Guia envolvido no resgate de três sobreviventes na Pirâmide de Carstensz explica o que deu errado
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Quando o guia de montanha americano Garrett Madison encontrou três alpinistas indonésios agachados juntos em uma crista próxima ao cume do Puncak Jaya (4.884m) — também conhecido como Pirâmide Carstensz — em 1º de março, eles estavam em uma situação desesperadora. “Eles estavam extremamente confusos”, Madison me disse. “Passaram a noite lá em cima, estavam desorientados e exaustos, definitivamente com hipotermia.”
O trio de escaladores isolados estava encharcado pela chuva e neve, lutando para sobreviver com temperaturas próximas ou abaixo de zero durante a noite. Não estava claro há quanto tempo os três — o guia Alvin Reggy Perdana, a cliente Indira Alaika e o cliente Saroni (muitos indonésios não possuem sobrenome) — estavam abrigados na crista exposta. Pelos relatos de cume, eles ficaram lá por pelo menos 18 horas.
A caminho para prestar socorro, Madison e os colegas resgatistas Tashi Lakpa Sherpa e Ben Jones já haviam encontrado os corpos de duas outras alpinistas, Lilie Wijayati e Elsa Laksono, que morreram durante a noite. “O rigor mortis já havia se instalado”, diz Madison. “Elas estavam mortas há algum tempo.”
Em uma reviravolta trágica, as duas mulheres falecidas, ambas com 59 anos, eram colegas de escola no ensino médio, na St. Albertus Catholic Senior High School, em Malang, uma cidade em Java Oriental. Elas haviam escalado a montanha, em parte, para instalar uma placa em homenagem a um ex-colega de classe que faleceu ali no ano passado, Hanafi Tantono, de 60 anos.
Escalando a Pirâmide de Carstensz
A Pirâmide de Carstensz, ou Puncak Jaya, é a montanha mais alta da ilha da Nova Guiné e o pico mais alto da Indonésia e de toda a Oceania. Seu status como um das “Sete Cumes” — as montanhas mais altas de cada continente — sempre atraiu grande atenção. No entanto, sua localização na remota e volátil província indonésia da Papua torna o acesso difícil. De 2019 a 2024, a montanha esteve fechada para escaladas devido a conflitos armados entre separatistas papuanos e o governo indonésio.
Embora tenha uma altitude relativamente baixa, o Puncak Jaya é, sob certos critérios, a montanha tecnicamente mais desafiadora das Sete Cumes. O cume é normalmente alcançado em um único dia a partir do acampamento-base (4.299m), após alguns dias de aclimatação. No entanto, a rota padrão até o topo exige a escalada de trechos de rocha com grau de dificuldade em torno de 5.6 (4c). Desde sua reabertura no ano passado, dois alpinistas já morreram: Tantono, que sofreu um ataque cardíaco, e o chinês Dong Fei, que caiu após não se prender corretamente a uma corda fixa.
O incidente de 1º de março e o resgate
Todos os cinco alpinistas envolvidos no desastre de 1º de março faziam parte da mesma expedição: um grupo de 20 pessoas, entre guias e clientes, da empresa Indonesia Expeditions. O grupo começou a escalada por volta das 4h da manhã (horário local) do dia 28 de fevereiro. Rahman Mukhlis, presidente da Associação Indonésia de Guias de Montanha (AGPI), disse à imprensa que os últimos membros da equipe alcançaram o cume às 14h.
O clima piorou ao longo do dia, com ventos fortes, chuva, granizo e temperaturas baixas. Dois grupos de alpinistas em descida — os três na crista do cume, além de Wijayati e Laksono, que estavam acompanhadas pelo guia indonésio Nurhuda — ficaram exaustos demais para continuar descendo. Com a bateria fraca, o comunicador de rádio do grupo não conseguia transmitir mensagens com eficácia. Diante disso, Nurhuda, que também começava a sofrer de hipotermia, deixou suas clientes e desceu sozinho para pedir ajuda. Ele chegou ao acampamento às 20h45 para relatar a situação.
