Imerso em Aotearoa

A Nova Zelândia guarda segredos do povo maori, guardião da cultura de um dos últimos lugares habitados na Terra

Por Bruno Romano, da Nova Zelândia*

UM GRUPO DE JOVENS ESTÁ totalmente concentrado talhando um imenso totem de madeira. Eles têm traços típicos dos primeiros povos que chegaram à Nova Zelândia, os maoris. Mesmos grandalhões e robustos, cavam a peça com calma e sutileza. “Onde aprenderam isso?”, pergunto, depois de observar um pouco a arte. “Com nosso mestre”, respondem os garotos, enquanto finalizam com precisão a escultura de uns três metros de altura. As curvas na madeira formam símbolos que representam a luta de seu povo desde a chegada à Nova Zelândia, há cerca de 800 anos. Uma história aventureira e turbulenta que deu luz a uma cultura bastante particular, capaz de ainda manter vivos rituais centenários. Em meio a costumes antigos que se renovam (e até já se misturam com a sociedade moderna), os maoris são peça fundamental para entender a Nova Zelândia. Ou melhor, a Aotearoa, como eles mesmos preferem chamar esta terra mágica que os acolheu.

Foto Bruno Romano
A fumaça do único vulcão marinho ativo da Nova Zelândia, na White Island (Foto: Bruno Romano)
Foto Eric Lindberg
Um aluno na National Carving School, em Rotorua, conta as histórias de seu povo por meio da arte (Foto: Eric Lindberg)

A vocação para a aventura está no sangue deste povo desde os primórdios. Foi em uma frota de waka, a canoa ancestral maori, que os primeiros habitantes aportaram na Ilha Norte. Segundo a lenda, eles vinham de “Hawaiki”, provavelmente alguma ilha da Polinésia, ainda que o local nunca tenha sido comprovado. Não há duvidas, no entanto, de que a chegada foi próxima do ano de 1200 – o que ajuda a explicar como Aotearoa é mesmo muito especial: estamos falando de um dos últimos lugares povoados no nosso planeta.

Mergulhar neste e em outros mistérios maoris é um ótimo jeito de decifrar o país. Ainda que eles já estejam longe de ser maioria – apenas 15% da população se declarou maori em um censo recente –, a cultura dessas tribos segue espalhada por toda parte. Mais do que isso, o fascínio por ela é um dos grandes atrativos neozelandeses atuais.

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Nesta foto e abaixo, homens e mulheres apresentam danças típicas Maori (Fotos: James Heremaia)

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O valor da economia maori é estimado em 40 bilhões de dólares neozelandeses (cerca de R$ 100 bilhões). Grande parte deste número é formado por propriedades de terra e operações turísticas. É o caso do Te Puia, mais relevante centro cultural maori, que reúne em Rotorua, cidade da Ilha Norte de Aotearoa, espaços como o galpão em que aqueles jovens maoris terminavam seu totem. O próprio local onde o Te Puia foi concebido é considerado sagrado: está inserido em um imenso campo geotermal ativo, usado historicamente para rituais importantes. Por ali, um aquífero permite que “caldeirões” de águas subterrâneas em ebulição, cheias de elementos químicos como enxofre, produzam fenômenos como os gêiseres.

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O pequeno kiwi, pássaro símbolo do país (Foto: Divulgação Rainbow Springs)

O calor dessas térmicas também é usado há centenas de anos para cozinhar o hangi, cardápio típico maori – um mix de legumes, verduras e carnes embrulhados e assados debaixo da terra. Ver gêiseres como o Pohutu, que explode várias vezes por dia e atinge até 30 metros de altura, comer o hangi e assistir a danças tradicionais fazem parte de pacotes turísticos que sustentam o lugar. Assim pagam-se funcionários e professores e ainda se abre espaço para aulas variadas, que qualquer um pode frequentar, seja maori ou não. Ali, várias gerações se misturam em um mesmo propósito.

