paisagem ao redor e nos sentimos isolados da civilização. É como se tivéssemos aterrissado em outro planeta – ou em outra época. A trilha de 25 km, quase sempre desértica, parece algo de outro mundo, imperdível para todos os mountain bikers que vão a Israel.

Um banho no Mar Morto também deveria estar em todas as listas de “coisas a se fazer” de quem vai à Terra Santa. Michele e eu não queremos perder essa diversão e pedalamos em direção à praia. O cheiro de ovo podre é cada vez mais forte devido à quantidade de dióxido de enxofre da água. A margem da praia está coberta de crostas de sal.

Algumas parecem estalactites se esticando em direção à água. Entramos na água cuidadosamente. Tínhamos ouvido muitas coisas sobre flutuar ali e sobre como é impossível se afogar. Éramos céticos até experimentarmos nós mesmos. Fomos nos submergindo aos poucos, tirando um pé do chão depois do outro. Nossa tentativa se mostrou um fiasco: flutuamos na superfície como se fôssemos de cortiça. Não conseguimos parar de gargalhar.

Imagem: Martin Bissig

PORÉM NÃO FICAMOS com a mesma vontade de dar risada quando avistamos várias cidades-fantasmas ao longo da costa. Há grandes buracos no chão em todo lugar. Parecem crateras abertas por bombas. Hovav explica que o nível do mar, diminuindo constantemente, está cavando a terra e fazendo o solo desmoronar. Isso ocorre devido à interrupção dos fluxos de água para a produção de energia hidrelétrica. O aumento da dessalinização para o mercado mundial também é em parte culpado. Vamos a um hotel abandonado e observamos o lugar de onde se podia colocar os pés na água a partir do terraço, cerca de 20 anos atrás. Hoje foi ocupado por plantações de melancia, com a praia a mais de 100 metros de distância. O negócio que um dia floresceu com visitantes ansiando por um banho de mar acabou há anos.

Algumas cidades do mundo são mesmo envolvidas por um certo misticismo. Jerusalém é uma delas, sem dúvida – e claro que é para lá que seguimos. Tínhamos escutado muitas histórias sobre a cidade. Mas, quando chegamos, percebemos que não sabemos absolutamente nada. O que aconteceu no Monte das Oliveiras? Qual é mesmo a diferença entre as grandes religiões do mundo? De que se trata exatamente o Muro das Lamentações? Não temos ideia de como responder a essas questões.

A Cidade Antiga, a parte velha de Jerusalém, é mais religiosa que qualquer outro lugar. É formada por quatro bairros diferentes quanto à etnia e à religião: o bairro muçulmano, o bairro cristão, o bairro armênio e o bairro judeu. Cada um deles têm seu caráter e charme próprios. Visitantes de todo o globo andam de lá para cá em suas ruas estreitas e animadas. Peregrinos passeiam tentando visitar todas as atrações sagradas de Jerusalém. Nessa parte da cidade, isso é o que não falta. A Basílica do Santo Sepulcro – que fica supostamente no lugar do túmulo de Jesus –, a mesquita de Al-Aqsa, o túmulo de Nossa Senhora, o Monte das Oliveiras, sem falar no Muro das Lamentações, e isso mencionando apenas alguns deles… Passamos o dia perambulando por vielas e pelo mercado, experimentando as deliciosas iguarias que nos ofereciam de vez em quando. Realmente amamos a halva, um doce típico feito de gergelim moído e caramelo de açúcar derretido, coberto com castanhas, pistaches, grãos de café e especiarias variadas.

No dia seguinte, nossos despertadores tocam às 4h da madrugada. Olho, sonolento, para Michele. Ele também parece estar muito cansado. Mas temos que continuar nossa aventura off-road. Hovav estará aqui em 30 minutos para em direção ao sul, até a cidade desértica de Mitzpe Ramon. Ela será nossa base nos próximos dias, enquanto exploramos o Deserto do Negev de bike. A pequena cidade fica na beirada da cratera de erosão Makhtesh Ramon, a maior desse tipo do mundo, no Negev. O chão à nossa frente despenca verticalmente cerca de 200 metros, ou mais. A área enorme lá embaixo parece interminável. A borda da cratera tem muitos quilômetros de comprimento para nossa esquerda. Estamos um pouco chocados com a espantosa demonstração da natureza que presenciamos.

