Fazedores de trilhas

SÓ NA ESPREITA: Fazendo o reconhecimento de um trecho da Transcaucasian Trail, na Armênia

Por Charles Bethea

EM 2010, O NORTE-AMERICANO Paul Stephens estava trabalhando para a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) em Tbilisi, capital da Geórgia, na Europa Oriental. Ele havia viajado para lá anteriormente como voluntário do Peace Corps, uma agência federal criada pelo presidente Kennedy nos anos 1960 para espalhar os “ideais norte-americanos” por meio da prestação de serviços sociais por jovens do país, em vários cantos do planeta. Além de ajudar nas iniciativas educativas e contra a pobreza do Peace Corps, ele explorou a região da Cordilheira do Cáucaso a pé.

“Há muitas montanhas de mais de 4.000 metros e florestas densas por lá”, diz Paul, que agora tem 35 anos. “Há vilarejos antigos, fortificações e igrejas nas encostas das montanhas.” Em um passeio com uma agência de turismo local, ele cruzou um grupo audacioso de montanhistas do Leste Europeu que tentava atravessar, a pé, a faixa de quase 1.300 km de florestas e montanhas do país.

“Fiquei intrigado”, diz Paul. “Então comecei a olhar o mapa.” Alguns anos antes, ele tinha caminhado por grande parte do trecho da Appalachian Trail, mítica trilha norte-americana que corta muitos estados do país.

Uma parte “arenosa” da Baja Divide, nos EUA

“Enquanto estava lá, eu ficava inspirado em saber que poderia continuar naquela trilha durante semanas ou meses”, conta. “Isso estimula a imaginação e dá uma sensação de liberdade. Também há um atrativo extra em realmente chegar a algum lugar caminhando, um lugar distante, e não apenas andar em círculos.” Se houvesse uma trilha longa que atravessasse o Cáucaso, ele pensou, possivelmente poderia ser percorrida em três meses.

No verão de 2015, Paul e um colega do Peace Corps começaram a esboçar uma rota pela Geórgia, Armênia e Azerbaijão, a partir do Mar Negro até o Cáspio, passando em grande parte por parques nacionais – criando, assim, a Transcaucasian Trail. Trilhas longas (ou travessias marcadas) estão passando por um período de grande popularidade, graças em parte ao sucesso nos cinemas de blockbusters como Livre e Uma Caminhada na Floresta. Atualmente cerca de 1.000 pessoas atravessam caminhando os 3.522 km da Appalachian Trail, entre os estados da Geórgia e do Maine por ano, bem mais que as 575 de 2008; e quase outras 3 milhões percorrem algum trecho dela. Crescimentos de público semelhantes se espalham mundo afora.

Trabalhando em trilha do oeste da Geórgia, EUA

No fim de 2015, o inglês Ben Hoffler ajudou a finalizar a Sinai Trail, no Egito, com 225 km de trilhas tribais pelo Golfo de Ácaba, passando pelo monte de Santa Catarina, a montanha mais alta do Egito (2.629 metros). Depois da inauguração da trilha um ano mais tarde, várias organizações internacionais de turismo a consideraram um dos melhores novos projetos turísticos do mundo.

Entre os objetivos da trilha está “mudar a percepção das pessoas sobre uma região cronicamente incompreendida”, explica Ben, que já percorreu trechos de ultratrilhas pelas Montanhas Rochosas canadenses e pretende conhecer outros da Pacific Crest Trail.

O México também poderia se beneficiar de um “upgrade” de imagem, mas não foi por isso que Nicholas Carman e Lael Wilcox, ambos do Alasca, criaram uma trilha composta por 2.735 km e batizada de Baja Divide Trail, entre San Diego e San José del Cabo. Os dois, fiéis praticantes de mountain bike de endurance, já tinham pedalado a Great Divide Mountain Bike Route, a Colorado Trail e a Arizona Trail, todas trajetos longos e duros.
Depois da segunda viagem deles pela península da Baja California, eles quiseram compartilhar a experiência com outras pessoas. A trilha pensada pela dupla serpenteia por antigas aldeias missionárias e remotas regiões desérticas. No Valle de los Cirios, árvores anciãs se inclinam e se retorcem, criando uma paisagem dramática. Durante a primeira temporada após a trilha ser inaugurada, no inverno passado no Hemisfério Norte, 250 pessoas tentaram realizá-la.

