Em 1970, seis mulheres realizaram a primeira ascensão totalmente feminina ao Denali. A montanhista do Alasca, Grace Hoeman, liderou a equipe, que incluía a talentosa alpinista e química Arlene Blum, a geóloga neozelandesa Margaret Clark e a piloto Margaret Young.
Na semana passada, essa conquista histórica ganhou destaque com o lançamento do livro Thirty Below, escrito pela premiada jornalista de aventura Cassidy Randall. Em seu novo livro, Randall reconta a escalada do Denali e os inúmeros desafios enfrentados pelas alpinistas, desde ventos extremos e tempestades até um resgate de alto risco e os insultos de seus colegas homens, como: “De jeito nenhum umas moças conseguiriam subir aquela desgraça.”
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Mesmo assim, as mulheres conseguiram alcançar o cume pela rota West Buttress. Embora Hoeman e Blum fossem experientes o suficiente para enfrentar uma linha mais técnica no Denali, elas sabiam que os riscos eram altos. “Uma ascensão inteiramente feminina nunca havia sido feita antes”, explica Randall. “Elas estavam — assim como muitos pioneiros que carregam o peso de provar não apenas a própria capacidade, mas a de toda a demografia à qual pertencem — representando todas as mulheres nessa escalada.”
Além disso, Randall enfatiza que essa rota “menos técnica” estava longe de ser fáci l—especialmente naquela época, com cargas pesadas de equipamentos pouco práticos. “A rota ainda apresentava fendas ocultas grandes o suficiente para engolir um ônibus, quedas de gelo, avalanches e cumes íngremes que despencavam milhares de metros”, diz Randall.
A Outside conversou com Randall para entender por que essa história permaneceu desconhecida até agora e quais foram as maiores surpresas de sua pesquisa.
O que te inspirou a contar a história da primeira ascensão inteiramente feminina ao Denali em formato de livro?
Numa manhã de fevereiro de 2022, a neve caía do lado de fora da minha janela em Montana quando abri um e-mail da minha agente com um link para um post do blog do Serviço Nacional de Parques. “Tem uma boa história aqui?”, ela escreveu. Ao clicar, fui transportada para um mundo nevado de meio século atrás: o Denali em 1970. Naquele ano, seis mulheres enfrentaram os ventos brutais da montanha para realizar a primeira ascensão exclusivamente feminina ao pico mais alto da América do Norte.
Isso não era pouca coisa. Em 1970, já havíamos enviado homens à Lua, mas as mulheres ainda não haviam alcançado o topo das montanhas mais altas do mundo. A crença popular era de que elas não eram capazes de suportar grandes altitudes, condições extremas e o peso das cargas necessárias para subir encostas varridas por tempestades. Na época, eu já escrevia sobre aventura e questões femininas no universo outdoor há vários anos. Ainda assim, nunca tinha ouvido falar dessa escalada audaciosa e pioneira.
Quem eram essas mulheres? E será que havia registros suficientes para contar essa história? Durante minha pesquisa, ficou claro que essa expedição ao Denali não foi apenas a primeira ascensão exclusivamente feminina de um dos grandes picos do mundo—foi também uma história improvável de sobrevivência. E, no entanto, ela passou despercebida e desapareceu da nossa memória coletiva.
“O impacto das conquistas históricas é imenso, pois elas definem o que é possível”, dizia o post do Serviço Nacional de Parques. “Algumas dessas histórias se tornam conhecimento comum em certas comunidades ou viram lenda, enquanto outras caem no esquecimento com o passar do tempo.”
Já estava mais do que na hora de essa conquista histórica, e as pessoas que a tornaram possível, receberem o devido reconhecimento.
Por que essa história é tão importante de ser contada agora?
A presença de figuras femininas na literatura tradicional de aventura e exploração — nos moldes de Touching the Void e Into Thin Air — ainda é incrivelmente escassa. Existe um enorme vazio quando se trata de histórias que destacam mulheres fortes e complexas: relatos de coragem, curiosidade e impacto — de como enxergamos o mundo, do que sabemos sobre ele e do que somos capazes dentro dele. Essas seis mulheres foram algumas das que a história injustamente esqueceu, apesar de merecerem um lugar duradouro nos anais da aventura. E, sem dúvida, há muitas outras histórias como a delas, esperando talvez apenas aquela que abrirá caminho para todas as demais.
Além disso, ainda vivemos em uma época em que, muitas vezes, as mulheres não podem ser complexas. Somos frequentemente limitadas aos papéis que nos foram historicamente atribuídos: heroína solitária, donzela em perigo, princesa, bruxa. Espera-se que sejamos simpáticas, ou somos demonizadas por não sermos. Thirty Below não é um conto de fadas com mocinhos e vilões bem definidos, mas sim uma exploração das dinâmicas complicadas entre indivíduos reais, cada um com sua própria jornada de crescimento, desafios pessoais e pressões.
E, independentemente da atualidade da questão da igualdade de gênero — essa é simplesmente uma história incrível. Uma que nos lembra que é possível realizar aquilo que todos acreditam ser impossível.
Qual é a sua experiência no Denali ou em montanhas?
Não sou alpinista. Para Thirty Below, não escalei o Denali. Já sei, por outras experiências em montanhas, que meu corpo não lida bem com grandes altitudes. Mas sou esquiadora e me aventuro um pouco no esqui de montanhismo, então entendo o chamado das montanhas. Já participei de expedições de vários dias com pequenas equipes e passei por situações na natureza em que realmente achei que poderia morrer, incluindo na Cordilheira Brooks, no Alasca. Passei vários dias no fim da estrada, em Wonder Lake, à sombra do Denali; sobrevoei a montanha em um avião de pequeno porte; passei um tempo em Talkeetna com Holly, filha do lendário piloto Don Sheldon; e, claro, conversei e convivi com muitas pessoas que escalaram a montanha naquela época.
Tenho um pouco de síndrome do impostor por não ser uma montanhista de verdade. Mas, ao mesmo tempo, acho que isso me permite encontrar um equilíbrio entre a admiração que o público comum sente por conquistas como essa e a atitude quase blasé que muitas pessoas envolvidas nesses desafios acabam adotando.
O que te surpreendeu sobre as mulheres alpinistas ao pesquisar e escrever essa história?
É inacreditável que, ainda em 1970, as pessoas realmente achassem que mulheres não eram capazes de escalar montanhas sem a ajuda de homens. As situações absurdas que elas tiveram que enfrentar para tentar se inserir no mundo da escalada são revoltantes. Escrevi sobre alguns desses episódios em Thirty Below para ilustrar o quão ousada foi essa ascensão ao Denali naquela época. Além disso, as histórias das poucas mulheres que conseguiram se destacar no montanhismo não eram amplamente divulgadas, então, mesmo alpinistas como Grace e Arlene conheciam poucas referências femininas que vieram antes delas.
Qual foi a citação mais marcante que você encontrou em sua pesquisa?
Algumas das melhores frases vêm dos insultos que essas mulheres enfrentaram antes da escalada, incluindo: “De jeito nenhum umas moças conseguiriam subir aquela desgraça”; elas tinham “ilusões de grandeza” e “pouca experiência”; “mulheres escaladoras ou não são boas escaladoras ou não são mulheres de verdade”; e “as mulheres deveriam escalar o McKinley mais facilmente que os homens — afinal, elas têm toda aquela camada extra de gordura.”