Decidimos passar os próximos dias explorando a Israel Bike Trail, que começa aqui. Esse projeto gigantesco será uma trilha de mountain bike de 1.100 km de distância, dividida em 27 etapas de um dia. Depois de completamente sinalizada, o que ocorrerá dentro de alguns anos, o percurso ciclístico irá diretamente de Eilat, no sul, até o Monte Hermin, no norte de Israel. A construção da Israel Bike Trail é um esforço nacional. A Autoridade de Natureza e Parques do país é a organização do governo responsável pelo projeto. Aqui no sul já estão construídos e sinalizados cerca de 360 km do percurso.

Hovav, supermotivado como sempre, lidera o grupo na trilha. Tentamos acompanhar o ritmo dele. Mais uma vez, não conseguimos. Não estamos acostumados com temperaturas altas nem com um ar tão seco. Precisamos, desesperadamente, de uns cinco litros de água por dia, que pesam sobre nossas costas de manhã. A trilha é limpa como se tivesse sido varrida e lisa como uma enguia. À esquerda e à direita do caminho de 50 cm de largura, o percurso é rodeado de pedras, e nossas bikes rodam perfeitamente pelo caminho. É difícil determinar quantas horas de trabalho foram gastas aqui com rastelos e pás para remover as pedras. Descobrimos que no Negev toda a trilha foi feita manualmente.

Quase como uma magia, nós nos sentimos atraídos para a beirada da cratera repetidas vezes para apreciar a paisagem. Nossos guias chamam nossa atenção: estamos em uma área de reserva natural e temos que permanecer na trilha, por favor. Ficamos admirados com o respeito de Hovav pela natureza e com o cuidado com o qual ele se desloca por ela. Alguns quilômetros adiante, a parede íngreme da cratera oferece uma abertura. A trilha nos leva à base da cratera, paralelamente à uma estradinha para quadriciclos. Dá para ver uma faixa interminável de trilha serpenteando ao longe.

Estamos contentes por antecipação. Michele e eu temos certeza de que o downhill é incrível. Sorteamos para ver quem desce primeiro. Michele ganha. Começamos a descer com sorrisos enormes no rosto e não ficamos desapontados. A linha da trilha é fluida e com curvas perfeitas. Pequenas encostas nos permitem ir rápido. Novamente constatamos que todos os obstáculos foram retirados da trilha e podemos curtir a o flow da pedalada.

Marcos de pedras foram instalados a distâncias regulares, ou pelo menos quando um caminho cruza com outro, ou quando você chega a um cruzamento. Pequenas pedras com o logo da trilha ou mesmo pequenas colunas de concreto indicam o caminho, então não há como se perder. Existem até mesmo grandes painéis que dão uma visão geral dos trechos seguintes da trilha. O tempo voa, e rapidamente atravessamos quase toda a cratera. As etapas do percurso foram divididas de forma que você sempre termine em um local para montar acampamento ou em uma pequena cidade. É perfeito, eles realmente pensaram em tudo quando planejaram isto aqui.

Passar as noites em uma barraca no deserto sempre tem um charme especial. Nunca tínhamos visto um céu noturno tão reluzente e brilhante. A poluição luminosa e do ar são bem baixas e podemos ver as estrelas nítidas e radiantes. Conseguimos identificar a Via Láctea com facilidade.

O deserto, em geral, oferece um panorama único e com encantos muito especiais. Vivemos dias incríveis em nossa aventura pela Terra Santa. Atravessamos passagens arenosas nas quais tivemos que empurrar nossas bikes de vez em quando, mas por pouco tempo. Passamos por uma enorme variedade de tipos de pedras de cores diversas e vimos plantas inesperadas nas laterais da trilha inúmeras vezes. Flores roxas, amarelas ou vermelhas desabrochando entre as rochas e a areia. Muitas delas, espécies endêmicas da região, o que quer dizer que só podem ser vistas aqui, no Deserto de Negev.

Um dos trechos preferidos de Hovav nos espera no dia seguinte, como ele nos conta alegremente pela manhã. Pedalaremos em um wadi, o leito seco de um rio. Os arredores, antes tão planos, vão ficando cada vez mais montanhosos. Árvores isoladas aparecem pelo caminho. O terreno que se eleva ao redor de nós continua crescendo e logo parece insuperável. Tememos ter que carregar nossas bikes para subir aquelas íngremes ladeiras em algum momento. Mas não: nosso caminho aparece na parte direita da encosta, serpenteando montanha acima em ângulos suaves. Pedalamos confortavelmente e subimos ziguezagueando sem fazer muito esforço. Essa é realmente uma obra-prima da construção de trilhas! Os cruzamentos foram nivelados, as curvas, preenchidas e asseguradas com paredes de pedra, todos os grandes obstáculos, removidos. Em um determinado ponto, uma rocha do tamanho de um carro pequeno jaz na lateral da trilha. Hovav explica que, para poder dar a linha ideal à trilha, eles removeram grandes pedras, como aquela, usando colchões de ar enormes. Sem a ajuda de nenhuma máquina.

