Se você já está familiarizado com a diferença entre fibras musculares de contração lenta e de contração rápida sabe que as primeiras são ótimas para maratonas, enquanto as últimas são ideais para corridas de 100 metros. Mas, na prática, como sabemos qual tipo de fibra muscular temos e o que fazer com essa informação?
Um novo estudo publicado no International Journal of Sports Physiology and Performance, conduzido por uma equipe de pesquisa liderada por Eline Lievens, da Universidade de Ghent, na Bélgica, abordou essas questões com mais de 400 treinadores e cientistas do esporte de diversas modalidades.
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Noventa por cento dos entrevistados acreditam que conhecer o tipo dominante de fibra muscular de um atleta é útil para otimizar o treinamento e o desempenho, mas apenas metade deles afirma realmente saber quais de seus atletas têm fibras de contração lenta ou rápida. Um corpo crescente de pesquisas sugere que isso é um problema, ou pelo menos uma oportunidade perdida.
Em média, os humanos têm uma mistura de fibras de contração lenta e rápida aproximadamente de 50/50. Mas há grande variação em torno dessa média: algumas pessoas são predominantemente de contração lenta, enquanto outras são principalmente de contração rápida. Nos últimos anos, evidências vêm sugerindo que é possível modificar essa proporção de fibras até certo ponto.
Um exemplo surpreendente foi o estudo de um par de gêmeos idênticos, onde um deles era triatleta ao longo da vida e desenvolveu 94% de fibras de contração lenta, enquanto o outro, sedentário, possuía apenas 40%. Mas esse é um caso extremo, e para a maioria das pessoas o tipo de fibra permanece relativamente estável ao longo da vida.
Por que o tipo de fibra muscular importa para a resistência
Em 2020, um estudo interessante analisou corredores altamente treinados e os fez treinar em excesso por três semanas, aumentando o volume de corrida em até 30%. Metade dos corredores não conseguiu lidar com o aumento e teve piora no desempenho; a outra metade se saiu bem. O melhor preditor dos grupos foi o tipo de fibra muscular: aqueles com fibras de contração lenta suportaram o aumento de quilometragem, enquanto os de contração rápida não se recuperaram rapidamente o suficiente e ficaram sobrecarregados.
Outros estudos mostraram que pessoas com fibras de contração rápida têm um sprint final mais rápido, enquanto as de contração lenta se saem melhor em corridas com ritmo mais constante.
E um estudo publicado este mês por um grupo liderado por Wannes Swinnen, da KU Leuven, na Bélgica, descobriu que pessoas com fibras de contração lenta tendem a apresentar melhor economia de corrida, ou seja, queimam menos energia para manter um certo ritmo. Isso faz sentido, pois uma das características das fibras de contração lenta é que elas exigem menos energia. Mas a magnitude do efeito na economia de corrida — uma diferença de 7,8% — é impressionante. Para comparação, o ganho de 4% na economia de corrida oferecido pelos “supertênis” da primeira geração causou uma revolução no esporte.
Por que o tipo de fibra muscular importa para a força
Pode parecer óbvio que pessoas com fibras de contração rápida têm músculos grandes, enquanto as de contração lenta têm músculos menores, como os perfis típicos de um velocista de 100 metros e um maratonista. Mas isso confunde causas e efeitos. Músculos grandes são úteis para sprints e prejudiciais para longas distâncias, então é natural que velocistas busquem desenvolver musculatura maior. Porém, em um estudo do ano passado, quando pessoas com fibras de contração rápida e lenta seguiram o mesmo plano de treinamento, ganharam a mesma quantidade de massa muscular. Músculos grandes não precisam ser necessariamente de contração rápida.
No entanto, o tipo de fibra importa de outras maneiras. Outro estudo recente descobriu que pessoas com fibras de contração rápida tendem a ser ligeiramente mais fortes: o tipo de fibra explicava cerca de 5% da variação no máximo de uma repetição. Mas, ao realizar exercícios submáximos, como 80% do máximo, elas conseguem fazer menos repetições antes de chegar à fadiga. Isso faz sentido, pois as fibras de contração rápida são mais poderosas, mas se cansam mais rapidamente.
Isso traz algumas implicações importantes para o treinamento de força. Uma delas é que as fórmulas usadas para estimar o máximo de uma repetição, geralmente baseadas no número de repetições realizadas com menor peso, devem ser diferentes para atletas com fibras de contração rápida e lenta. Outra é que um treino como “12 repetições a 60% do máximo de uma repetição” representa um estímulo completamente diferente para atletas com tipos de fibras distintos. Em geral, pessoas com fibras de contração lenta precisam fazer mais repetições para obter um estímulo comparável.
Qual é o seu tipo de fibra muscular?
Aqui as coisas ficam complicadas. O “padrão-ouro” para a tipagem de fibras é uma biópsia muscular, que envolve remover uma pequena parte do músculo para análise. Ninguém gosta muito desse método, tanto porque dói bastante quanto porque ninguém gosta de perder uma parte do músculo conquistado com esforço.
O motivo do grande ressurgimento de pesquisas sobre o tema recentemente (e de muito dessas pesquisas serem na Bélgica) é que, em 2011, pesquisadores belgas desenvolveram um método não invasivo para estimar o tipo de fibra. O procedimento utiliza espectroscopia de ressonância magnética de prótons para medir os níveis de carnosina, uma molécula aproximadamente duas vezes mais abundante em fibras de contração rápida em comparação com as de contração lenta. Essa técnica é mais aceitável para os pesquisadores, mas ainda não é acessível para treinadores e atletas.
Isso explica porque metade dos treinadores na pesquisa de Lievens afirmou não conhecer o tipo de fibra de seus atletas. Se você treina maratonistas ou velocistas de elite, provavelmente consegue fazer uma boa estimativa. Mas, se treina corredores de média distância ou atletas de esportes coletivos, como futebol, ou se você é um atleta recreativo cujo corpo não foi necessariamente “feito” para o esporte que escolheu, é mais difícil saber onde você se encaixa. A maioria de nós, claro, cai em algum ponto intermediário — mas ainda podemos ter uma tendência para um lado ou outro.
No estudo de Lievens, a medida objetiva que os treinadores mais usaram foi um teste de salto. A altura do salto (ou quanto tempo você consegue ficar no ar) se mostrou um bom indicador da quantidade de fibras de contração rápida. Segundo uma regra prática, homens que saltam mais de 50 centímetros e mulheres que saltam mais de 35 centímetros provavelmente são predominantemente de contração rápida.
Outra abordagem é ver quantas repetições você consegue fazer com um certo peso: um estudo descobriu que pessoas com fibras de contração rápida faziam tipicamente entre 5 e 8 agachamentos com 80% do máximo, enquanto as de contração lenta faziam entre 11 e 15. Aproximadamente um terço do grupo fez 9 ou 10 repetições e, geralmente, tinha uma mistura equilibrada de fibras rápidas e lentas.
Por enquanto, nenhum desses métodos é simples de aplicar. O melhor método pode ser observar o desempenho em distâncias curtas versus longas. Esse é um indicativo imperfeito, pois também é influenciado por fatores como o treinamento. Mas, à medida que esses estudos sobre tipos de fibra muscular se acumulam, fica cada vez mais claro que esse é um parâmetro que vale a pena considerar ao decidir a quilometragem ou o número de repetições no treino. O tipo de fibra não é destino e não precisa determinar seus objetivos atléticos — mas pode dar dicas úteis sobre a melhor maneira de alcançá-los.
*Alex Hutchinson escreve sobre treinamento na Outside USA.