Aluno do primeiro curso de esculturas do local, em 1967, James Rickard segue na ativa, ensinando técnicas e restaurando peças antigas. Há três anos, ele assumiu o papel de mestre e embaixador da arte de talhar madeira, ou whakairo, defendendo seu sentido cultural, social e político. “Meu grande papel agora é ensinar os mais novos e criar taongas (ou tesouros) que podem ser presenteados para outras culturas como uma evidência tangível de nossa história e da conexão que passamos a ter com esses povos”, conta James.

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Rolê de caiaque com arte maori ao fundo, no lago Taupo (Foto: Chris McLennan)
Trampers walking a section of the Motatapu track, between Macetown and Wanaka. The track, opened in 2008 runs through the property of Canadian country music star Shania Twain.
Travessia entre Wanaka e Arrowtown (Foto: Amos Chapple)

A maior parte dos totens produzidos no Te Puia atualmente tem como destino exposições no exterior ou mesmo presentes para outros países. Por trás dessas peças cheias de detalhes e fábulas, há um grande esforço em manter vivo o legado maori. Mas para Karl Johnstone, diretor do New Zealand Maori Arts & Crafts Institute (NZMACI), que organiza as principais oficinas e exposições do país, a ideia vai muito além. “É verdade que queremos manter a tradição forte, porém atualmente passamos muito mais tempo pensando no motivo de estarmos fazendo isso”, diz Karl. “Nossa intenção é unir conhecimentos, ideais e conceitos com a busca por nossa arte. Função, forma e estética sempre estiveram em equilíbrio em todas as tradições maoris”, explica.

À primeira vista, Karl exibe um aspecto de guerreiro: uma longa barba, um olhar profundo e dois braços fechados de tatuagens pretas com temas maoris. Entretanto seu aperto de mão e sua voz suave mostram que eu estava completamente enganado ao pensar que ele começaria uma dança de guerra a qualquer momento. Entre todos os maoris com quem conversei, Karl foi o que mais me ajudou a elucidar questões polêmicas e curiosidades sobre seu povo.

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Salto da ponte Kawarau, na Ilha Sul, o primeiro pico de bungee jump comercial do mundo (Foto: Divulgação Aj Hackett Bungee)

NO MUNDO ATUAL, perpetuar a cultura e os valores maoris não tem sido fácil, nem mesmo entre eles. A começar pelo fato de a “nação” maori ser tribal. Em cada tribo há subtribos, formadas por famílias, ou whanau, como me explicam os anfitriões do Te Puia. Apesar de compartilharem uma origem comum, há várias diferenças internas. Para Karl, a grande questão hoje é lidar com uma sociedade capitalista, focada em bens materiais e no consumo. “Não sobra espaço para apreciar e se conectar com heranças intangíveis da nossa própria história. Como o conhecimento maori é baseado nessa conexão, tudo é um enorme desafio”, diz.

No dilema entre manter tradições e comercializá-las para turistas como forma de sustento, Karl tenta dar o antídoto: “Somos tímidos demais para sermos totalmente comerciais, até porque isso seria uma atitude muito ‘colonizadora’. Nosso ditado é algo assim: menos comercialização da cultura e mais ‘culturalização’ do comércio”. Se há alguns séculos a luta maori era para se manter vivo – escapando de tribos inimigas, de armadilhas naturais e dos primeiros gringos do pedaço –, agora a batalha é não deixar morrer toda essa rica história. “Sem a arte não há como refletir e entender nosso mundo”, afirma Karl. “O desafio dos maoris mais jovens é aplicar o que eles aprendem aqui a seus próprios contextos sociais, a suas casas e a seus círculos de amizade”, diz.

EU VOLTARIA A FALAR COM KARL diversas vezes para captar melhor essas e outras mensagens, escondidas em obras tão impressionantes como valiosas culturalmente. Antes de buscar mais respostas, porém, eu precisava sentir na pele um pouco mais de Aotearoa. Neste afastado e adorado destino aventureiro, rituais sagrados e roteiros turísticos se misturam. Quando desci de rafting o rio Kaituna, por exemplo, com direito a uma queda d’água de oito metros, uma das guias locais só liberou nossa entrada nas corredeiras depois de entoar uma longa reza maori, repetida por mim e por uma dezena de turistas, como duas adolescentes do Colorado (EUA) e um divertido casal de indianos.

