Existem algumas lições interessantes para responsáveis que esperam criar crianças que amam estar na natureza
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Durante a Travessia da Serra dos Órgãos em família, numa caminhada de três dias, fazíamos algumas breves pausas para comer e apreciar a natureza. Quando estávamos sentados admirando a Pedra do Garrafão no segundo dia do percurso, um homem de cerca de 50 anos parou encantado para trocar algumas ideias. Olhando para Maya, que ainda não tinha 3 anos, ele sorriu afirmando “Estou impressionado! Será que ela vai lembrar disso quando crescer?”. Sorrimos sem refletir muito, compartilhamos nossos planos para a travessia e seguimos em direções opostas.
Ao perceber que ficamos sozinhos Maya perguntou sobre o que aquele moço tinha dito, sem refletir muito respondi: “Se você vai se lembrar disso.” Sua perspicácia já tinha me encantado quando ela completou: “Eu vou, ué!”. Ainda que exista uma enorme possibilidade do esquecimento de muitos aspectos, existem algumas lições interessantes para responsáveis que esperam criar crianças que amam estar na natureza. Cabe a ressalva de que toda individualidade é única e os aspectos abaixo devem servir como trilha e não como trilho. Adaptando os conceitos à subjetividade da sua criança, essa reflexão pode render bons frutos.
5 lições que trilhas na natureza oferecem às crianças
1. Psicomotricidade e natureza
A atividade motora está diretamente relacionada ao desenvolvimento global das crianças. Múltiplas abordagens didáticas sobre educação consideram a importância desse olhar e apresentam alternativas para estimular o movimento no cotidiano. Estudos de psicomotricidade destacam que atividades lúdicas desempenham um papel crucial nesse processo e adotam três pilares fundamentais: querer fazer (aspecto emocional), poder fazer (componente motor) e saber fazer (aspecto cognitivo).
Nossa experiência com Maya, que utiliza ferramentas como triângulo Pikkler desde o primeiro ano, revelou que a natureza é um ambiente muito favorável para fortalecer esses pilares essenciais do desenvolvimento infantil. Ao naturalizar os efeitos da chuva, do sol, dos solos e ofertar experiências onde as variáveis não são tão controladas, percebemos que a interação com o meio ambiente é um catalisador natural, proporcionando benefícios duradouros.
2. Conhecimento da fauna e flora
Cada vez que vamos para as trilhas uma das primeiras brincadeiras que acontece no deslocamento é a lista de possíveis animais que podemos encontrar. É uma das horas mais divertidas que reflete em atividades antes, durante e depois. Um dos reflexos visíveis no cotidiano é a paixão da pequena por jogos, quebra-cabeças e brinquedos que remetam à fauna e flora.
No percurso, acompanhar a sua curiosidade sobre os nomes das plantas, árvores, flores, aves e animais é sensacional. Para além de trabalhar a curiosidade, a expectativa e as frustações, também contribui para a construção do entendimento mais profundo da biodiversidade local. O desafio para os adultos é dar conta da infinidade de perguntas. Acaba sendo uma oportunidade de ampliação do saber da família toda.
3.Orientação e navegação
Antes de seguir para as trilhas, apreciamos um meticuloso trabalho de estudar os percursos, identificando as variações altimétricas, cursos d’água e características do terreno. No decorrer da atividade, a orientação e navegação passam a integrar a experiência, envolvendo criança de maneira intuitiva. Avisos como: “Está vendo aquele morro? Estamos indo na direção dele”, “olha como o rio está sempre desse lado da trilha”. Aos poucos, a natureza se desdobra como um desafio dinâmico e todos passam a estar atentos aos sinais, marcos e indicações.
Momentos de desorientação podem servir de oportunidades para envolver a criança no processo. Com as crianças maiores pode ser interessante explicar como utilizar bússola, mostrar mapas e cartas topográficas e ensinar a identificar pontos de referência naturais, fortalecendo a compreensão do ambiente e naturalizando o desconhecido. Corriqueiramente presenciamos falas da nossa pequena reconhecendo caminhos e indicando mudanças de direção.
4. Noções climáticas
A imprevisibilidade do clima e a necessidade de adequação do vestuário às características climáticas, oportunizam explorar essa temática. Os desafios são amplos, desde enfrentar uma chuva súbita até celebrar um dia ensolarado, passando pelo desafio de explicar as estações do ano e a diferença do hemisfério sul para o hemisfério norte.
Em uma viagem recente da minha esposa para a Suécia, minha filha queria entender por que a mamãe estava na montanha branquinha cheia de roupa e a gente estava morrendo de calor no Rio de Janeiro. Aprofundando o debate, identificar como ela passou a observar essa rotina e a verbalizar suas percepções das mudanças climáticas, demonstrando alguma percepção dos ciclos naturais foi revelador.
5. Compreensão de expectativa e frustração
No aspecto socioemocional, particularmente na fase da primeira infância, identificamos que as variáveis incontroláveis de atividades na natureza são ótimas ferramentas para trabalhar as expectativas e frustações, tema que na sociedade contemporânea é cada vez mais desafiador e dá muita margem para debate. Olhando para nossa experiência de trilhas com crianças pequenas entendemos que, em alguns momentos, lidar com as expectativas frustradas pode ser bem complexo.
Saber disso, possibilita aos adultos envolvidos uma preparação prévia, organizando estratégias para explorar, construir narrativas e reflexões que contribuam com a educação. As trilhas na natureza proporcionam um terreno fértil para a construção do controle da frustração em crianças. Seja por meio da necessidade de enfrentar obstáculos inesperados, como terrenos difíceis ou trilhas mais íngremes, seja pelas situações de exercício da paciência e da perseverança.
*Edinho Ramon e Bia Carvalho são pais da Maya, criadores da página Sua Casa é o Mundo e diretores do filme Lugar de Criança. Aqui na Go Outside eles assinam a coluna Infância Outdoor.