Guia brasileiro ajuda em resgate dramático a 6.700m no Aconcágua

Por Redação

Aconcágua
O Aconcágua é a maior montanha das Américas, com 6.962 metros. Foto: Arquivo Pessoal Juliano Lorne.

O experiente guia brasileiro Julianu Lorne quase testemunhou uma tragédia na última quarta-feira (3) no Aconcágua, Argentina, a montanha mais alta das Américas (6.962 metros).

Lorne guiava uma cliente até o topo quando cruzou com um grupo de alpinistas em apuros. Assim, ele decidiu abortar a expedição para ajudar no resgate, a menos de 300 metros do cume.

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“Chegando a La Cueva (6.700m), um guia argentino descia com duas clientes, uma delas estava amarrada a ele com uma corda. Eu perguntei se estava tudo bem, ele disse que sim e continuou a descer”, relatou o guia carioca em seu perfil no Instagram.

“Subi mais alguns metros e, quando olhei para trás para perguntar se estava tudo bem com a minha cliente, pude ver a menina que estava amarrada ao guia cair, quase que desmaiar. Na hora desci ao encontro deles e me ofereci para ajudar”, disse.

Julianu e as outras pessoas que estavam por ali conseguiram improvisar uma maca e auxiliar na descida da montanhista até um lugar seguro. Sofrendo de mal de altitude, ela não esboçava reação e precisou ser medicada com dexametasona e diamox.

“Éramos quatro homens carregando uma menina de uns 60, 70kg, acima de 6.000 metros. Caminhávamos por uns 30 metros e era necessário parar um minuto para seguir por mais 30”, contou Lorne.

“Minha cliente, e uma outra montanhista que era enfermeira, prestaram assistência para a menina enquanto organizávamos como iríamos baixar de Independência até o Acampamento Cólera (6.000m)”, disse.

Experiente guia, Lorne auxilia em resgate nos Andes. Foto: Arquivo Pessoal.

A temporada de escalada no Aconcágua, uma das montanhas mais perigosas do Planeta, começou há pouco tempo, mas já fez duas vítimas fatais: o russo Andrey Minaev e o norte-americano Raul Alexander Tartera.

De acordo com relatos do site Explorersweb, há um número excepcionalmente alto de alpinistas no Aconcágua nesta temporada. No entanto, foram apenas algumas breves janelas de tempo com condições climáticas favoráveis.

Nos últimos dias, os serviços médicos locais realizaram vários resgates no Aconcágua, como em 1º de janeiro, quando um alpinista francês e seu guia argentino precisaram de resgate a mais de 6.800m.

O alpinista francês apresentava sinais de mal da altitude, fadiga e desidratação, enquanto seu guia tinha sintomas semelhantes e estava com cegueira de neve. Um helicóptero conseguiu evacuar ambos da montanha.

Em seu relato, Lorne disse que durante seu ataque ao cume cruzou com o corpo do montanhista norte-americano Raul Alexander Tartera, que morreu no dia 30 de dezembro no caminho de volta por complicações causadas pela atitude.

Leia abaixo o relato completo de Lorne:

“Era 3 de janeiro. Eu guiava uma cliente no ataque ao cume do Aconcágua. Já havíamos passado pela Travessia (6.500) e estávamos próximos a La Cueva (6.700), quando vi um homem de jaqueta vermelha deitado a uns 5 metros da trilha. Pensei em gritar “Hola, que tal?”, quando me dei conta que o corpo do norte-americano que havia falecido dois dias antes, perto da La Cueva, por complicações da altitude, ainda não havia sido resgatado.

Continuei a subir e pude ver o corpo por completo, sinalizei para a minha cliente do que se tratava, continue subindo e tentando desviar o olhar, mas aquele corpo era como um ímã para meus olhos. Parei, olhei fixamente, imaginei os últimos momentos dele, me imaginei no lugar dele, imaginei um amigo, imaginei um cliente. Comecei a chorar. Era a primeira vez que eu via um corpo sem vida na montanha e aquilo teve um forte efeito sobre mim.

Continuamos a subir, chegando a La Cueva (6.700) um guia argentino descia com duas clientes, uma delas estava amarrada ao guia com uma corda. Eu perguntei se estava tudo bem, ele disse que sim e continuou a descer. Subi mais alguns metros e quando olhei para trás para perguntar se estava tudo bem com a minha cliente, pude ver a menina que estava amarrada ao guia, cair, quase que desmaiar. Na hora desci ao encontro deles e me ofereci para ajudar, quando chegou um outro montanhista com sua companheira que descia do cume, e também ofereceu ajuda. Voltei a subir e falei com a minha cliente que se fosse necessário a minha ajuda para fazer o resgate, abortaríamos a tentativa de cume. Quando olhei novamente para baixo, vi o guia tentando descer com a menina nas costas. Automaticamente já havia definido que iria descer e ajudar no resgate. Avisei a minha cliente e começamos a descer.

Por um momento o guia e o outro montanhista se revezaram para baixar a moça nas costas, enquanto eu levava 4 mochilas. Paramos por uns minutos e o Guia aplicou uma dexametasona nela. Em seguida troquei com eles e fui baixando com ela nas costas. A menina praticamente não reagia e tampouco conseguia se manter consciente. Seguimos revezando e baixando ela até Independência (6.300). Aí tivemos a assistência de outros dois guias. Um deles baixou com as mochilas, enquanto o outro se juntou a nós e fizemos uma maca com duas mochilas, bastões e corda. Minha cliente, e uma outra montanhista que era enfermeira, prestaram assistência para a menina enquanto organizávamos como iríamos baixar de Independência até o Acampamento Cólera (6.000). Depois de mais uma aplicação de dexametasona e diamox, colocamos a menina na maca improvisada e começamos a baixar.

Éramos 4 homens carregando uma menina de uns 60/70kg, acima de 6.000 metros. Caminhávamos por uns 30 metros e era necessário parar 1 minuto para seguir por mais 30 metros.

Eu sempre falava com a moça, tentando ver alguma reação dela. Em alguns momentos brinquei com ela, dizendo que queria ver o belo sorriso que ela tinha, e como estávamos descendo bem, havia uma pequena melhora, e ela de alguma forma pôde sorrir, comprovando o que eu já sabia: No que dependesse de nós, ela não morreria ali!

Chegando ao Acampamento Cólera (6.000m) recebemos a ajuda de mais um guia, e então colocamos a moça em um domo, abrigada, onde foi novamente medicada e hidratada. As meninas trocaram a roupa dela, que estava toda molhada de urina, e a aqueceram com jaquetas de pluma. Ela começou a melhorar.

A partir daí, a Polícia de Resgate do Aconcágua já estava a caminho do Acampamento Cólera para assumir o resgate e descer a moça para o Acampamento Nido de Condores (5.600), onde ela seria evacuada de helicóptero para o hospital em Mendoza.

Eu e a minha cliente também descemos para Nido de Condores, onde dormimos, para no dia seguinte (04) descer com todas as nossas coisas para o Acampamento Base – Plaza de Mulas (4.300).

Hoje é dia 5 e pelas notícias que recebi, a menina já está bem. No hospital, porém bem!

‘Sabedoria para fazer boas escolhas e força para honrá-las.”







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