O ANO PASSADO foi um vendaval de altos e baixos para o piauiense Luis Carlos Cardoso, 32. Em setembro, o consagrado paracanoísta conquistou quatro medalhas no Campeonato Brasileiro de Paracanoagem, com títulos nas categorias KL1 (caiaque) e VL1 (canoa), tanto nos 500 quanto nos 200 metros. As medalhas tiveram sabor de redenção para o atleta, que por 0.6 segundo ficara fora do pódio nas Paraolimpíadas do Rio, em 2016. “Eu me classifiquei para a final muito bem, remei na raia do centro, a de destaque. Mas errei a saída e perdi um segundo. Isso me custou a medalha”, lembra. Mas Luis é velho conhecido das adversidades, do tipo que não desanima fácil – como prova sua impressionante história de vida, na qual a paracanoagem demorou a aparecer.
Aos 13 anos de idade, Luis já tinha seu próprio grupo de dança e dava aulas particulares e em academias. Em pouco tempo, tornou-se dançarino profissional, dedicando todo o tempo à carreira. Em 2009, morando em São Paulo e no começo de uma temporada de shows com o cantor Frank Aguiar, começou a sentir fortes dores pelo corpo, especialmente nas costas e no joelho. “Achei que era por causa da minha rotina com a dança, muito puxada”, conta. Diversas visitas ao médico não resolveram o problema: os exames não mostravam nada, e Luis sempre era mandado para casa com relaxantes musculares. Durante um show no fim daquele ano, foi obrigado a voltar para o camarim no intervalo entre cada música para se deitar no chão e aliviar a dor. Terminada a apresentação, seguiu direto para o hospital, de onde só saiu quase dois meses depois. Após um diagnóstico errado de AVC, finalmente foi informado de que sua medula tinha sido infectada pelo parasita da esquistossomose e que, por causa disso, nunca mais voltaria a andar. “Foi um baque, pois minhas pernas eram também meu instrumento de trabalho. Nunca tinha feito outra coisa na vida a não ser dançar”, lembra.
Quando recebeu alta, Luis encontrou uma nova realidade, à qual teria de se adaptar. “Não havia como reverter a situação, então minha única opção era seguir em frente. Naquele momento, cuidei muito do lado espiritual, pois sabia que o físico não se recuperaria se meu interior estivesse abalado”, diz. Para fortalecer braços e tronco, Luis começou a praticar canoagem. “Remar me proporcionou melhorias físicas e liberdade de movimento. Após algum tempo, me convidaram para participar do campeonato nacional de 2011, para conhecer o ambiente competitivo e outros paratletas.” Luis remou no caiaque e na canoa, e acabou com a medalha de bronze no primeiro e a de prata na segunda. Sua inesperada performance o colocou na seleção brasileira que disputaria o Pan-americano no Rio de Janeiro, em 2012. “Foi só a partir daquele momento que comecei a treinar de verdade, ter a disciplina de um atleta de alto rendimento”, diz. A participação no Pan lhe rendeu seu primeiro ouro e a classificação para o mundial no mesmo ano, que aconteceria na Polônia.
Um dia antes de embarcar para a cidade polonesa de Poznan, onde aconteceria a competição, Luis foi ao hospital colocar uma sonda que o ajudaria a enfrentar as 15 horas de voo. Um erro médico no procedimento causou o rompimento de sua uretra, e o atleta perdeu o voo e precisou se submeter a uma cirurgia emergencial. “Expliquei para o médico que eu não podia operar, pois tinha que pegar o voo para o mundial”, diz. O cirurgião lhe deu uma opção: enfrentar a operação sem anestesia, o que lhe possibilitaria uma alta mais rápida e a chance de embarcar no próximo voo. Luis topou na hora. Quando chegou à Polônia, outro desafio: ninguém para buscá-lo no aeroporto. “Eu não sabia falar inglês e acabei embarcando em um ônibus com atletas de outros países, indo parar em um hotel que não era o meu”, ri. Após encontrar o restante de sua equipe, Luis encarou a prova com temperatura de 9°C, sensação térmica de 0°C, forte vento lateral e medo de molhar os pontos ou fazer força demais e estourá-los. Mesmo assim, conquistou a medalha de prata. “Literalmente dei o sangue para conquistar essa medalha!”
Em 2013, novamente no Mundial, outra dificuldade: o barco que Luis usaria não tinha as adaptações necessárias (entre elas, um banco adaptado e um “firma-pé” que evita o deslizamento dos membros inferiores). Remando em uma embarcação desconhecida conseguida em cima da hora, ele acabou invadindo a raia do adversário e desclassificado da competição (apesar de ter terminado a prova na terceira colocação). No ano seguinte, consagrou-se campeão mundial.
Em 2015, a canoa foi eliminada das modalidades paraolímpicas, e Luis se viu obrigado a remar de caiaque. “Eu tinha trauma de caiaque, pois no início o barco virava muito”, explica. “Mas era minha única chance de uma participação olímpica, então topei.” No Mundial daquele ano, Luis levou o ouro nas duas modalidades.
Consolidado como paratleta de ponta, ele agora se dedica totalmente ao esporte, remando de segunda a sábado na Represa Billlings, em São Paulo, complementando os treinos com fortalecimento na academia. Hoje, claro, seu principal objetivo é voltar a remar em provas paraolímpicas e fazer bonito nos Jogos de Tóquio, em 2020. A dança ficou para trás, mas Luis encontrou sucesso bailando em outras águas.