Nesta família, todos voam de parapente e viajam o mundo juntos

Por Verônica Mambrini*

De longe, eles são uma família como qualquer outra: um casal de classe média, com dois filhos. Moram em Florianópolis (SC); os pais têm seus empregos enquanto as “crianças” (na verdade, adolescentes de 15 e 19 anos) estudam, praticam esportes e se entretêm com hobbies como música. Entretanto, olhando mais de perto, a “família Parapente Sul” se desdobra em uma rotina um tanto incomum a olhos leigos, que inclui voos e férias que se transformam em verdadeiras expedições, com todo mundo literalmente no ar. Assunto não falta para Jade, a mais velha, e Luan, o mais novo, em cada volta às aulas – quem mais pode contar para os amigos que praticou parapente com os pais em lugares tão legais quanto os Alpes ou a Califórnia?

LIGADOS PELO AR: Alemão, Márcia e os filhos voam juntos desde que cada uma das crianças tinha 3 anos; à esq., Márcia sobrevoa Floripa (SC) – Foto: Arquivo pessoal

Tudo começou porque Carlos Alberto Dal Molin Silva, o “Alemão”, de 54 anos, foi um dos pioneiros no voo livre no Brasil, há mais de três décadas. Quando conheceu Márcia, 47, ainda na faculdade, a capoeira, que os dois praticavam, foi a desculpa para uma aproximação. Alemão já voava de asa-delta – naquela época, o parapente praticamente ainda não existia no Brasil. “A Márcia queria aprender asa-delta, mas eu não me achava em condições de ensinar e não tinha nenhuma asa própria para isso”, lembra. Depois da faculdade de Educação Física, viajou para a Espanha em 1989, conheceu melhor o parapente e se formou como professor. Voltou para o Brasil com uma asa-delta nova e um parapente na bagagem.

A então namorada foi “cobaia”. Márcia já estava louca para experimentar o novo esporte, e com material novinho e professor recém-treinado, o aprendizado literalmente decolou. Ele voava de asa-delta, ela, de parapente. Com isso se tornou a primeira mulher de Santa Catarina a praticar asa-delta e a primeira também em muitas rampas do estado. Dessa maneira, o casal se tornou instrutor de voo livre – Márcia já formou mais de 2.000 alunos.

Márcia e os dois filhos ainda pequenos voando de parapente – Foto: Arquivo pessoal

FILHO DE PEIXE peixinho é. Assim que os filhos tiveram idade para voar, Alemão e Márcia não perderam tempo. As crianças começaram a aprender a voar de parapente bem cedo – Luan fez seu primeiro voo solo aos 3 anos. Mas não foi exatamente paixão à primeira vista. “Os voos faziam meu pais saírem de casa e passarem menos tempo com a gente, por isso não curtia tanto a ideia”, conta a filha mais velha, que acabou cedendo quando começou a voar também. Os pais incentivaram não só que os pequenos voassem desde cedo, mas que experimentassem vários esportes. “Joguei capoeira quando era mais nova, porém não curtia ser a ‘filha do Alemão’ 100% do tempo”, brinca a jovem, que hoje é fissurada por voos mais contemplativos, pegada que combina com a outra paixão que acabou descobrindo: o violino.

E o coração não aperta ao colocar as crianças em situações com tanto risco potencial? Para gerenciar esse medo, o aprendizado das crianças foi bem gradual. “Pelas manhãs, ao levá-los para a escola, perguntava que vento era, fazia-os verem as árvores se mexendo, as estrias na Lagoa da Conceição, fumaças, nuvens, para aprenderem a ler os movimentos do ar e se conectarem com a natureza”, conta Alemão.

Apesar de os pais terem competido por muitos anos, o clima em casa é mais relax. “A competição no voo livre implica muitas vezes se colocar em situações de perigo para voar mais longe, o que nem sempre é a melhor coisa a se fazer”, acredita Alemão. Eles gostam de dizer que família vem do latim famulus, que significa um grupo que serve a um patrão, e o patrão deles é o ar. Ou seja, é preciso controlar o ego e não desafiar as condições de vento, as limitações técnicas e de experiência de cada um. Até porque os erros já custaram a Alemão alguns acidentes – por “sorte”, o único da família a ter passado por esse tipo de experiência. “Enfrentei quatro acidentes sérios, todos fazendo algo que não tinha condições na época ou me descuidando de checar pontos de segurança. Todos erros meus”, lembra. Coisa de quem começou a voar cedo, aos 16 anos, sem uma voz da experiência para dar conselhos. Como ele mesmo define, o parapente é “uma aeronave portátil que cabe em uma mochila”, mas que cobra de volta cuidado extremo.

O filho Luan fez seu primeiro voo solo aos 3 anos – foto: Arquivo pessoal

Enquanto acumula horas de voo, a família coleciona cenários de sonho vistos de cima. Entre os preferidos, estão Califórnia, nos Estados Unidos, para Jade, Interlaken e Lenk, na Suíça para Luan e Suíça e França com neve para Márcia. Apesar de ter voado em uma longa lista de países, Alemão se emociona mesmo ao voar em Sapiranga, no Rio Grande do Sul, onde ele começou. Em comum, a família tem boas histórias para contar: em um voo em San Diego, na Califórnia, no ano passado, eles estavam voando sobre a praia de La Jolla. “Decolamos e o vento ficou bem fraco. Pousamos os quatro em uma praia e, quando vimos, tratava-se de uma praia de nudismo, com muita gente pelada”, diverte-se Alemão. Momentos assim, de cumplicidade, diversão e amor à natureza, vão mantendo os laços de uma família que voa alto, em muitos sentidos.

*Reportagem publicada na edição 152 da revista Go Outside, junho 2018.







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