Uma nova abordagem para o treino de resistência envolve inalar monóxido de carbono — e reacende velhos debates sobre morrer para vencer
Em 1969, pesquisadores da Marinha dos EUA coletaram amostras de sangue da tripulação de um submarino nuclear Polaris durante uma patrulha de oito semanas. Três quartos dos marinheiros eram fumantes, o que elevou de forma crônica os níveis de monóxido de carbono nos espaços selados do submarino. Após algumas semanas nesse miasma tóxico, os níveis de hemoglobina — a proteína essencial nas células vermelhas do sangue que transporta oxigênio dos pulmões para os músculos — aumentaram em média 4,4%. De alguma forma, a fumaça passiva havia transformado os submarinistas em superatletas aeróbicos.
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Essa descoberta, entre outras semelhantes, foi arquivada por décadas. Afinal, fumar destrói os pulmões, então qualquer benefício de desempenho seria superado pelos danos. Mas então, no ano passado, a ideia explodiu. Cientistas publicaram novos dados mostrando que inalar monóxido de carbono poderia aumentar a resistência. Outros cientistas responderam com editoriais alertando sobre os perigos de brincar com um gás cujo apelido é “o assassino silencioso”. Manchetes ao redor do mundo anunciaram que equipes do Tour de France estavam inalando o gás — uma aparente confirmação do clichê de que atletas de elite aceitam qualquer risco em troca da vitória. Mas a história completa é um pouco mais complexa.
A busca por resistência envolve, em parte, a hemoglobina. Mais hemoglobina significa mais oxigênio entregue aos músculos, o que permite correr, pedalar ou nadar mais rápido e por mais tempo. Quando você priva seus músculos de oxigênio durante o treino, seu corpo responde secretando EPO, um hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos carregadores de hemoglobina. É assim que funciona o treinamento em altitude: há menos oxigênio disponível, então o corpo produz mais EPO para compensar. (E é também por isso que a EPO sintética é a substância proibida preferida entre atletas de resistência.)
Praticamente todas as drogas que melhoram o desempenho estão associadas a riscos à saúde — e isso não afetou sua popularidade.
Quando você inala monóxido de carbono, parte das suas células vermelhas do sangue começa a transportar moléculas desse gás (em vez de oxigênio) pelo corpo. O monóxido de carbono se liga à hemoglobina e não solta mais, tornando essas células inúteis para o transporte de oxigênio por muitas horas. É como se fosse um “treino em altitude engarrafado”: seu corpo percebe a escassez de oxigênio e responde produzindo mais EPO. Mas se você inalar demais, não vai conseguir fornecer oxigênio suficiente para o coração e o cérebro — e, uma vez que a hemoglobina está saturada de monóxido de carbono, reverter esse quadro não é fácil. Cerca de 1.200 pessoas morrem por ano nos Estados Unidos por envenenamento por monóxido de carbono, seja de forma acidental ou intencional.
O uso de monóxido de carbono como potencializador de performance é algo compreendido, mas raramente falado abertamente. Só em 2018 a ideia começou a tomar forma de maneira mais concreta. Um estudo inicial confirmou que respirar monóxido de carbono de forma deliberada aumentava a produção de EPO. No ano seguinte, pesquisadores na China — encarregados de preparar os atletas do país para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 — relataram que jogadores universitários de futebol que inalavam o gás cinco vezes por semana apresentaram aumento nos níveis de hemoglobina. Um estudo alemão de 2020, em que os participantes inalavam o gás cinco vezes por dia, chegou a conclusões semelhantes. Mais recentemente, um estudo publicado no outono passado por pesquisadores da Noruega combinou o treinamento em altitude com a inalação de monóxido de carbono duas vezes ao dia, buscando um efeito sinérgico.
