Como expedições exclusivas de mulheres têm impulsionado os limites da escalada

Por Bruno Romano
Fotos Savannah Cummins

Existem escaladoras extremamente técnicas. E existem aventureiras destemidas. Há ainda mulheres desbravadoras, dedicadas e criativas. E outras tão comprometidas com algum objetivo que são capazes de arriscarem suas vidas na busca por feitos inéditos. Agora, unir todas essas características em uma mesma pessoa é algo raro. Juntar casos parecidos, então, parece impossível. Mas cada vez mais apaixonadas pelas montanhas têm entrado em ação conjunta, combinando suas forças. Um trio em especial – formado pelas norte americanas Anna Pfaff, Savannah Cummins e Lindsay Fixmer – vem chamando a atenção, cravando ascensões pioneiras em um altíssimo nível de desafio e de qualidade, tanto nas escaladas como na documentação das proezas.

Anna, Lindsay e Savannah completaram recentemente conquistas em picos antes intocados nos Himalaias, explorando o vale Raru, parte da Cordilheira Zanskar, no norte da Índia. Logo na sequência, em dezembro de 2017, Anna e Savannah integraram uma espécie de “time dos sonhos”, escalando no Alasca na companhia de ícones mundiais: os norte-americanos Alex Honnold, Cedar Wright, Conrad Anker e Jimmy Chin. A cada nova missão, elas parecem mais fortes e confiantes para mirar ainda mais longe. Para entender de onde vem e para onde vai essa história, falamos com as três atletas sobre desafios improváveis, times femininos formados com mais frequência e algumas questões delicadas, aquelas nem sempre tão “épicas”, mas comuns na vida outdoor.

Savannah Cummins, 25
A REVELAÇÃO: Juventude, ousadia e talento andam lado a lado na sua jornada, que já inclui experiências extremas no Alasca, na Groenlândia e nos Himalaias, revelando seu diferencial na fotografia outdoor e na capacidade de acompanhar atletas de elite.

 

 

 

Anna Pfaff, 36
A CAPITÃ: Escaladora profissional e enfermeira. É a mais experiente do grupo e líder das expedições. Acumula viagens e feitos na Ásia e nas Américas que a carimbam como uma das mais icônicas alpinistas da sua geração.

Linssay Fixmer, 37
A INDESTRUTÍVEL: Exímia guia de alta montanha e habilidosa escaladora em rocha e gelo, domina várias vertentes do esporte e é do tipo que sobrevive ao pior perrengue possível sem tirar o sorriso do rosto.

A PAIXÃO PELAS MONTANHAS

Lindsay: Eu amo desafios no gelo e na rocha. Para vivê-los, é preciso sintonizar um ritmo, uma paciência e um estado de flow (fluxo de pensamentos) que não encontro em nenhum outro lugar. As montanhas exigem tudo de mim. Também proporcionam uma expansão imensa de beleza, tranquilidade e ar fresco. Não apenas me sinto muito mais viva quando estou nelas como preciso delas para viver.

Anna: Gosto de experimentar essa enorme combinação de elementos que a vida na montanha traz: a habilidade física, a resistência, o pensamento crítico e o gerenciamento de riscos e objetivos. Não deixa de ser também um sentimento de liberdade, até porque você tem a liberdade de falhar. Tudo isso em um lugar de isolamento, onde você e a natureza podem se tornar um só.

Savannah: Eu nunca refleti muito sobre isso, porque as montanhas sempre me atraíram, então acaba sendo algo natural. Mas acho que o que me instiga mesmo é a sensação de realidade que elas trazem para a vida.

As lentes de Savannah Cummins registram as investidas de Anna Pfaff e Lindsay Fixmer em picos virgens do vale Raru, norte da Índia

A INSPIRAÇÃO

Anna: Explorar lugares novos. Se possível, aqueles que nem mesmo outros escaladores já foram.

