Ignore seus limites

Se você estiver disposto a treinar duro, dominar seus medos e (sim!) vestir roupas meio ridículas de lycra, será capaz de superar qualquer desafio. Em nossa edição de junho, trouxemos algumas lições dos “recrutas” da Outside norte-americana para você superar seus limites. Eis aqui duas delas:

ACEITE QUE VAI PASSAR VERGONHA
A incansável busca de um cara muito alto pela sofisticada elegância do balé
Por Bryan Rogala

MINHAS PERNAS tremiam violentamente enquanto eu agarrava o encosto de uma cadeira do meu quarto, tentando acabar outra desagradável série de pliés. “Então essa coisa de balé é um pouco mais difícil do que você pensava, né?”, disse minha esposa.

Eu nunca me gabei de ter flexibilidade ou equilíbrio. Meço 1,91 metro, estou razoavelmente em forma e sempre me senti mais confortável usando a perseverança em vez de qualquer tipo de técnica nas atividades esportivas que pratico – escalada, mountain bike e esqui. Por isso o desafio de passar oito semanas aprendendo balé para ver se melhoraria em alguns desses esportes não estava me deixando exatamente entusiasmado.

Confortava-me um pouco o fato de alguns atletas profissionais também fazerem balé para melhorar o equilíbrio, a força do core, a flexibilidade e para evitar lesões. O time de futebol americano Dallas Cowboys chegou até a instalar barras de balé em seu centro de treinamento em 2014.

Para me orientar nessa façanha, recorri à Meaghan Brown, ex-bailarina e jornalista da equipe da Outside norte-americana. Nós dois escalando juntos somos um “estudo dos opostos”: ela mede 1,60 metro e sobe com elegante precisão, e eu sou um brutamontes que ascende desajeitadamente.

Antes de começarmos, sabíamos que me transformar em um bailarino seria uma missão impossível. Então focamos em um objetivo único e menos ambicioso: executar com precisão uma pirueta, um dos movimentos mais icônicos do balé tradicional.

“Mandar bem na pirueta exige uma combinação de força, equilíbrio, flexibilidade e física”, explicou Meaghen. “E deve parecer algo espontâneo, natural.” Mas, na verdade, sustentar o peso do meu corpo com apenas um dos pés e ao mesmo tempo fazer um giro controlado não se mostrou nada fácil. Eu alonguei, pratiquei as posturas básicas e realizei inúmeras elevações de calcanhar e avanços. Havia dias em que acordava e pensava que nunca voltaria a caminhar. Foi um dos treinamentos mais difíceis que já fiz. Embora meu core tenha ficado mais forte, ficava constantemente com a sensação de estar me desgastando demais para realizar os movimentos fluidos e controlados que tanto almejava.

Quando chegou a hora da última e decisiva pirueta, fui bem-sucedido ao dar uma volta inteira, mas dizer que tinha sido um movimento “bonito” seria uma mentira descarada. Perdi a noção de cada um dos elementos específicos – a elevação, o giro e a aterrissagem –, e minha forma se colapsou rapidamente.

Quando finalmente voltei a subir na minha bike, não percebi nenhuma diferença. Mas no ginásio de escalada foi outra história. Eu costumava me esforçar em vias intermediárias de grau de dificuldade V5s, porém, durante a última semana de aulas de balé, me vi escalando uma complexa via V7. Era uma via complicada, que começava com agarras inclinadas nas quais pé e mão coincidiam, um heel hook (apoio de calcanhar) no terceiro movimento, e em seguida uma sequência de agarras distantes uma da outra e movimentos delicados e de equilíbrio. Oito semanas antes eu teria dependido apenas da força e provavelmente fracassaria. Dessa vez, senti como se estivesse a ponto de descascar a parede, imaginei como um bailarino a escalaria – movendo-se com consciência e equilíbrio – e consegui. Estava tão feliz que cheguei até a pensar em fazer um pouco mais de aulas de balé. Mas por enquanto isso está só no pensamento.


>> Não quer dançar, né?

Pode ser que você nunca consiga segurar os pés por cima da cabeça, mas mesmo assim pode desenvolver um core ao menos um pouco parecido com o de uma bailarina. Experimente esta série de exercícios usada pela bailarina, escaladora e ultracorredora Meaghan Brown, da equipe da Outside norte-americana:

1. Um minuto de prancha abdominal sobre os dois cotovelos.
2. Um minuto de prancha abdominal equilibrando-se sobre o cotovelo esquerdo.
3. Um minuto de prancha abdominal sobre os dois cotovelos.
4. Um minuto de prancha abdominal equilibrando-se sobre o cotovelo direito.
5. Um minuto de prancha abdominal sobre os dois cotovelos.
6. 50 abdominais em V (levante pernas e tronco até formar um V).
7. 50 kayakers (sente-se com as pernas esticadas e gire o tronco de um lado para o outro).