O Mosteiro de Santa Catarina e o Monta Sinai, no Egito

O mais ambicioso de todos os projetos é um conjunto de trilhas no Chile chamada Greater Patagonian Trail. Segundo Jan Dudeck, o alemão responsável por grande parte do mapeamento, a rede consiste em “trilhas, estradas e rotas de mountain cross-country para atletas mais experientes”. Começando na capital, Santiago, a GPT entrecorta uma faixa de terra semidesértica de 1.850 km entre a pré-cordilheira andina e o Campo de Gelo do Sul da Patagônia. Percorrê-la a pé exige cruzar propriedades privadas e até carregar um pequeno bote inflável para atravessar rios. Resumindo: o destino é para quem já tem uma boa familiaridade com o universo outdoor. “É mais uma trilha de descobertas e explorações que uma trilha de trekking”, explica Jan, que já percorreu grande parte dela.

A GPT pode nunca ser finalizada, mas a Transcaucasiana de Paul Stephens deve estar pronta dentro de oito anos. Recentemente, ele conseguiu doações e voluntários para trabalhar nos trechos de Svaneti, na Geórgia, e do Parque Nacional Dilijan, na Armênia.

“Agora que estamos começando, conheci uns georgianos montanhistas nos anos 1970 que me disseram: ‘Meus amigos e eu sempre sonhamos em atravessar o Cáucaso caminhando’”, conta ele.

 

Pé na estrada
O que você precisa saber sobre os novos longos trekkings

>> Trilha Sinai

Finalizada em 2015; 225 km

Rota: Do Golfo de Ácaba até o topo do monte Santa Catarina, o ponto mais alto do Egito, com 2.629 metros de altura.

Dificuldade: 4/10. A travessia completa pode ser feita em menos de duas semanas.

Recompensa: Bíblica. Você escala o monte Sinai, onde muita gente acredita que Moisés recebeu os Dez Mandamentos.

Logística: A água é escassa, e você não passará por nenhuma cidade, então contrate um guia beduíno bem treinando, que levará camelos de carga e tudo mais que for necessário.

 

>> Baja Divide

Finalizada em 2015; 2.735 km

Rota: De San Diego a San José del Cabo, na Baja California Sur, no México.

Dificuldade: 7/10. A trilha, da largura de um veículo, é espaçosa, mas o terreno pode ser arenoso, pedregoso e de avanço lento. O trecho mais longo sem acesso a comida e água tem 202 km. Um cicloviajante mediano leva cerca de seis semanas para realizar todo o percurso.

Recompensa: Aproveitar o Golfo da Califórnia todo para você.

Logística: Você passa por cidades movimentadas ao lado da rodovia, remotos vilarejos de pescadores, hospedarias e aldeias missionárias – a maioria dos lugares oferece boas opções de reabastecimento e descanso.

 

>> Trilha Transcaucasiana

Cerca de 25% do percurso está terminado; por volta de 640 km no momento

Rota: Ao longo da Cordilheira do Cáucaso pela Geórgia, Armênia e Azerbaijão.

Dificuldade: 5/10. Sobe-se até 3.050 metros de altura e se desce até aldeias medievais.

Recompensa: Amplos campos verdejantes e estreitos passos de montanha.

Logística: Ainda não está confirmado, mas a ideia é que, quando a trilha estiver terminada, existam alojamentos e pontos para comprar comidas básicas como pão, queijo e fruta.

 

>> Greater Patagonian Trail

Perpetuamente incompleta; atualmente são mais de 12.000 km

Rota: De Santiago a Tierra del Fuego.

Dificuldade: 10/10. O criador da GPT não tem certeza de que “finalizá-la” seja possível, porque o percurso está sempre mudando e se expandindo. Ninguém monitora ou mantém a trilha, que cruza propriedades privadas.

Recompensa: Uma variedade formidável de ecossistemas, desertos e glaciares, além de florestas e vulcões.
Logística: Você tem que se virar sozinho.