A estratégia de passar horas sem comer vem ganhando adeptos, mas sua eficácia para atletas ainda é motivo de discussão entre especialistas. Vale a pena o jejum intermitente para corredores ou ciclistas?
A técnica consiste em alternar longos momentos em jejum com períodos em que o indivíduo se alimenta. Ela vem sendo utilizada para o emagrecimento e tem mostrado eficácia no curto prazo para esse fim. Entretanto, quando se fala em jejum intermitente, surgem polêmicas, especialmente quando ele é feito por corredores.
Os únicos consensos acerca da técnica são de que ela só deve ser testada por pessoas clinicamente saudáveis, que não apresentem casos de hipoglicemia e que a resposta do corpo é algo individual, ou seja, cada um pode ou não se adaptar bem à estratégia. Para Sophie Deram, nutricionista e neurocientista especializada em comportamento alimentar, não se pode acreditar em quem recomenda o jejum intermitente a qualquer custo.
“Algumas pessoas vão defender, mas quem está na ciência não pode ter essa posição”, afirma.
As principais modalidades do jejum intermitente
16 horas diárias
Nesta modalidade, o indivíduo fica em jejum durante 16 horas seguidas no dia (contando o tempo de sono) e consome as calorias diárias livremente nas outras 8 horas.
5 por 2 semanal
A pessoa fica 24 horas em jejum 2 vezes por semana. Não se pode emendar os dois dias em privação de alimento. E nos dias em que ele está “liberado” não há restrição quanto aos horários para comer.
Dias alternados
Esta estratégia se configura em fazer jejuns de 24 horas dia sim, dia não. Ou seja, a alimentação deve ser feita normalmente apenas em dias alternados.
O que dizem os especialistas?
A principal ressalva sobre o jejum intermitente, na opinião dos especialistas, é que a estratégia pode levar a uma compensação alimentar e, ainda mais grave, a um tipo de transtorno. “Depois do período em jejum, seu cérebro vai querer recuperar o ‘tempo perdido’”, explica Sophie. Por ser uma estratégia alimentar, o jejum intermitente pode ser acompanhado de uma dieta específica, mas nem sempre a pessoa vai conseguir segui-la. “Ele vai acabar focando em alimentos muito energéticos, em doces, carboidratos, comidas muito gordurosas, para repor a energia. Assim será difícil manter uma alimentação balanceada.”
Para o médico José Carlos Souto, o jejum intermitente pode ser um aliado da dieta low carb, que prioriza o consumo de gorduras (e também proteínas) presentes em carnes, ovos e oleaginosas, enquanto reduz o de carboidratos. Depois de uma fase de adaptação ao novo estilo de vida, a pessoa poderia inserir os períodos de jejum na dieta justamente porque ela aumenta a saciedade e permitiria essa estratégia sem sofrimento. Ele também menciona a facilidade em pular refeições não saudáveis. Ele utiliza o exemplo do aeroporto, em que muitas pessoas optam pelo fast-food pela falta de opção e pelo longo tempo de espera. “Uma pessoa acostumada a comer de três em três horas fica com medo de sentir fome ou passar mal”, esclarece.
Quando o intuito é emagrecer, o jejum intermitente deve ser aliado a algum tipo de dieta. Ele sozinho não se comprova como um instrumento de perda de peso. “Porém é preciso tomar cuidado para não agredir o corpo aliando a técnica a uma dieta radical”, alerta Sophie. “Pode causar um estresse muito grande ao cérebro. Um cérebro que não está bem nutrido vai ter menos concentração, menos memória, mais irritação”, explica a neurocientista.
Cuidados com o jejum intermitente
A etiqueta de “dieta da moda” vem com os riscos, e por isso é necessário acompanhamento nutricional. “O jejum intermitente entrou na moda nos últimos anos. Isso tem a ver com a liberdade associada a esse estilo de alimentação, não ter horários pré-estabelecidos”, opina José Carlos. “Por outro lado, a moda traz os exageros. Existem pessoas fazendo jejum de vários dias, e, na literatura médica, há indícios de morte nesse tipo de situação”, alerta.
Além disso, como é o caso na maioria das dietas, o mais difícil é manter o peso depois do emagrecimento. “A maioria dos estudos sobre jejum intermitente é feita com animais, e eles não estão cercados pela oferta de comida. Ficar sem comer nada em um ambiente assim é tortura para o cérebro”, ressalta Sophie.
Jejum intermitente para quem faz esporte
No caso de atletas amadores, a questão é ainda mais polêmica. Enquanto muitos corredores e ciclistas defendem que se sentem melhor ao treinar durante um longo período de jejum, não há indícios científicos que corroborem essa sensação. Para a nutricionista esportiva Tainá Carvalho, a estratégia pode atrapalhar a recuperação do corredor. “Ele precisa ingerir alimentos depois da sessão de treino para recuperar as reservas de glicogênio muscular e chegar no próximo treino com elas disponíveis. Se ele estiver muito tempo em jejum, vai demorar mais para se recuperar após o treino”, explica.
Por outro lado, correr de barriga vazia – e não necessariamente para praticantes de alguma das modalidades do jejum intermitente – parece ter se tornado uma preferência de boa parte dos atletas. “Muitos sentem que o estômago cheio limita o desempenho”, diz José Carlos. Ainda assim, não se pode relacionar diretamente o ganho de performance à prática do jejum pré-treino. “Eu desconheço estudos científicos comparando o desempenho de corredores em jejum contra corredores alimentados. O que temos são relatos de corredores individuais, que mostram evidências de melhora de performance após começaram a correr em jejum. Se isso vem da crença de que podem melhorar, ou se é um fenômeno real, seria necessário estudos para descobrir.”
É claro que não se pode ignorar a distância que cada um corre e o gasto energético de cada atleta. Para Tainá, corredores que costumam fazer provas de 5 ou 10 km poderiam testar a técnica do jejum intermitente tranquilamente. Entretanto, para corridas mais longas, a estratégia pode se tornar um tiro no pé e esgotar as reservas energéticas do indivíduo.