O caso mais emblemático de experiência outdoor e rito maori talvez seja a travessia clássica do Parque Nacional Tongariro. Primeira unidade de conservação do país, Tongariro abriga vulcões ativos e inativos, lagoas cor de esmeralda e paisagens alucinantes. Como tempero extra, a cada estação do ano, tonalidades e visuais mudam completamente. Em visita no último outono, encontrei uma mistura de terra e gelo na fantástica Tongariro Alpine Crossing, uma travessia autoguiada de quase 20 km que pode ser feita em um dia – a opção mais cascuda é o Northern Circuit, de quatro dias, com pernoites em abrigos.

Em 2015, cerca de 100 mil pessoas completaram o trajeto alpino, considerado uma travessia sagrada para os maoris. Segundo a tradição, cruzar Tongariro ativa seu mana, algo como “elevação de energia” ou “poder espiritual”. Essa não é exatamente a busca dos novos turistas por ali – duvido que um décimo de quem atravessou no ano passado saiba da história –, ainda que todos acabem a trilha inevitavelmente com uma sensação especial.

Entre completar roteiros “sagrados” como Tongariro e afirmar que os maoris foram grandes guardiões da natureza local há um enorme abismo. Como parte da ocupação de Aotearoa, as tribos originais ajudaram a dizimar das ilhas alguns animais como a moa, uma imensa ave semelhante a um avestruz gigante. Já os pequenos kiwis, maior símbolo atual da Nova Zelândia, correm risco permanente de sumir do mapa (ainda que seus maiores vilões hoje sejam pragas trazidas de navio pelos colonizadores). Ambos os animais, além de fazerem parte da dieta maori, também eram aproveitados para fabricar roupas nos rigorosos invernos neozelandeses. Pinturas antigas e registros na forma de arte não escondem as práticas.

Um olhar mais atento também revela que não há (nem nunca houve) uma unidade nacional entre os maoris. Tribos rivais guerreavam nas Ilhas Norte e Sul, atacando uns aos outros e a quem ousava aparecer de navio. A guerra, aliás, ainda é extremamente marcante em manifestações culturais, de danças típicas a artesanatos. Porém o que chama atenção e diferencia a cultura maori de outros encontros entre “povos originários” e “homem branco” ao redor do mundo foi uma peculiar mistura dos maoris com os pakeha (como são chamados os estrangeiros), depois que a poeira dos confrontos iniciais finalmente baixou.

State Highway Six at Ten Mile Creek, north of Greymouth, West Coast, South Island, New Zealand - aerial
West Coast, na Ilha Sul, um paraíso de ondas e florestas (Foto: David Wall)

Hoje os maoris são médicos, advogados, pilotos de avião e políticos, só para citar alguns cargos mais tradicionais – esqueça a possibilidade de encontrar tribos isoladas no meio do mato. Esses povos são completamente inseridos no contexto moderno, e o idioma maori é uma das línguas oficiais, ao lado do inglês. Há inclusive programas de rádio e dois canais de TV só com conteúdo maori. Percorrendo o país, não há dúvida de que a integração, apesar da colonização, foi bem diferente da maioria dos outros cantos do planeta, onde a cultura ocidental simplesmente aniquilou tradições antigas.

Ensina-se maori – história, rituais e idioma – em escolas de origem britânica, por exemplo. Ainda assim é notável que uma parcela considerável de maoris viva longe dos melhores empregos e bairros de cidades-chave como Auckland, Wellington e Christchurch. Além disso, menos de 5% da população neozelandesa fala maori fluentemente (apenas 25% dos próprios maoris, aliás, dominam completamente o idioma).

Não é só a fala que corre risco. Muitos dos territórios originais das tribos também. Na tentativa de acalmar os ânimos e diminuir os duelos entre maoris e estrangeiros, chefes de tribos e representantes da coroa britânica firmaram o Tratado de Waitangi, em 1840. A cena que retrata em pinturas o pessoal assinando os papéis é clássica por todo o país, de museus a pubs. Até hoje, o documento vale como um tratado oficial, ainda que em 1975 o Tribunal de Waitangi tenha sido criado para discutir temas dúbios e conflitantes do acordo.

