Conheça três filmmakers brasileiros que mostram a importância da produção audiovisual para a disseminação dos esportes de aventura
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3 filmmakers de aventura brasileiros para conhecer
- Gustavo Marcolini
QUANDO OUVIU de um editor-chefe da TV Globo, no fim dos anos 1990, que o surf não tinha espaço na emissora porque a modalidade não movimentava tanto dinheiro quanto o futebol, Gustavo Marcolini nem sonhava com as ondas que ainda iria surfar e registrar para contar histórias. Depois de sair do estágio no canal, em 1997, o jornalista criou a sua produtora e começou a carreira como empresário na indústria audiovisual.
Menos de dez anos depois, no entanto, o carioca estava de volta à Globo, após ser convidado para cobrir a etapa de Tahiti do Mundial de Surf de 2004 como cameraman. Sua especialização em câmeras aquáticas levou o cinegrafista para acompanhar também a etapa da Austrália do Mundial, em 2005, quando foi feita a primeira transmissão de surf ao vivo via internet para a televisão brasileira – um marco revolucionário para a TV do país.
Se naquela época os esportes chamados “radicais” não eram valorizados na mídia, hoje em dia o cenário é outro. O cinema de aventura vive sua melhor fase, tanto na gringa quanto no Brasil. Os criadores da Sender Films – um dos maiores estúdios de filmes outdoor do mundo – afirmam que a indústria mainstream está mais interessada do que nunca em seu trabalho e no universo da vida ao ar livre. The Alpinist, documentário da produtora sobre o montanhista Marc-André Leclerc, foi sucesso nos cinemas e entrou para o catálogo da Netflix dos Estados Unidos, além de ganhar diversos prêmios, como o Sports Emmy e o Critics Choice Awards. O que há poucas décadas atraía apenas um público nichado, hoje está nas telas das maiores plataformas de streaming.
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Hoje, aos 51 anos, Gustavo Marcolini, é um respeitado documentarista, diretor e cinegrafista de aventura – e viveu a mudança de patamar dos filmes outdoor na última década. Para ele, os festivais de cinema são fundamentais para um documentarista, a porta de entrada mais honrosa de um projeto. “Alguns diretores não querem nem mais o seu filme exibido na TV, somente em festivais e depois em um streaming, onde qualquer pessoa pode comprar e assistir. O festival te dá um selo de garantia e atesta que aquele é um bom material”, afirma o carioca.
Marcolini já teve produções presentes (e premiadas) em diferentes festivais pelo mundo com a Marcolini Filmes. No ano passado, É Capixaba, documentário dirigido ao lado de Hugo Caiado, ganhou o prêmio de Melhor Filme Nacional pela escolha do público no festival Rocky Spirit. O filme, lançado em 2021, fala sobre a onda de Laje da Avalanche, no Espírito Santo – a maior já surfada no Brasil – e a história do surf no estado. A produção traz imagens raras dos pioneiros da região na busca pela onda perfeita, a partir de 1965.
A trajetória de Marcolini e os festivais de cinema comprovam o valor dos filmmakers no universo outdoor, como agentes fundamentais para a divulgação e popularização de modalidades e práticas de aventura que nem sempre estão no radar da mídia tradicional. “O ato de filmar o surf existia, antes, devido à beleza do esporte. Mas gravar a modalidade foi se tornando cada vez mais importante para o desenvolvimento do atleta conforme as competições foram crescendo. As filmagens passaram a ser incorporadas ao treinamento para o surfista ver o que ele estava errando”, conta o carioca.
Segundo Gustavo, a prática passou a ser comum somente na década de 90, quando as câmeras de vídeo VHS chegaram no Brasil e se tornaram mais acessíveis. Antes disso, quem quisesse filmar uma sessão precisava de uma câmera de cinema. “O acesso às filmadoras fez com que o surf começasse a se desenvolver muito, graças às imagens captadas pelas equipes, que passaram a ser formadas por surfista e videomaker”, lembra. “E assim entrou em cena o profissional do vídeo para o atleta pro.”
Durante as coberturas jornalísticas dos campeonatos, Gustavo sempre se interessou mais pelas pessoas do que pelas provas. Para ele, filmar os eventos esportivos foi a sua escola de “contar histórias” e também o momento em que ele descobriu a sua aptidão como documentarista. “O Neco Padaratz quase morreu afogado em uma onda do Tahiti e, em 2004, ele estava voltando para lá pela primeira vez depois do acidente. Nós o entrevistamos no Mundial e ele chorava tanto que aquilo parecia mais um documentário do que uma reportagem de TV. Ali nasceu meu grande interesse em ser documentarista”, conta o carioca. Seu trabalho com documentários começou, oficialmente, alguns anos depois, com a estreia do Canal Off, onde suas produções passaram a ser exibidas.
2. Grazi Olliveira
Assim como o surf, o skate também se beneficiou – e ainda se beneficia – do trabalho de filmmakers de aventura. As vídeo partes (vídeos curtos de apresentação dos skatistas) e os clipes de manobras publicados nas redes sociais fazem barulho antes das competições e criam expectativa no público, nos jurados e nos próprios competidores sobre o que cada skatista tem na manga para a disputa. Os vídeos contribuem ainda para a divulgação do skate na mídia. O esporte já chegou a ser proibido na cidade de São Paulo e, até há pouco tempo, quase não conseguia espaço na imprensa tradicional – principalmente quando o assunto era skate feminino.