Subimos com facilidade os 250 metros de desnível e, no topo, chegamos a uma planície. Ainda temos muito pedal pela frente, e o próximo downhill nos espera. O leito do esperado rio repousa abaixo de nós. Encontramos paredes íngremes de diversos tons de vermelho de ambos os lados, rochedos enormes e árvores que dão sombra. Parece uma pintura. Aqui a trilha também se integra perfeitamente à paisagem. Aceleramos montanha abaixo no caminho rochoso. Um rebanho de cabras descansa sob uma árvore, usufruindo da escassa sombra que ela oferece. Um pouco depois, encontramos dois camelos deitados do lado da trilha. Eles estão cochilando. O trecho da Israel Bike Trail que atravessa o Deserto do Negev é uma experiência única.

Não esperávamos experimentar uma trilha tão pedalável no meio de um cenário tão surreal. Construir uma trilha de altíssimo nível manualmente e respeitando o meio ambiente é algo muito especial. Infelizmente, depois de três dias, não temos tempo para mais nada; precisamos deixar o deserto e partir em direção ao norte e explorar novas atrações ciclísticas. Mais de 40 experientes construtores de trilhas trabalham no país como um todo.

Eles estão construindo uma estrutura diversificada para ciclistas em diferentes regiões. Por exemplo: pode-se chegar a uma floresta ao lado de Tel Aviv a partir de vários quilômetros de trilhas após uma viagem de 15 minutos de ônibus público. Uma grande diversidade de trilhas também está sendo construída nas Colinas de Golã, no norte do país, muito mais fértil e verde.

Queremos passar nosso último dia em Tel Aviv. A cidade é muito diferente da sagradíssima Jerusalém. Diferente de qualquer outra cidade de Israel, aliás.

Cerca de 400 mil pessoas vivem nessa metrópole econômica e comercial. Os aluguéis aqui são mais altos que em todo o resto do país. A cidade tem vida 24 horas. Durante o dia, o trânsito invade as ruas constante mente congestionadas. À noite, os bares e discotecas ficam repletos de jovens. A diversão nunca termina.

Começamos o dia em uma pequena cafeteria na praia. Pedimos um café hafush, a versão israelense do cappuccino, com omelete, labaneh – um tipo de coalhada seca – e suco de romã recém-espremida.

Uma brisa fresca de ar do oceano chega até nós. Pedalamos vagarosamente pelas antigas ruas da Cidade Velha de Jaffa. Tel Aviv, que foi fundada em 1909, era originalmente o subúrbio da antiga cidade portuária de Jaffa. As duas se uniram em 1950. Atualmente, as ruas antigas estão cheias de lojinhas, restaurantes e uma grande variedade de bares.

Passamos a tarde na praia, amplamente visitada. Uma calçada beira-mar de 15 km de comprimento construída recentemente encoraja passeios. A água é limpa e de temperatura agradável. Claro que não recusamos o obrigatório drinque ao pôr do sol com música relaxante. Fincamos bem nossos pés no chão e vemos o sol baixar lentamente atrás do mar com nossas bebidas na mão.

Entretanto pensar sobre Israel é também refletir sobre o conflito do Oriente Médio. Não dá para visitar o país sem se lembrar da miséria do povo palestino aqui ao lado, que vive em situação precária a poucos quilômetros da riqueza de Tel Aviv e outras cidades israelenses.

Mas Israel é um tesouro a ser descoberto por quem  ama pedalar – e certamente o esporte é um caminho para chegar a tempos melhores para as duas partes desse conflito. A bike abre portas, quebra barreiras, deixa corações mais ternos. Que a alegria de pedalar possa chegar também às fronteiras vizinhas dos israelenses, pois usufruir de tudo isso sem compartilhar não parece fazer muito sentido. Após tantos dias inesquecíveis na Terra Santa, nós nos sentimos imensamente agradecidos pela hospitalidade e por ter visto tanta beleza – e isso tudo em cima de uma bike.

MELHOR ÉPOCA: Outubro a março

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ONDE FICAR:
O YMCA,  em Jerusalém, é uma construção bonita com uma torre enorme que oferece vistas incríveis da cidade. Em Tel Aviv, o Atlas é um hotel bacana, de onde se pode caminhar até a praia.

PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE A Israel Bike Trail, acesse ibt.org.il/en/







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