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Ciclistas cortam o parque nacional Whanganui, repleto de samambaias silver fern (Foto: Divulgação Visit Ruaperu)
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Steve Cormack cuida de algumas das mais de 10 milhôes e ovelhas do país (Foto: Bruno Romano)

NA PRÁTICA, O DOMÍNIO DA TERRA segue como a maior pedra no sapato. Grandes empresas turísticas multinacionais pagam taxas para operarem seus atrativos em terras maoris. Por outro lado, maoris reivindicam territórios chave, a maioria deles tomada no século 19 com a invasão britânica para levar as riquezas das ilhas. Descendentes de antigas tribos locais ainda têm posse de lugares que contém, por exemplo, importantes reservas de Pounamu, a jade, mais valiosa matéria-prima de artes com temática maori. Só que agora, maoris e neozelandeses de ascendência europeia se deram conta de que pedras preciosas já não são a bola da vez. A nova Pounamu de Aotearoa (ou o novo ouro da Nova Zelândia) são os turistas.

Nesta terra de apenas 4,5 milhões de pessoas (que registra o triplo em número de ovelhas), a marca anual de visitantes bateu o recorde de 3 milhões em 2015. Se o estímulo a bolsas de estudo e empregos ligados ao turismo serve como ímã aos moradores gringos, não há como negar que a imensa oferta de aventura atrai a maior parte dos turistas. O pioneirismo, a boa organização e a criatividade nos atrativos chamam a atenção e sustentam boa parte da economia. No último ano fiscal, fechado em julho de 2015, o turismo movimentou cerca de 12 bilhões de dólares neozelandeses, um crescimento de quase 18 % em relação ao ano anterior. Estima-se em 168 mil o número de empregos diretamente ligados ao turismo na Nova Zelândia. Não à toa, o primeiro ministro neozelandês, cargo máximo no país, acumula hoje o papel de ministro do turismo.

O que explica o sucesso desse modelo (além das maravilhas naturais de Aotearoa, claro) é uma mistura de inovação, intensa parceria entre os setores público e privado e uma busca constante pela excelência na qualidade de serviço, segundo Karem Basulto, gerente da Tourism New Zealand na América Latina. O órgão ganhou recentemente um escritório no Brasil e é mantido pelo governo neozelandês com a missão de alavancar ainda mais o turismo local. “A questão cultural, que envolve os maoris, também é muito forte e marcante. Turistas como os brasileiros costumam ser atraídos por esse tipo de história”, ressalta Karem.

Esta vocação neozelandesa para atrair e contagiar gringos não é de hoje. Em 1987, Alan John Hacket, mais conhecido como A.J., saiu de Auckland rumo a Paris, onde saltou, clandestinamente e pendurado por uma corda, da Torre Eiffel. Seu dia terminou na cadeia, mas deu origem à febre mundial do bungee jump comercial. Até hoje você pode saltar na Nova Zelândia da ponte Kawarau, o primeiro pico desenvolvido por A.J. Hacket para o público. Em um bom dia de verão, chegam a ser realizados entre 40 e 50 saltos, custando em média 200 dólares neozelandeses cada. Faça as contas, se quiser, para concluir que os caras sabem faturar – e que um dia de xilindró na capital da França valeu muito a pena.

A ponte Kawarau fica nos arredores de Queenstown, na Ilha Sul da Nova Zelândia, em uma região conhecida como Southern Lakes, ou lagos do sul. Ela simboliza bem como cada pedacinho de terra por ali se transforma em boa oportunidade de mercado (e ainda gera doses generosas de adrenalina). O caso de Queenstown é marcante. Este pequeno vilarejo, localizado à beira do lago Wakatipu e cercado por grandes cadeias de montanhas, concentra sedes de empresas turísticas de destaque no país. Em pouco tempo a região se tornou o pólo aventureiro mais famoso para o público estrangeiro e ainda acolheu um bom número de forasteiros – 10% da população fixa atual já é formada por brasileiros e argentinos. Do ponto de vista turístico, Queenstown é uma potente engrenagem da máquina neozelandesa de fazer grana com gringos se atirando de bungees, saltando de paraquedas ou se divertindo na neve nos meses frios. Os lagos do sul representam bem a esperteza dos locais em unir pioneirismo e audácia (natural aos neozelandeses, sejam maoris ou pakehas) com modelos bem-sucedidos de negócio. Em outras palavras, a Nova Zelândia impressiona na capacidade de transformar pequenas ou grandes experiências outdoor em ouro.