Foi pensando nisso que Grazi Olliveira, jornalista e filmmaker de 33 anos, decidiu pegar sua câmera e investir em um projeto dedicado inteiramente às skatistas mulheres. A gaúcha, que vive no mundo do skate desde cedo, criou o Go Channel, um canal no YouTube onde publica entrevistas, sessões e toda a vivência das meninas no esporte. “Eu percebi que o skate feminino ainda não estava no lugar onde deveria na mídia e que não havia mulheres filmando as skatistas”, conta. “As meninas também não costumavam ter patrocinadores naquela época, cerca de seis anos atrás, porque não havia visibilidade. Então o canal foi uma forma de investir e apostar nas skatistas”.
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Deu certo: o projeto cresceu rapidamente e a filmmaker recebeu um convite do Canal Off para dirigir e filmar parte de uma série sobre skate feminino. O #respeitaasmina foi ao ar em 2020 e mostrou a rotina, as sessões e os bastidores da participação de campeonatos e tours de nomes em alta e de promessas do skate brasileiro. Para as gravações, Grazi pôde pensar em toda a pauta e foi para Buenos Aires, na Argentina, acompanhada das skatistas Vitória Mendonça e Vitória Bortolo.
Assim como Grazi já previa, apostar em conteúdo das meninas do skate valeu a pena: as duas skatistas ganharam mais destaque no Brasil depois da série. Em julho deste ano, Vitória Mendonça participou pela primeira vez de uma etapa da Street League Skateboarding, nos Estados Unidos. “A aposta sempre vem do skatista e do filmmaker. E, se não existe uma marca por trás, é um investimento apenas dos dois”, explica a gaúcha. “Só quem anda de skate sente na pele a importância [de filmar e divulgar], e é um trabalho de formiguinha”.
Em 2018, o extinto Mimpi Film, festival brasileiro que reunia produções de skate e surf, premiou Grazi pela vídeo parte da skatista brasileira Ligiane Oliveira, conhecida como Xushine. A filmmaker viajou até Barcelona, na Espanha, em nome do Go Channel para comemorar os 30 anos da skatista e mostrar um pouco da vida da paulista na capital catalã em um vídeo de dois minutos que conquistou o júri da categoria de produções sobre mulheres.
3. Fernando Biagioni
Não só de campeonatos e atletas vivem os filmmakers de aventura. Alguns diretores voltam sua atenção para histórias e expedições fora da alta performance no mundo outdoor. É o caso de Fernando Biagioni, fotógrafo por formação que começou a experimentar produções em vídeo quando as câmeras começaram a gravar com uma boa qualidade. “Junto com o meu irmão, criei algumas narrativas em vídeo que não podiam ser transmitidas por fotos”, conta o mineiro. “A cultura outdoor sempre fez parte da nossa vida, então foi natural aplicar os conhecimentos no ramo.”
Em um filme lançado no fim de 2021, Fernando mostrou sua trajetória atravessando Minas Gerais de norte a sul de bicicleta junto a um amigo. A Volta em Minas registra, em 21 minutos, os 14 dias e 1.500 km de viagem da dupla. O fotógrafo não acompanhou profissionais e competições: ele foi a própria estrela do curta junto aos belos e diversos cenários do território mineiro – o que torna a tarefa mais complicada. “Sincronizar as atividades de filmmaker e atleta nem sempre é fácil”, conta Fernando. Segundo ele, interromper o pedal para gravar é difícil e nem sempre possível. “O trabalho acaba sendo dobrado, porque em muitos momentos preciso fazer um trecho mais de uma vez só para montar a câmera, passar na frente dela e depois voltar para buscá-la.”
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A Volta em Minas foi um dos filmes selecionados para o Rocky Spirit 2022. Costanera e Pindorama, outras duas produções do mineiro sobre expedições de bike, também já integraram as seleções do festival em anos anteriores. Para Fernando, o evento é uma vitrine independente dos talentos audiovisuais brasileiros, “uma exceção no país”, de acordo com o diretor. “O Brasil ainda pensa muito no atleta de alta performance, e esse tem sido o foco da maioria das marcas. É difícil ver companhias pensando fora da curva, e isso reflete na produção de vídeos nacionais”, diz. “Na gringa, a história é outra: vemos muitas marcas apostando em produções de vídeo de aventura sem vínculo com performance, filmes que te inspiram a querer estar lá fora. Eu sinto que no Brasil existe uma luz com festivais como o Rocky Spirit”.
O fotógrafo e diretor acredita que os bons filmes de aventura fazem o espectador se identificar com as situações retratadas ali. Com as facilidades tecnológicas atuais, ele afirma que o caminho para encontrar essa conexão com o público e se destacar entre os demais projetos é criar uma narrativa peculiar, um enredo diferente. Em A Volta em Minas, Fernando busca a resposta para a pergunta “de um milhão de dólares”: qual é a coisa mais importante do mundo?