ABRA-SE PARA O MEDO
A melhor forma de deixar de ter paúra de espaços confinados é entrar em um lugar realmente apertado
Por J. Wesley Judd

“VOCÊ NÃO TEM claustrofobia, tem?” Olhei para minha parceira de espeleologia com um sorriso nervoso no rosto, sem saber se ela estava tirando uma com a minha cara ou realmente não sabia a resposta. Estamos aqui – perto do fim do salão principal de 18 metros de largura e 400 metros de comprimento da caverna Cottonwood, nas montanhas Guadalupe, no sul do Novo México – nos preparando para entrar em um pequeno buraco no chão. O motivo? Cismei que quero dominar meu medo.

“Vou ficar bem”, disse a ela.

Não havia sido sempre assim. Quando criança, eu explorava os porões das casas de meus amigos e me apertava nos cantos do nosso sótão brincando de esconde-esconde. Mas cerca de três anos atrás, fazendo aulas de mergulho nas águas geladas dos arredores de Chicago (EUA), tudo mudou. No último mergulho para obter a certificação, a mais de dez metros de profundidade em águas tão turvas que eu mal podia ver minha mão esticada, comecei a entrar em pânico. Praticamente sem enxergar nada e bem consciente de que não podia nadar de volta à superfície sem fazer paradas de descompressão vitais, eu me vi preso e indefeso. Foi a primeira vez na vida que senti um pânico verdadeiro. Pouco depois, o mero pensamento de ficar preso em lugares apertados – metrôs, elevadores, cavernas – já era suficiente para que todo meu corpo começasse a suar.

Quando comecei oito semanas de terapia cognitiva para me colocar à prova e me curar, estava um pouco mais que apreensivo com o objetivo final de encarar passagens estreitas, envolto em uma escuridão esmagadora, a dezenas de metros debaixo da superfície. Eu me considero um cara atlético: já corri ultramaratonas e fiz expedições de trekking de meses de duração. Mas condicionar minha mente era um desafio completamente novo.

Liguei para Michael Gervais, um psicólogo esportivo especializado em alta performance que trabalhou com o austríaco Felix Baumgartner antes de seu salto da estratosfera, em 2012. Michael me disse que eu deveria fazer uma ampla lista das situações que me provocariam pânico e numerá-las de um (tipo sentar no meio no banco de trás de um carro cheio) a dez (ficar preso ao mergulhar em cavernas em águas profundas). Todos os dias eu sentava em um quarto silencioso, fechava os olhos e me visualizava em cenários cada vez mais assustadores.

“Imagine que você supera o nível um. Depois se imagine no nível dois, e supere-o”, disse Michael. “É uma estratégia passo a passo.”

Imaginar, digamos, que estou dentro de um metrô lotado (nível dois) não me deixa nervoso, mas, assim que me transporto mentalmente de volta às águas geladas de Haigh Quarry (nível sete), o ritmo dos batimentos cardíacos começa a aumentar. Gotas de suor brotam na minha testa, minhas pernas falham e minha boca seca.

Michael disse para eu focar nas minúcias da experiência. “Só podemos ter um novo pensamento de cada vez”, ele explicou. “E esse pensamento poderia ser: ‘Ai, meu Deus, preciso sair daqui’. Ou poderia ser: ‘Ok, agora estou girando o sistema de regulagem de ar, agora pego o bocal. Ok, agora sinto a borracha ao redor dos meus dentes e da minha gengiva’. Todos esses são pensamentos novos e originais relevantes para a tarefa que você precisa executar.”

No fim da oitava semana, eu me sentia preparado para encarar a tal caverna. Abaixei para entrar no estreito vazio e me concentrei no leve ruído das pedras sob meus pés; no cheiro orvalhado de ar estagnado, antigo; no eco da água gotejando longe, onde meus olhos não podiam ver. E uma coisa incrível aconteceu: eu não estava com medo. Na realidade, estava entusiasmado. Ao me concentrar nos elementos tangíveis da experiência, ela deixou de se resumir a apenas rastejar por lugares pequenos para se tornar também uma oportunidade, que poucas pessoas haviam tido, de conhecer aquele lugar. Olhei para minha companheira de espeleologia e me arrastei um pouco mais para dentro.


>> Você vai superar

Pouco importa se seu medo é de altura, de descer um singletrack de bike ou de mergulhar, praticar visualização pode te ajudar a seguir adiante:

1. Faça uma lista crescente das situações que te assustam, de um a dez. Se você tiver medo de cobras, por exemplo, a número um poderia ser você segurando uma cobra de brinquedo em uma loja e a dez seria você caindo dentro de um poço cheio de cobras.
2. Sente-se dentro de um quarto silencioso e escuro, com o mínimo possível de distrações.
3. Feche os olhos e comece a visualizar qual seria o cheiro, o som, a sensação e até mesmo o gosto da situação de nível um.
4. Repita o exercício diariamente até que essa situação já não seja assustadora, então avance para a seguinte.

* Parte da matéria Ignore seus Limites, publicada originalmente na Go Outside 141, de junho de 2017