Foto Ted Scott
A samambaia silver fern, típicas do país (Foto: Ted Scott)

É BEM NO MEIO DE UMA ANTIGA ROTA para escoar justamente o precioso metal que me vejo dividindo uma pint de cerveja com Steve Cormarck. Estamos em um pub centenário, dentro de uma cena de velho-oeste neozelandês no vilarejo de Wedderburn, província de Otago, na Ilha Sul. Pelo seu porte físico, Steve poderia ter se tornado um astro do rúgbi mundial, esporte número um em seu país. Mas ele preferiu tocar a fazenda da família, bem no meio de um trilho de trem que levava o ouro das jazidas de Dunedin rumo ao oeste.

Steve foi além: apostou no lugar, comprou o pub em que estamos e investiu em aconchegantes chalés do outro lado da estrada. O trem já não passa mais por ali, porém o local faz parte do mais pitoresco passeio de bike do país. Este novo e improvável projeto turístico unindo 150 km de estradas de cascalho, conhecido como Otago Central Rail Trail, revitalizou a área e abriu ao mundo uma boa chance de desvendar outra parte importante da cultura neozelandesa: a bicicleta. “Se não fosse a bike, a maioria já tinha fechado seus negócios ou saído daqui”, me conta o fazendeiro.

Ele é exatamente o oposto do maori. E, até por isso, ajuda a entender as duas culturas melhor. Na Nova Zelândia, caras como Steve são reconhecidos como southern men, legítimos homens do campo, brutos e trabalhadores. O típico personagem de propaganda das principais cervejas locais. Contente com a nova onda da bike, Steve cuida de 400 ovelhas e se diverte ao receber ciclistas em busca dos visuais marcantes das montanhas da região, além das histórias dos primeiros colonizadores escondidas por ali.

Em uma manhã fria de quinta-feira, antes de seguir com a pedalada, Steve me leva à sede da fazenda e mostra com orgulho uma cabeça gigante de veado pendurada na sala principal. O tamanho do bicho impressiona, mas logo mudo de assunto, evitando compartilhar da mesma alegria. Na hora, lembro de que ainda há mais revistas especializadas em caça nas bancas neozelandesas do que em rúgbi ou mountain bike. Mas os costumes têm mudado aos poucos.

A ideia de incentivar a bike em Central Otago veio do órgão federal Department of Conservation (DOC), o mesmo que cuida dos parques nacionais do país. Chefe da área turística do DOC, Gavin Walker reconhece que o maior número de visitantes atuais ainda está em busca de caminhadas curtas e visuais de fácil acesso. “Mas é curioso ver que o interesse por trilhas maiores e por esportes como o mountain bike tem se tornado maior do que por atividades como a caça em áreas de conservação”, diz Gavin. No último ano, pouco mais de 95 mil pessoas (10% a mais do que em 2014) completaram uma das nove Great Walks, as travessias mais clássicas da Nova Zelândia. Por mais que cada uma delas exija boa logística – além de equipamentos e conhecimento da natureza –, estes longos trekkings autossuficientes de norte a sul do país são a melhor pedida para fugir de roteiros comerciais e de custo mais elevado. Grande parte das paisagens mais incríveis de Aotearoa está ao longo dos abrigos que servem de apoio a quem se lança nessas longas caminhadas.

