A história não é estática. Ao contrário, ela é dinâmica e muda à medida que novas descobertas são feitas e, dessa forma, a história do surf brasileiro não poderia ser diferente.
Até agora, há um consenso de que o surf no Brasil começou na década de 1930, em Santos (SP), com os irmãos Thomas e Margot Rittscher, que passaram o bastão para a turma de Jua hafers e Osmar Gonçalves que seguiram surfando na praia do Gonzaga nos anos 1940.
Em 1950, um grupo de praticantes de pesca submarina da praia do Arpoador, entre eles, Arduíno Colassanti, Irencyr Beltrão, Paulo Preguiça e Jorge Paulo Lemann, começaram a se aventurar nas ondas do Arpoador com pranchas de madeira maciça batizadas de “porta de igreja”.
Na década seguinte, em Imbituba (SC), um grupo de amigos conhecidos como “A Máfia”, inaugurou o surf catarinense após um de seus integrantes, Cesar Francisco, conhecido como Zoca, mandar fazer uma prancha de madeira na cidade Tubarão, em meados de 1960.
Essas três passagens são os relatos mais antigos da história do surf brasileiro. Contudo, uma nova descoberta traz agora outra e importante peça a essa linha do tempo.
Nova descoberta nas origens do surf brasileiro e catarinense
Francisco Perfeito da Silva, natural de Laguna (SC), nascido em 16 de agosto de 1914, foi um oficial da Marinha Mercante que no ano de 1939, fez uma longa viagem a bordo do navio Anna, da empresa Carlos Hoepck, passando por países como Estados Unidos e Alemanha.
Nessa viagem, Francisco teve contato com um esporte exótico, no qual homens eram capazes de deslizar sobre as ondas usando uma prancha de madeira.
Aquela descoberta foi tão impactante que o jovem oficial decide trazer uma dessas pranchas, enormes e pesadas para seu país.
Assim, no início de 1940, devidamente customizada em alusão a seu novo país, a primeira prancha de surf catarinense e uma das primeiras pranchas do Brasil, desembarcava no porto de Itajaí.
De lá, foi enviada para Laguna, onde Francisco vivia com sua família, para sua gloriosa estreia em águas catarinenses. Seria, portanto, o marco zero do surf em Santa Catarina, que teria, portanto, uma origem anterior à fluminense.
Contudo, muito pouco se sabe sobre as aventuras de Francisco Perfeito da Silva nas ondas de Laguna a bordo de sua prancha importada.
Ele faleceu quatro anos tempo depois, dois meses antes de sua Telma Pinho Silva, hoje com 78 anos, nascer.
Telma conta que sua mãe voltou a casar novamente e se mudou para norte do Paraná. Por conta disso, ela teve pouco contato com sua família paterna.
No entanto, Telma sabe que a prancha permaneceu guardada pela família de Francisco por muitos anos, até se deteriorar completamente.
Essa descoberta histórica, porém, está só no começo e um descendente do “primeiro surfista catarinense” está empenhado em torná-la de conhecimento público.
Local de Matinhos (PR), o surfista profissional Yohann Ivanoski é bisneto de Francisco Perfeito da Silva e agora, em contato com a redação da Hardcore, ele conta o que significa o resgate desse legado.
“Pra mim é muito gratificante resgatar essa história, que estava ‘perdida’ e poder agora resgatar e compartilhar ela é algo muito importante pra mim e para toda a minha família, principalmente para a minha avó, pois era o pai dela e agora eu, como neto e surfista profissional poder levar adiante esse legado pelas próximas gerações, meus filho, pois o surf está em nosso sangue”, conta Yohann.
É certo que muito há para escavar e novas informações são fundamentais para a construção desse quebra cabeça, que adiciona um novo capítulo na história do surf catarinense e brasileiro.
O que se sabe de concreto, pois as fotos comprovam, é que a primeira prancha de surf de Santa Catarina surgiu em 1940 e que muito provavelmente, a primeira onda catarinense foi surfada em Laguna.
Agora, cabe aos historiadores do surf brasileiro seguirem as pistas trazidas por Hardcore sobre a primeira prancha de Santa Catarina na
Linha do tempo do início do surf brazuca
Resumidamente, a história do surf brasileiro começa em Santos, na primavera de 1933, quando o jovem Thomas Ernest Rittscher Júnior recebeu de seu pai, que havia retornado de uma viagem aos EUA, um exemplar da revista “Modern Mechanix and Inventions Magazine”.
Uma das matérias da revista, chamada “Hawaiian Water Sled is Easy to Build”, apresentava ampla reportagem onde se explicava o passo a passo para que o leitor pudesse criar uma autêntica prancha oca, ‘hawaiian surf board’, modelo Tom Blake.
Thomas tinha também bons conhecimentos de carpintaria naval e mantinha na garagem da sua casa uma pequena oficina onde construía seus barcos.
Rittscher Júnior decide então construir sua prancha e chama a irmã Margot (um ano mais velha do que ele) para ajudá-lo na empreitada. Ela prontamente aceita o desafio.
Assim, após um ano e meio de trabalho de carpintaria, a prancha finalmente fica pronta. Ela tinha 12 pés de comprimento e 22 polegadas meio e pesava quase 40 quilos.
A estreia da prancha foi feita durante um sábado ensolarado de 1935. Depois de muitas idas e vindas até o raso para buscar a prancha, os irmãos acabaram percebendo como ela se comportava nas ondas e dão início ao marco zero do surfe brasileiro. Em seguida, os amigos Osmar Gonçalves, Jua Hafers e Sílvio Malzoni, com a ajuda do carpinteiro naval Júlio Pulz, constroem novas pranchas modelo Tom Blake e passam os anos 1940 surfando em Santos.
Agora sabemos que em 1940, Francisco Perfeito da Silva, natural de Laguna (SC), desembarca no porto de Itajaí a primeira prancha de surf de Santa Catarina (e uma das primeiras do Brasil).
A prancha foi então transportada até Laguna, onde Francisco morava. Lá, ele teria surfado com ela por mais quatro anos, quando então veio a falecer.
Alguns anos mais tarde, no Rio de Janeiro, na década de 1950, praticantes de pesca submarina, entre eles, Arduíno Colassanti, Irencyr Beltrão, Paulo Preguiça e Jorge Paulo Lemann, começaram a se aventurar nas ondas do Arpoador.
No início, as pranchas de madeira eram conhecidas como “portas de igreja”, devido ao formato retangular. Eram pesadas e pouco manobráveis, e era necessário o uso de pés de pato para conseguir “domá-las” nas ondas.
Ao longo do tempo as pranchas, feitas com madeiras mais leves, passaram a ser chamadas de “madeirite”, e a partir da década de 1960, o surf se tornou, através dessa geração de surfistas do Arpoador, um estilo de vida, dando início à popularização do esporte no Brasil. Alguns historiadores atribuem a essa geração carioca a criação da cultura do surf brasileiro.
Também nos anos 1960, um grupo de pioneiros catarinenses, conhecidos como “A Máfia”, entre eles José Henrique Costa “Lilico”, Cesar Francisco “Zoca” e Tadeu Cardoso, inspirados por filmes de Elvis Presley no Havaí, começam a surfar em Imbituba (SC) após Zoca mandar fazer uma prancha de madeira na cidade Tubarão (SC).
* Luciano Meneghello é jornalista, editor assistente de Hardcore e autor do livro “Raiz, uma viagem sobre as origens do surfe, canoa polinésia e prone paddleboard”.