Fazer trilha pode tornar as crianças mais corajosas

trilha com crianças
Foto: Lauren Matison

Uma mãe decidiu fazer uma trilha noturna com a família. Será que a experiência ajudaria sua filha a superar o medo do escuro?

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Uma das grandes alegrias de ser pai ou mãe é redescobrir o mundo natural pelos olhos dos filhos — seja ao ver um cardeal vermelho vibrante ou uma imensa sequoia pela primeira vez. De alguma forma, compartilhar o entusiasmo da descoberta nunca perde a graça. Mesmo agora, com minha filha de 5 anos e meu filho de 8, uma trilha é sempre uma espécie de caça ao tesouro da natureza para toda a família.

Como somos uma família de trilheiros entusiasmados, era questão de tempo até cogitarmos uma caminhada noturna. Meus filhos já haviam flertado com a noite: viram o nascer do sol no Cadillac Mountain, no Parque Nacional de Acadia (EUA), e observaram os passos tímidos dos pássaros narcejas ao anoitecer. Mas tudo isso aconteceu antes de minha filha desenvolver um medo do escuro. Com receio de que uma trilha noturna pudesse ser traumática, busquei conselhos da Dra. Dawn Huebner, psicóloga infantil e autora do livro Facing Mighty Fears About Trying New Things (Enfrentando Grandes Medos de Tentar Coisas Novas, em tradução livre).

“É importante falar sobre as coisas como ‘assustadoras, mas seguras’, reconhecendo o medo da criança sem sugerir que o perigo é real”, explicou a Dra. Huebner, destacando que as crianças enfrentam melhor seus grandes medos quando avançam em pequenos passos. “O crescimento acontece justamente fora da zona de conforto atual da criança.”

Depois de uma longa conversa com a Dra. Huebner, semanas de planejamento e conversas com outros especialistas, saí com meus filhos para uma série de aventuras noturnas emocionantes. De como escolher o equipamento certo até formas de tornar tudo mais divertido, aqui está o que você precisa saber antes de encarar uma trilha à noite com os pequenos.

Como se preparar para uma trilha noturna com crianças

Prepare-se para o inesperado

Assim como em qualquer trilha — seja de dia ou de noite —, preparação e segurança são fundamentais. Ao explorar programas noturnos nos parques nacionais, conversei com Amanda Pollock, guarda florestal em Acadia, que me contou que escorregões e quedas são os acidentes mais comuns por lá. À noite, buracos e raízes ficam bem mais difíceis de ver. “Garanta uma boa iluminação do caminho”, alertou Amanda, sugerindo lanternas de cabeça com luz vermelha, que produzem uma luz contínua e suave — ideal para crianças.

Além de manter o caminho visível e observar a presença de animais, Amanda recomenda usar roupas em camadas para o clima imprevisível, levar um kit de primeiros socorros e não esquecer pilhas extras ou um carregador portátil — caso você se perca ou fique sem energia.

Querendo manter os pequenos visíveis nos caminhos escuros, equipei-os com roupas refletivas, como a jaqueta impermeável Torrentshell 3L da Patagonia, calças Namuk Mack com zíper e um gorro com pompom refletivo — que ainda acrescentaram um toque divertido à trilha.

Comece por terrenos fáceis e familiares

A guarda Amanda também alertou para evitar trilhas difíceis à noite. “O que sobe tem que descer”, disse ela. “E você não vai querer ter dificuldades para voltar ao carro.” Começamos nossa jornada noturna por um território já conhecido: o quintal de casa, que faz divisa com uma reserva ambiental. Acendemos e apagamos as lanternas várias vezes, deixando os períodos no escuro cada vez mais longos, enquanto fazíamos observações noturnas: o cheiro intenso da terra molhada, a forma engraçada das árvores, o céu salpicado de estrelas.

Tommy McCarthy, educador ambiental no Woodcock Nature Center, em Connecticut (EUA), explicou que notar os detalhes da trilha durante o dia pode ajudar a diminuir o receio noturno — assim como ter um destino e um objetivo claros. “Caminhe até uma área aberta para observar as estrelas, ou siga até um brejo ou lago temporário e use uma lanterna para procurar criaturas na água”, sugeriu. McCarthy também recomenda levar uma câmera com tripé para fazer fotos em longa exposição do céu ou da floresta.

