A Maratona de Nova York é talvez o evento mais claustrofóbico dos esportes de resistência. Mais de 50 mil corredores se espremem ombro a ombro pelas avenidas da cidade, desde a Ponte Verrazano Narrows até o Central Park. Milhões de pessoas mais se amontoam nas calçadas para aplaudir, bater tambores e acenar com cartazes caseiros sarcásticos.
Não me entenda mal, é uma cena fabulosa, e sempre guardarei com carinho as lembranças de correr a maratona em 2016 e de participar várias vezes como fã e jornalista. Mas a aglomeração é tão intensa que participantes, espectadores e até organizadores tentam ocupar o menor espaço possível, com medo de tropeçar acidentalmente em um corredor ou de chutar um fã.
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Então, quando vi as manchetes sobre um YouTuber que recentemente desrespeitou as regras de proximidade da maratona, toda a situação me incomodou. No domingo passado, um influenciador da internet chamado Matt Choi foi um dos 55.646 a completar os 42,2 km que cruzam os cinco distritos de Nova York. Mas, diferente dos outros 55.645 participantes, Choi tinha duas pessoas em e-bikes ao seu lado para filmar cada passo. Choi é uma celebridade no Instagram e no YouTube e queria documentar cada passo para seus meio milhão de seguidores.
Segundo a Runner’s World, a equipe de filmagem foi um verdadeiro incômodo: eles ziguezaguearam pela multidão e obstruíram outros corredores. A última cena do vídeo de Choi no Instagram mostra um cinegrafista correndo em volta de corredores exaustos, pouco antes de Choi cruzar a linha de chegada. “Sub-três, bebê!” Choi grita ao cruzar a linha. Ele completou a corrida em 2:57:15.
As travessuras de Choi não passaram impunes. A New York Road Runners, organizadora da maratona, desclassificou-o da corrida e ainda o baniu de futuros eventos. A decisão gerou uma grande quantidade de notícias: The New York Times, New York Post e até a People cobriram o caso.
A façanha também gerou uma enxurrada de comentários raivosos em suas postagens no Instagram e na página do Reddit RunNYC. Meu comentário favorito é de uma mulher que mostrou uma foto de como influenciar corretamente online enquanto compete em uma maratona (segurando seu próprio telefone à frente, claro!). Eventualmente, Choi se desculpou.
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Como atleta de resistência de longa data, essa história despertou meu lado ranzinza. Completei minha primeira corrida de 5 km nos anos 90 e, desde então, experimentei praticamente todos os formatos de corrida que existem, de triatlos Ironman a Tough Mudders, corridas de aventura, etc. Como muitos, tenho observado a tendência crescente de participantes se filmando enquanto correm lado a lado, ou pedalando, com seus colegas de prova. E não, não sou fã.
Durante uma prova de gravel no ano passado, fiquei intrigado quando ouvi outro ciclista parecer conversar consigo mesmo. Virei-me e vi que ele estava se filmando com o telefone. Fiquei irritado, mas não surpreso — vídeos de influenciadores em corridas de cascalho surgem no Instagram e no YouTube com frequência cada vez maior. E toda vez que assisto a um desses vídeos, me pergunto como o criador de conteúdo evitou cair enquanto se filmava pedalando em terreno acidentado.
A história de Matt Choi parece marcar um ponto de inflexão para a comunidade de esportes de resistência. Percorri centenas de comentários no Reddit e no fórum de corrida LetsRun e encontrei poucas pessoas defendendo os direitos dos criadores de conteúdo em meio às corridas. Na verdade, esse discurso online — ainda que rude em alguns pontos — me faz pensar se corredores, ciclistas, triatletas e, sim, até participantes de corridas de bolhas estão cansados dos membros da comunidade que agitam paus de selfie. Me pergunto se mais corredores e ciclistas veem a gravação de vídeos em meio às provas como um incômodo perigoso que tira o foco das pessoas dos buracos e dos pedestres. E também me pergunto se mais pessoas, como eu, estão cansadas de serem figurantes em filmes nos quais não concordaram em aparecer.
Essa reação levanta a questão: o que devemos fazer com os Matt Chois do mundo, que querem se documentar enquanto correm e pedalam? Banir esses membros da comunidade de resistência parece draconiano. Proibir a prática parece impossível de aplicar. E, apesar da minha atitude ranzinza, acredito que esses vídeos podem, de alguma forma estranha, inspirar espectadores. Talvez, em algum canto da internet, uma pessoa sedentária tenha visto Matt Choi correndo pelo Barclays Center e então tenha calçado seus tênis para dar uma corrida.
Por sorte, tenho a resposta, e estou aqui para apresentar minha solução quase séria para o dilema dos criadores de conteúdo nos esportes de resistência. Assim como organizadores de corridas criam ondas separadas para atletas de elite, eles deveriam fazer uma onda distinta para influenciadores e colocá-los no final da corrida. Usei minhas habilidades rudimentares de Photoshop para criar um diagrama básico abaixo.
Essa onda será a última a começar a maratona, corrida de bicicleta ou triatlo. E dentro da Onda de Influenciadores, tudo é permitido! Os participantes podem contratar um exército de videomakers para segui-los de barco, bicicleta ou helicóptero. Eles podem correr usando transmissores celulares acoplados e transmitir suas façanhas ao vivo para a internet em tempo real. Podem pilotar drones de câmera aérea ou carregar microfones de 3 metros de altura. Podem contratar Steven Spielberg para capturar cada movimento. Em minha visão, não haveria regras para esse grupo.
Porque, claro, esses criadores de conteúdo estão, sem dúvida, bem versados nas consequências de influenciar na selva. Assim, não vão se importar se um cinegrafista atropelar seus dedos. Ninguém vai ligar se for atingido na cabeça por um pau de selfie ou incomodado por um drone. Se alguém tropeçar enquanto fala para a câmera e derrubar outros, tudo bem, certo? Afinal, isso vai render um conteúdo incrível.