Savannah: Escalada em rocha. Pura. Intensa. Brutal. É assim que vou perdendo meus medos e me divertindo cada vez mais enquanto expando meus limites.

Lindsay: São as fotos que me inspiram. Olho para uma imagem de uma via no gelo, de um maciço de rocha incrível ou de uma linda cordilheira e penso: “É isso, preciso ir para lá”.

A ROTINA

Lindsay: Sigo o gelo no inverno e busco as rochas no verão. Como guia, acabo me aproximando de locais icônicos de escalada, onde posso trabalhar ou subir por conta própria. Quando não estou fazendo nem uma coisa, nem outra, costumo levantar uma grana tocando violão e cantando em bares locais de cidades no pé das montanhas.

Anna: Minha agenda é bem cheia. Atualmente sigo os conselhos do meu treinador, Steve House, assim consigo manter a forma para objetivos mais exigentes – enquanto isso, eu divido o restante do tempo em viagens e no trabalho de enfermeira.

Savannah: Aprendi a ajustar de forma mais leve a rotina, seguindo a maré, sem um padrão rígido. Mas sou extremamente organizada. Tenho calendário e listas de missões, de trabalhos a objetivos na escalada. Se não for assim, esqueço das coisas e me perco facilmente.

A CENA FEMININA

Anna: Percebo que as mulheres começaram a entrar de vez no mundo do alpinismo. É ótimo ver esse movimento acontecendo, e espero que siga crescendo.

Lindsay: Ainda sinto falta de mais mulheres expandindo limites em escaladas mais técnicas, sobretudo no gelo e/ou alta montanha. De forma geral, acho que elas precisam ser desafiadas para, enfim, provarem suas habilidades em vias mais difíceis. Só assim vão desenvolver verdadeiras fortalezas mentais. Bons exemplos de outras mulheres com certeza ajudam.

Savannah: Tenho certeza de que há várias mulheres “cascas-grossas” escalando por aí, mas suas histórias ainda não foram contadas. Não vejo a hora de encontrá-las para fazer isso.

Lindsay escala uma cachoeira congelada no Canadá

AS CILADAS

Savannah: A expedição no norte da Índia ficou marcada pelas lindas imagens em dia de tempo bom e pela ascensão inédita de um time feminino [“The Gem”, ou Peak 5400]. Mas há vários momentos menos “memoráveis” que ninguém vê. Vomitar por quatro dias seguidos chacoalhando em estradas de terra. Dividir espaço com as moscas do cocô dos animais no acampamento-base. Passar mais de 15 dias sob frio, vento forte e neve. Ou ainda se sentir mal na altitude. Tudo isso faz parte de objetivos maiores – e nos leva a pensar como podemos fazer melhor da próxima vez.

OS RISCOS

Lindsay: Como guia e escaladora, baseio minhas decisões no que está dentro do meu plano de gerenciamento de riscos, algo variável de acordo com condições e situações. Você também aprende a calcular e reduzir esses riscos com base em experiência, treinamento e outras ferramentas. Por mais clichê que seja, a morte faz parte da vida – de alguma forma, todos vamos embora – e errar é humano. Às vezes nós escapamos das consequências de nossos erros e outras vezes não. Mas há uma vida para se viver, então eu escolho vivê-la na base de aventuras nas montanhas

OS APRENDIZADOS

Anna: Escalar exige experiência, então é bom começar cedo. Mas não tenha medo de se jogar e descobrir seu próprio rumo durante o caminho. Eu não tinha a mínima ideia de que me tornaria uma montanhista expedicionária quando encarei uma via pela primeira vez.

Lindsay: Escalar uma cachoeira congelada realmente é uma atividade sem sentido. Outro dia, um garotinho me viu escalando e me perguntou o que eu estava fazendo. Tentei explicar. Ele, então, falou: “Legal, mas por quê?”. Eu cocei a cabeça, pensei e respondi: “Porque é divertido!”. No fim, acho que tudo se resume a isso