Maratona no deserto

Fernanda Maciel fala sobre suas impressões na Maratona de Sables, a corrida mais quente do mundo

POUCO MENOS DE DOIS MESES após se tornar a primeira mulher a alcançar o cume do Aconcágua correndo, a corredora Fernanda Maciel decidiu tentar a sorte na Marathon des Sables (a Maratona das Areias), famosa por expôr seus participantes às agruras do deserto do Saara – são 257 km disputados ao longo de uma semana. E a mineira fez bonito: ficou em terceiro lugar entre as mulheres. Batemos um papo com ela sobre como foi a experiência.

Por Fernanda Beck

GO OUTSIDE: Por que você decidiu correr a Marathon des Sables?
Fernanda Maciel: Quis correr neste ano porque a prova entrou para o circuito mundial de Ultramaratonas, o Ultra Trail World Tour. Antes, ela não fazia parte do circuito e, por isso, o nível de corredores não era tão alto. Mas agora, tanto os corredores de ultra distância especialistas em deserto, quanto os especialistas em montanha estão presentes, o que faz com que a Marathon des Sables fique mais interessante e profissional. Tive muito medo de correr porque estou anêmica e não tive tempo para me preparar para o deserto. Eu tinha feito recentemente o recorde do Aconcágua, e por lá eu enfrentei uma montanha de quase 7.000 metros de altitude e 25º Celsius negativos. Tive que correr na neve, sem oxigênio e bem “devagar”. Já Em Sables, a prova tem 257 km ao nível do mar, em um terreno arenoso e plano. Mas não tive escolha, foi à base do tudo ou nada para tentar pontuar no Circuito Mundial.

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CALOR: Fernanda durante a Marathon des Sables de 2016 (FOTOS: Covadonga Cue©CIMBALY/MDS2016)

As maiores dificuldades são em relação ao calor?
Nesta prova, tomamos pouca água (e não existe água gelada), comemos pouco, enfrentamos dunas e um sol constante. É preciso amar muito o sol e ter muita técnica para conseguir correr e subir essas dunas. As paisagens são lindas, o céu é hipnotizante, com inúmeras estrelas brilhantes, mas durante o dia faz muito calor, chegou a 49ºC, e durante a noite é muito frio (2ºC). Outro desafio é que, nesta prova, é obrigatório um peso mínimo de 6,5 kg, e eu estou acostumada a correr sem peso. Assim, o meu ritmo era mais baixo, variava entre 6 e 14 km/h. Para minimizar o peso da mochila, usei a mesma roupa durante os 7 sete dias. Nada de shampoo. Também passei muita fome e dormi no chão, sem colchonete.

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ALEGRE: Fernanda durante a prova

Chegou à conclusão de que a Marathon des Sables é realmente “a prova mais difícil do mundo”?
Eu não achei que essa é a prova mais difícil do mundo, porque as distâncias não são muito longas. Era praticamente uma maratona por dia durante cinco dias e uma ultramaratona de 84 km durante um dia (esta, eu corri em 10h30min, mas muitos competidores levaram dois dias para completar). Existem provas muito mais difíceis que esta, ao meu ver. Claro que esta não é nada fácil, eu chorava cada vez que via o pórtico de chegada de cada etapa. E depois tinha febre pelo esforço que tinha feito.

Na MdS (assim como em outras provas de ultra), o atleta precisa levar consigo tudo de que vai usar durante o percurso. Você levou algo em especial, pela prova ser no deserto?
Sim, tem uma lista de equipamentos obrigatórios: saco de dormir, isqueiro, manta térmica, espelho, fogareiro, comida para sete dias (mínimo de 2.000 kcal por dia), roupas, boné, viseira, lanterna de cabeça com bateria extra, protetor solar, antisséptico para curar as bolhas, agulha… Os corredores levam muito mais comida, colchonete, agasalho para não passar frio à noite, objetos pessoais para se banhar, roupa extra para correr, meias extras. Mas como eu fui para tentar o pódio, não levei quase nada, o que tornou a prova realmente difícil. Tive que dormir direto no chão, em cima de pedras pontudas e espinhos, passar muita fome e não carregar muita água para poupar peso. Passei 10 dias quase como uma “mendiga”, com roupa suja, sem banho, passando calor e frio extremos, usando água só para escovar os dentes. No final do dia, eu estava tão sem energia que mal tinha forças para abrir os olhos. O único equipo diferente que levei ao deserto foi uma polaina, costurada no meu tênis, que serviu para não entrar areia nos pés.

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CASTELO DE AREIA: Fernanda passa por outro competidor durante a Marathon des Sables

Teve algo que gostou? Pretende participar novamente?
Quando acabei a prova, gritei: “Nunca mais!” (risos). Mas agora já tenho boas lembranças! Gosto muito mais de correr na montanha do que no deserto. Para mim, não há comparação. Mas amei a experiência, por ser uma prova em estágios, em que você acaba conhecendo muitos corredores e fazendo amizade com muito deles. Além disso cenário é incrível, o nascer do sol no deserto é realmente mágico. Valeu a pena viver esta história bonita, e futuramente espero voltar a correr no deserto. Mas agora quero mesmo é continuar subindo montanhas.

Quais os próximos planos? Outro grande projeto pela frente?
Neste ano, participarei da Wings for Life World Run, no dia 8 de maio, em Brasília (DF). É uma corrida de rua que arrecada fundos para pesquisas que buscam a cura para lesões medulares. E seguirei representando o nosso país no circuito Ultra Trail World Tour e Sky Running World Championships.







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