Mas ainda não há um único relato verificado de um atleta que tenha realmente usado essa técnica. Entrei em contato, em off, com fontes de vários esportes de resistência de elite, assim como com pesquisadores da área, e nenhum deles ouviu sequer rumores sobre o uso real do método. Até agora, o risco é apenas teórico. As manchetes durante o Tour de France referiam-se ao uso de pequenas doses de monóxido de carbono para medir os níveis de hemoglobina — uma técnica usada há muito tempo no esporte de alto rendimento para avaliar como os atletas estão respondendo ao treinamento em altitude, mas em doses muito baixas para gerar qualquer aumento de performance. Ainda assim, há uma zona cinzenta aqui: uma vez que o aparelho de monóxido de carbono está dentro da van da equipe, surge a tentação de usá-lo de outras formas. Mas será que atletas de elite — verdadeiros exemplos de supercondicionamento físico — correriam um risco tão estúpido?
Seja racional ou não, todos nós aceitamos algum grau de risco na busca pelos nossos objetivos.
É uma pergunta válida. Nas décadas de 1980 e 1990, o médico de Chicago Robert Goldman circulou uma série agora infame de questionários entre atletas de elite, perguntando se eles tomariam uma substância indetectável que os tornaria imbatíveis por cinco anos — mas que depois causaria sua morte devido aos efeitos colaterais. Cerca de metade dos atletas aceitou o acordo, segundo ele relatou. O chamado “Dilema de Goldman” é frequentemente citado como prova da obsessão dos atletas modernos por vencer, a qualquer custo. E, de fato, praticamente todas as substâncias que melhoram a performance estão associadas a riscos à saúde — e isso não afetou sua popularidade. “Tem cara que vai ao enterro de um amigo que morreu por causa dessas coisas, volta pra casa e injeta de novo”, disse um corredor olímpico anônimo à Sports Illustrated em um artigo de 1997 sobre o Dilema de Goldman.
Mas não está claro se os respondentes de Goldman levaram a pergunta a sério — ou se as atitudes mudaram desde então. Tentativas mais recentes de reproduzir os resultados levantam dúvidas. Um estudo de 2018 da Universidade Duke estimou o “risco máximo de mortalidade aceitável” que quase 3.000 atletas aceitariam em troca da garantia de uma medalha de ouro olímpica. Ninguém aceitou o acordo se significasse morte certa. Dependendo do esporte e do nível de competição, os atletas estavam dispostos, em média, a aceitar entre 7% e 14% de risco de um ataque cardíaco fatal.
Ainda assim, é um risco considerável. Mas, como apontam os pesquisadores, é comparável aos riscos que as pessoas dizem estar dispostas a correr em troca de outros resultados transformadores, como alívio da artrite reumatoide. E não é fundamentalmente diferente dos tipos de risco enfrentados em expedições de montanha, esportes extremos ou em regiões remotas. Sendo racional ou não, todos nós aceitamos algum grau de risco na busca pelos nossos objetivos. Por isso, parece improvável que a possibilidade teórica de um acidente fatal seja, por si só, suficiente para dissuadir atletas de tentarem obter um ganho de performance com o monóxido de carbono.
Em fevereiro, a UCI — entidade máxima do ciclismo mundial — baniu a inalação repetida de monóxido de carbono com fins de melhora de desempenho, embora o uso de doses únicas para medir os níveis de hemoglobina continue permitido. Pode parecer um daqueles compromissos mornos e difíceis de fiscalizar: a substância é permitida, mas você tem que prometer que está usando pelos motivos certos. Ainda assim, acredito que foi a decisão certa. As agências antidoping devem, claro, fazer o possível para flagrar quem trapaceia sem arrependimento. Mas também têm um papel essencial em estabelecer normas mais amplas sobre quais riscos deveríamos — ou não — aceitar na busca por uma medalha de ouro. Atletas motivados farão tudo o que as regras permitirem — então, que não os incentivemos a inalar gases de escapamento cinco vezes por dia, da mesma forma que não os trancaríamos em um submarino nuclear com uma tripulação de fumantes inveterados.
Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside.