O Jalapão é uma extensa área praticamente intocada do cerrado, e que até hoje leva a fama de ser uma das regiões turísticas de menor densidade demográfica do planeta.
No coração do Tocantins, a 190 km da capital Palmas, o Parque Estadual do Jalapão ainda guarda seus pontos turísticos bem preservados e oferece paisagens incríveis, além de um turismo rural, mais próximo da comunidade.
Uma aventura e tanto para quem gosta de estradas de terra, mas não dispensa uma trilha e um mergulho em piscinas naturais.
Como chegar
É preciso dizer que no Jalapão, as distâncias são grandes: de Palmas, capital do Tocantins, até Ponte Alta, a porta de entrada do Jalapão, são 190 km. A partir dali o asfalto acaba para dar lugar à natureza bruta.
Entre Ponte Alta e Mateiros, a “capital do Jalapão”, são outros 151 km cruzando inúmeras sessões de pesados areais e costelas de vaca. Para completar, os atrativos são afastados das cidades, o que só faz aumentar as viagens por estradões de terra. Entre Ponte Alta e a Cachoeira da Fumaça, por exemplo, são cerca de 70 km.
Mas o esforço é válido. Por ali rola um delicioso banho de rio numa das corredeiras do rio Soninho. No caminho, aproveite também para ver de perto o Morro da Cruz, um imenso monólito que se ergue do nada no meio do cerrado, e explorar a Pedra Furada, outra formação de arenito isolada e esculpida com maestria pelo vento durante milhares de anos.
Saindo de Mateiros, os rolês até lugares imperdíveis, como o cânion Sussuapara e as cachoeiras do Lajeado e da Velha, farão você rodar mais de 100 km a bordo de seu 4×4.
Mas com um pouco de experiência na pilotagem off-road é possível manter uma boa média de velocidade, em torno de 60 km/h. Aproveite para curtir a paisagem do cerrado, que é desértica e selvagem, mas não enjoa. Seja cauteloso e lembre-se que, na maioria dos trechos, celular não pega: um carro quebrado por ali pode significar algumas horas ilhado no deserto.
Apesar de um veículo 4×4 ser fundamental em uma expedição ao Jalapão, as horas gastas fora do carro não se resumem ao turismo contemplativo – a menos que você faça questão disso.
Em Mateiros, reserve um dia para acordar às quatro horas da manhã e siga para a serra do Espírito Santo, a 20 minutos de carro. Se a Lua não estiver cheia, é indispensável uma lanterna. Depois de uma dura subida de cerca de uma hora por uma trilha técnica sobre pedras, chega-se ao topo da serra.
A dimensão do enorme vale com paisagem infinita, barrada apenas pelo sol nascendo, só pode ser vista depois que saem os primeiros fachos de luz. O terreno no topo do Espírito Santo é plano como uma mesa, e praticantes de ioga podem desfrutar de momentos inesquecíveis naquele horário do dia.
Respire e siga por uma trilha demarcada de três quilômetros (só de ida) até o lado oposto da serra. O visual que se tem dali é do cerrado selvagem, mais verde quanto mais próximo ao rio, e das falésias de arenito que se encontram em acelerado processo de erosão.
Entre a cachoeira da Velha e a prainha do Rio Novo há outro belo trekking. A trilha termina com um mergulho em um dos últimos rios potáveis do planeta, o Novo. Pelo caminho, aproveite para desvendar e aprender um pouco sobre a flora do Centro-Oeste e Norte do Brasil. Há árvores típicas e endêmicas dessa região, como a Tiborna, a Sucupira-preta e a Barbatimão. Plaquinhas indicativas com o nome das espécies o ajudarão na missão.
Capim dourado, uma tradição local
A tradição de um povo pode ser medida pela riqueza da cultura local. No Jalapão, tirando a fauna e a flora nativas, o centenário povoado de Mumbuca é a vida mais antiga que se tem por ali.
Localizado a 35 km da cidade de Mateiros, Mumbuca se originou de uma comunidade quilombola, e na última geração encontrou no artesanato sua forma mais notável de reconhecimento.
Utilizando o capim dourado (espécie natural e endêmica do Jalapão), o povoado de 200 habitantes descobriu seu principal meio de sustento através da confecção de acessórios à base do capim dourado.
Hoje há regulamentações para que a tradição e o negócio sejam mantidos: o capim tem data certa para ser colhido (evitando que entre em processo de extinção) e não pode sair da região em estado bruto. “Ele é o ouro que Deus plantou”, diz Noemi Ribeiro, a “Doutora”, uma das lideranças atuais da comunidade Mumbuca.
Os Fervedouros
O Jalapão é costurado por rios subterrâneos. Em alguns pontos, a água ressurge com pressão, mas geralmente uma pedra imensa impede que ela jorre para fora como um hidrante estourado. Com isso, forma-se uma piscina natural arredondada, cercada por vegetação nativa e por bananeiras, com fundo de areia fina.
Esse cenário paradisíaco, e exclusivo do Jalapão, é conhecido como fervedouro. Há vários desses oásis espalhados pela região, mas os imperdíveis são os do Mumbuca (de menor área, mas de maior pressão), o do Formiga (de água cor azul turquesa) e o do Alecrim (o maior, com cerca de dez metros de diâmetro). É possível nadar e boiar nos fervedouros, mas o difícil é sair: poucos ambientes naturais do planeta são tão agradáveis e convidativos quanto este.
História
O caminho da capital Palmas até o Jalapão e arredores reserva boas paradas para o turismo histórico.
A primeira que merece atenção é Porto Nacional, a 60 quilômetros da capital. Fundada no século 18, a cidade tem total ligação com o rio Tocantins, sua principal via de acesso naquela época. Os portugueses enfrentavam os índios Xerentes, revoltados com a invasão, e os animais selvagens para extrair minérios daquela região.
O material era então escoado pelo rio Tocantins até Belém do Pará (PA) para, em seguida, ser encaminhado e vendido na Europa. Hoje, além das ruas estreitas e casas conservadas do centro histórico, a catedral Nossa Senhora das Mercês, construída pelos frades dominicanos franceses em 1884 às margens do rio Tocantins, é o principal ponto de visitação de Porto Nacional.
Quem não tiver aflição de animais empalhados pode conhecer de perto a fauna do cerrado no Museu de Zoologia José Hidasi, que dispõe de um considerável acervo de aves, mamíferos e répteis.
Já no interior do Jalapão, a visita mais excêntrica é à fazenda que pertencia ao lendário traficante colombiano Pablo Escobar, cuja sede encontra-se abandonada, mas ainda aberta ao público.
Uma casa térrea, com uma considerável área de lazer com piscina, sauna e churrasqueira era o que o mafioso tinha à disposição no interior do Tocantins durante a década de 1980. Como ele chegava àquela região, que na época era inacessível mesmo aos veículos 4×4? Basta dar alguns passos para ver uma quilométrica pista de pouso e decolagem, que apesar de desativada ainda se mantém em ótimo estado de conservação.