Por Thaís Valverde
Com 29 anos, Henrique Avancini carrega a responsabilidade de não só ter rendimentos e resultados incríveis no esporte, mas de ser um importante instrumento de propagação do mountain bike no Brasil. Durante a entrevista na sede da Cannondale, em São Paulo, encontrei um atleta disposto a passar por uma maratona de entrevistas com sorriso no rosto a fim de falar do que mais ama: bike.
Avancini entrou recentemente para o Top 5 do ranking do MTB mundial. No ano passado, conquistou a quarta colocação no Campeonato Mundial. Agora, no começo de temporada, ficou com a terceira colocação geral na Cape Epic 2018, ultramaratona de mountain bike que competiu com seu parceiro, o alemão Manuel Fumic, e acaba de vencer pela quinta vez a etapa de Araxá (MG) da CIMTB. Resultados que ele diz serem do desenvolvimento físico e mental constantes. Confira a entrevista:
GO OUTSIDE: A cada ano vemos que há uma evolução crescente no seu desempenho e classificação em provas. Como você lida com as expectativas?
AVANCINI: A minha carreira como um todo teve curva de evolução muito improvável e continua assim. Isso gera uma expectativa externa enorme, principalmente na nossa cultura onde dá mais vale o crescer de nível do que a estabilidade. Hoje eu busco manter um controle emocional. Obviamente tenho ambição de ter resultados melhores, mas volto a atenção ao motivo do crescimento do nível. Dedico o tempo, energia e esforço no processo evolutivo. Às vezes traz resultados, às vezes não, mas é uma atitude que tende a melhorar os resultados. Com o tempo desenvolvi uma habilidade de trabalhar muito várias esferas e bem em um pouco de tudo. Consigo fazer um calendário mais cheio, com as viagens de provas, de diferentes modalidades. Isso requer autoconhecimento, habilidade mínima que faz diferença.
GO OUTSIDE: Já são quase 10 anos desde que você foi para a Europa tentar entrar em uma equipe. Quais foram os desafios e o que mudou atualmente?
AVANCINI: Comecei com os dramas de todo atleta brasileiro nas categorias de base, mas não dava muita atenção à situação em si. Eu sempre tive um espírito competitivo muito acentuado. Não importava se a minha bicicleta era boa ou não, se eu estava acampado ou ficava no hotel, se eu tinha uma boa refeição ou não, se eu tinha suplemento ou não. Eu nunca me encostei muito na falta de condições. E chegou um momento em que eu tinha o desejo de aprender mais, de competir mais e sempre quis competir com os melhores. Sempre me preocupei em ter uma boa disputa e não se eu estava vencendo ou não. Com 19 anos larguei uma bolsa de estudos no curso de direito e viajei com o dinheiro que eu tinha. Comprei uma passagem para a abertura do campeonato da temporada, a fim de competir com campeões olímpicos e, ingressar quem sabe, numa equipe. Tive um rendimento até surpreendente. Eu ia pedalando para a provas e isso foi o que realmente chamou atenção. Chegar numa prova internacional sem equipe, pedalando 60 km com a mochila nas costas, fazer um top 10 com menos de 20 anos, as pessoas olhavam e reconheciam a capacidade de força. Fiquei três anos na Europa. Foram anos maçantes, fiquei numa equipe de médio porte, muito comum na Europa, em que essas equipes fazem testes e desenvolvimento de produtos para marcas menores, e ganham bônus de prova. É a peneira do MTB mundial. Competi muito, muito mais do que era ideal para o meu corpo, aprendi muita sobre estratégia de prova, sobre gestão de viagens e muito sobre desenvolvimento de produtos. O momento foi difícil, mas olhando para trás na minha carreira, os momentos difíceis foram o que possibilitou lá na frente eu ter uma guinada na carreira.
GO OUTSIDE: E a volta para o Brasil, como foi?
AVANCINI: Voltei para o Brasil em um ano olímpico, 2012, fiquei sem equipe durante meio ano e ainda quebrei duas costelas. Mas toda essa experiência na Europa foi o que deu a minha entrada na Caloi, primeira grande mudança na minha carreira. Eles estavam entrando num novo mercado, com bikes com alto produto agregado, bicicletas de fibra de carbono, algo que na época, no Brasil, comercializava apenas as importadas. Quando lançaram a Caloi Elite Carbon, a previsão de vendas era de 15 meses, mas foram todas vendidas em um dia em uma feira em São Paulo. E abriu uma coisa que me orgulho muito, o precedente para o mercado nacional ser o que é hoje. Fazendo a comunicação certa, usando os pilotos nacionais para teste e competição com esses produtos, e um networking para baixar o preço final, o consumidor viu que poderia ter uma bike de alta qualidade de fibra de carbono brasileira.
GO OUTSIDE: Em 2018, qual é o seu foco?