Ao saber da emergência, o guia nepalês Dawa Gyalje Sherpa subiu para tentar resgatar Wijayati e Laksono. As duas mulheres haviam descido cerca de 90 metros acima do acampamento-base (aproximadamente 45 minutos de trilha), mas já estavam à beira da morte quando Dawa Gyalje as encontrou. “Elas morreram em seus braços”, diz Madison. “Dawa as cobriu e desceu sozinho.”
Madison acordou às 6h30 da manhã seguinte com um chamado de emergência. “Eu não sabia que nada disso tinha acontecido durante a noite. Eu estava dormindo”, explica. “Quando acordei, já tínhamos a informação de que duas pessoas estavam mortas e três estavam presas na rota. Havia rumores de que uma equipe de resgate estava a caminho, mas não havia helicópteros voando, então eu sabia que demoraria. Fiz o que podia para ajudar.”
Logo depois, Madison, junto com Tashi Lakpa (da 14 Peaks Expeditions) e Jones (da Alpine Ascents), pegou cordas, roupas extras, comida, água quente e remédios para altitude, e subiu a rota. Bem aclimatados e com tempo bom, o trio avançou rapidamente. Eles passaram pelos corpos das duas mulheres e alcançaram a crista do cume antes do meio-dia. Lá, encontraram os três alpinistas isolados, ofereceram água quente com eletrólitos, géis energéticos e o medicamento Dexametasona, além de ajudá-los a trocar de roupa. Madison amarrou-se ao mais velho, Saroni, enquanto Jones e Tashi Lakpa desceram com Alaika e o guia Perdana.
O grupo estava de volta ao acampamento no meio da tarde, e Madison observou que todos pareciam estar se recuperando bem. Pelo que se vê em sua recente postagem no Instagram, Alaika foi hospitalizada para tratar hipotermia e edema pulmonar de altitude (HAPE).
Além de homenagear o colega de classe Tantono, Wijayati e Laksono estavam em uma missão pessoal para escalar as “Sete Cumes da Indonésia”, os picos mais altos de cada uma das sete principais ilhas do país. O Puncak Jaya era o último da lista. Wijayati teria sido a mulher mais velha a completar o feito.
Elsa Laksono, uma das duas vítimas do incidente em Puncak Jaya em 1º de março:
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A outra vítima, Lilie Wijayati, era amiga de longa data de Laksono, ex-colega de classe e parceira de aventuras:
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O que deu errado
Embora a Pirâmide de Carstensz seja considerada uma montanha técnica, todas as suas seções de escalada em rocha possuem cordas fixas, e a travessia de tirolesa, antes necessária para superar lacunas na crista do cume, foi substituída por um cabo, semelhante a uma via ferrata. Atualmente, a maioria dos acidentes ocorre devido à doença da altitude, condições climáticas ruins ou hipotermia decorrente disso.
Madison, que administra a empresa de expedições Madison Mountaineering e tem vasta experiência guiando nas Sete Cumes, havia escalado a Pirâmide de Carstensz com seus clientes alguns dias antes. Para ele, o incidente foi um exemplo claro de falha em respeitar um bom horário de retorno. A ascensão normalmente leva de 10 a 15 horas, então o grupo da Indonesia Expeditions começou cedo o suficiente (4h da manhã), mas as condições na montanha costumam piorar à tarde. O horário de cume às 14h era tarde demais para garantir uma descida segura. “Eles forçaram tanto para chegar ao cume que não tinham energia suficiente para descer”, explica Madison.
Casos como esse são comuns em montanhas populares e comercializadas, onde o desejo de alcançar o cume pode ofuscar o julgamento.
Por fim, Madison destaca que, acima de tudo, os guias são responsáveis por garantir a segurança dos clientes. “Se os clientes estão fracos e incapazes de descer com segurança, os guias devem tomar a decisão difícil de virar antes”, conclui.