Fortaleça os pequenos aventureiros noturnos

Alguns dias depois, as crianças escolheram um parque da região para a nossa primeira trilha noturna oficial em família. Para minha surpresa, conforme o céu mudava do azul lavanda para o azul-marinho profundo, minha filha pediu para guiar o caminho pela trilha arborizada até o topo do morro do parque. Em certo momento, ela parou, olhou em volta e sussurrou: “Vamos apagar as luzes e olhar para a lua.”

No topo, sentamos na grama tomando chocolate quente e usamos o aplicativo Night Sky para localizar Marte, o Cinturão de Órion, Castor e Pollux — e até um unicórnio chamado Monoceros. No caminho de volta, os sons da floresta escura começaram a ficar mais intensos, e minha filha pediu colo. Levantei-a no colo e tentei não me arrepender da aventura.

Lembrei do que a Dra. Huebner me disse sobre como as crianças costumam confundir coragem com ausência de medo. Então falei para minha filha que estava orgulhosa dela, e que ela havia sido muito corajosa por continuar caminhando mesmo com medo. “Você não precisa se sentir corajosa para ser corajosa”, diz a Dra. Huebner. “Quando fazemos essa distinção, podemos dizer coisas como: ‘Essa é uma boa hora para praticar coragem’ ou ‘Deixe sua coragem te ajudar agora’. Não estamos tentando eliminar o medo — estamos ensinando nossos filhos que o medo não precisa pará-los.”

A psicóloga também afirmou que as crianças precisam viver, repetidamente, a experiência de sentir apreensão, fazer algo mesmo assim, e perceber que aquilo vai ficando mais fácil — até que não pareça mais novo, difícil ou assustador. “O domínio não acontece se a criança dá um passinho e fica ali para sempre; o processo precisa ser dinâmico.”

Aventure-se no lado selvagem

No início da primavera, fizemos uma viagem até o Scribner’s Lodge, base popular para trilhas e observação de estrelas nas montanhas Catskill. “Fazer trilhas noturnas pode proporcionar experiências únicas e inesquecíveis, que você não teria durante o dia”, disse McCarthy. “Como o coro dos sapos na primavera, ouvir ou avistar corujas, e até cogumelos que brilham no escuro.”

Levei comigo um dos meus livros favoritos da infância, Owl Moon, para ler com meus filhos. Depois da leitura, eles estavam empolgados para tentar encontrar uma coruja. Enquanto nos reuníamos ao redor do mapa da trilha ao entardecer, comemos s’mores ao lado da lareira externa do hotel. O vento começou a soprar forte, a neve a cair — e a temperatura despencou. Já havíamos feito trilhas em climas piores, mas nunca à noite. Será que deveríamos ir mesmo assim? “Hoo hoo hoo hoo hoo hoooooo!”, responderam as crianças. Então nos agasalhamos e seguimos para a Hunter Branch Rail Trail.

Depois de cruzar uma ponte, seguimos em silêncio pelos antigos trilhos de trem, num caminho estreito cercado por samambaias e pinheiros. As crianças paravam para escutar, apontavam para as árvores que se moviam, para o rio abaixo — ou para um galho que talvez escondesse um pássaro. A neve caía em flocos inclinados, mas meus filhos pareciam nem notar.

“Aprender sobre animais adaptados à vida noturna pode ajudar as crianças a se sentirem mais seguras na natureza e a vencer o medo do escuro”, explicou a Dra. Huebner. “Isso também estimula os sentidos de uma forma diferente, com mais foco nas silhuetas, nas formas e nos sons — já que as cores ficam menos visíveis.”

Mantenha as trilhas noturnas divertidas e criativas

Nunca chegamos a ver a tal coruja. Mas, depois da nossa aventura nas Catskills, as crianças se tornaram fãs declarados de trilhas noturnas. Durante o café da manhã, com panquecas de mirtilo, decidimos criar um grupo de aventuras mensais com outras famílias: o “Clube dos Amigos da Noite”.

Entre as ideias da criançada: procurar salamandras em trilhas noturnas, observar estrelas em um abrigo do Appalachian Mountain Club e até dormir com lobos no Centro de Conservação dos Lobos.

Ainda estamos montando o calendário do clube, mas os convites já foram enviados — e uma coisa é certa: o medo do escuro da minha filha de 5 anos a transformou em uma exploradora mais destemida e conectada à natureza do que eu jamais imaginaria. E ver minha filha enfrentar seus medos, passo a passo, também me inspirou a fazer mais coisas corajosas na minha própria vida.