AVANCINI: Tento voltar a minha atenção as provas internacionais, principalmente a Copa do Mundo, que é o cenário competitivo que a equipe que eu corro, a Cannondale Factory Team, dá mais atenção. E a partir disso tenho algumas ramificações, com objetivos pessoais e profissionais, muitas vezes como uma preparação, como forma para coletar pontos para uma classificação olímpica, por exemplo. Esse ano tive um primeiro terço do início de temporada de muito sucesso. O Cape Epic foi uma experiência marcante, uma das prova que estava na minha wishlist a competir, foi uma realização, largar nela é algo especial. E o Manuel Fumic é um verdadeiro mentor para mim. Depois deste momento o desgaste físico chega. Agora estou me recuperando da pré temporada até maio e aí vem as provas do segundo de semestre.
GO OUTSIDE: Araxá é terra de Avancini? Cinco vezes campeão consecutivo!
AVANCINI: Araxá são três dias super rápidos, e é muito difícil ter essa sequência de sucesso, vencer na elite cinco vezes é raro. Costuma falar que Araxá é onde enxergo tudo o que acredito na bicicleta. Vejo o engajamento da cidade com o evento, vejo um público vibrante, que curte, que respeita, e a indústria forte e ativa. Vejo um esporte de entretenimento saudável, uma mídia cobrindo, pra mim, em Araxá posso chegar quebrado, que no dia da prova, quando vejo tudo isso, ando mais com o coração do que com o físico. Enquanto Araxá for o que é vou continuar competindo bem lá.
GO OUTSIDE: Como você avalia o momento atual no MTB no Brasil?
AVANCINI: Acho que vivemos um momento muito positivo. Um novo boom da prática do esporte. Vejo pessoas novas praticando, novas entre dois e no máximo cinco anos, que considero um novo entusiasta do esporte. Acredito que devemos transformar o boom em algo cultural. Entender que o bem estar físico, os contatos que o esporte proporciona, são muito maiores. Quero que o praticante de MTB se envolva ainda mais no esporte, para daqui 20, 30 anos, mantenha essa paixão pela bike. As ações que faço paralelamente a minha carreira, como eu busco me comunicar, no jeito que busco me expor, é nessa linha. O Caloi Avancini Team já está no quarto ano (a evolução do Ava Project). Algo que apresentei para a indústria de forma ainda ideológica, pois, era um projeto com atletas novos, com pouca exposição em que eu queria dar estrutura a eles, para que dessem resultados quem sabe daqui alguns anos, onde potencialmente eles não deveriam nem estar mais trabalhando com a gente. Parece estranho em um primeiro momento investir em algo que não haverá resultado imediato. Isso passou de um conceito e virou uma garantia que fazia sentido, e até outras marcas começaram a fazer projetos similares. A indústria como um todo começou a ver que os atletas da elite chegam por vezes preparados esportivamente, mas não profissionalmente, e isso requer uma construção de longo prazo.
GO OUTSIDE: E o “Vida de Biker”* vai continuar?
AVANCINI: Sim, vai haver uma segunda temporada, ainda mais extensa. Eu já tinha tido oportunidade similar de fazer algo antes, mas não teria minha linguagem. Foi um programa de conteúdo alternativo, não é voltado ao Avancini, mas uso a minha vida para mostrar o universo de MTB. Quero levar conteúdo para quem ama bike a atrair novos praticantes. Mostrar também que a bike influencia a vida de muitas pessoas e que se comunica com muita gente.
*Vida de Biker é um programa de TV produzido pelo canal OFF.
GO OUTSIDE: E o Red Bull Hill Challenge 2018*, como surgiu ideia da prova de subida com amadores?
AVANCINI: Foi uma iniciativa minha com a Red Bull, com o objetivo de fazer uma ação que vá até para outros lugares do país, de fomentar um pico. Mais do que uma competição, é a valorização da Vista Chinesa (RJ), gerar um contato com o pessoal local. Foi bem legal pelo formato, foi um processo de classificação bem bacana de três semanas, que agitou a Vista Chinesa. E o fato de ser quartetos, será muito fácil me bater em uma subida. Provavelmente não vou vencer. É uma brincadeira legal, saudável e o quarteto que vencer a corrida ganhará um training camp em Petrópolis, na minha casa.
*A prova Red Bull Hill Challenge 2018 acontece nos dias 28 e 29 de abril.
GO OUTSIDE: E o que o Avancini faz fora da bike? Quais são os seus hobbys?
AVANCINI: Me amarro em me reunir com o amigos e ficar debatendo, conversando com eles. Apesar de não ser um bom músico, eu toco Ukulele e estou sempre ouvindo música. Gosto também de ir para Petrópolis e fazer a manutenção na minhas trilhas favoritas, pegar na enxada, ir para o meio do mato, trabalhar com o terreno. Isso faz parte da minha essência como biker e tento manter essas coisas vivas.