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O nascer do sol em Dunedin (Foto: Bruno Romano)

PARA UM TÍPICO VISITANTE OCIDENTAL em busca de natureza intocada, as Great Walks se tornam inesquecíveis, tanto quanto saltar de um bungee jump de 135 metros em meio a dois desfiladeiros. Ser recebido por maoris e compartilhar uma tradicional dança tribal também marcam muito. Depois de conhecer esses diferentes mundos em um mesmo país, fica claro que se tratam de universos que se completam. É da união deles, aliás, que emana a magia de Aotearoa.
Se há 400 anos a chance de você chegar ali e ser recebido por uma tribo de canibais era grande, agora é mais fácil você acabar compartilhando histórias e um prato típico com seus descendentes. Nessa nova terra, maoris e “europeus” acabaram cultivando elementos comuns, como o mais emblemático deles, a silver fern. Essa espécie endêmica de samambaia aparece nas principais referências do país, de uniformes esportivos ao passaporte dos neozelandeses, e está em três das cinco novas candidatas a bandeiras oficiais do país. Em mais uma busca contínua pela própria identidade, o povo neozelandês irá escolher seu novo emblema em 2016, em uma forma renovada de serem vistos pelo mundo (e por eles mesmos).

Se hoje a folha de samambaia dá orgulho para netos e bisnetos de britânicos, que escolheram a Nova Zelândia como lar, há alguns anos ela era chave nas batalhas dos maoris em Aotearoa. Espalhadas pelo chão no meio da mata, elas ajudavam tribos a encontrar seus caminhos, mesmo sob a luz da lua, já que a parte prateada da folha reflete bem a luz. A rota mostrada por ela aos guerreiros agregou à silver fern os sentidos de união e de caminho comum entre os que nasceram naquelas bandas do planeta.

Ela parece uma samambaia normal, como várias outras espalhadas nas ilhas. No entanto só a silver fern tem uma cor prata marcante no seu lado interno. Atraente e selvagem, a espécie é um convite às nuances desse lugar fantástico. Se observada com calma e sob a luz certa, acaba revelando seu verdadeiro tesouro. É por isso que a silver fern não apenas une os neozelandeses em um mesmo símbolo e destino, como é a mais perfeita tradução da Nova Zelândia. Ou Aotearoa. Hoje já não há diferença. Os dois se tornaram o mesmo lugar.

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Rafting no rio Kaituna (Foto: Divulgação Kaitiaki Adventures)

* O jornalista Bruno Romano viajou para a Nova Zelândia a convite da Tourism New Zealand.

Arenas outdoor
Desvende dois renovados polos de aventura da Nova Zelândia

> DUNEDIN
Na costa leste da Ilha Sul, à beira do Pacífico, a cidade passou anos esquecida, mas se revitalizou com uma incrível aura jovem e esportista, além de uma forte cena artística.

Ideal para: Surf, stand-up paddle, caiaque, ciclismo de estrada e mountain bike, trekking e passeios históricos (dunedinnz.com).
Se joga: Aproveite as ótimas ondas da costa norte e reme tranquilo de stand-up paddle ou caiaque pelo extenso canal da península de Otago (se tiver sorte, verá golfinhos e baleias).
Só lá: Veja de perto leões-marinhos, uma espécie rara de pinguim e formações rochosas únicas em Moeraki (4nature.co.nz).

> ROTORUA
Este importante centro maori se desenvolveu ao redor de um imenso (e mítico) lago de enxofre

Ideal para: Mountain bike, rafting, arvorismo, tirolesa e imersão na cultura maori.
Se joga: A floresta de Redwood abriga 140 km de trilhas de MTB, enquanto o complexo Skyline (skyline.co.nz) leva você e sua bike de teleférico para um paraíso do downhill.
Só lá: Visite de helicóptero o único vulcão marinho ativo do país, na lunática White Island; (volcanicair.co.nz).

Aventura às avessas
Três destinos kiwis que valem atravessar o mundo

> Praia de Wharariki
Isole-se em um cenário surreal e fique frente a frente com bebês de focas nesta verdadeira pérola escondida no Parque Nacional Abel Tasman, na Ilha Sul.

> Cavernas de Waitomo
Nesta preciosidade da Ilha Sul, desça de rapel ou encare águas geladas deslizando (em câmaras de pneu de caminhão) por túneis improváveis que abrigam raríssimas larvas luminosas.

> Central Otago
Siga uma linha de trem abandonada e desvende de bike 150 km de paisagens e histórias fascinantes – entre uma parada e outras pelas vinícolas top desta região da Ilha Sul.