Alerta de gatilho: Este artigo discute violência sexual.
No dia 30 de outubro, o escalador veterano da região da Baía de São Francisco, nos Estados Unidos, Jason William Crist, de 38 anos, foi preso em Pacifica, Califórnia, e acusado de nove crimes por eventos alegadamente ocorridos no estado entre março de 2019 e outubro de 2023.
Ele enfrenta 29 acusações relacionadas à violência sexual, resultado de quatro boletins de ocorrência descrevendo interações com ele em Pacifica, Presidio, Joshua Tree e Yosemite. As acusações criminais incluem estupro com uso de força, abuso sexual e agressão. Crist foi liberado após pagar uma fiança de $500.000 (cerca de R$ 2.900.000).
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A revista Climbing, da Outside USA, conversou com três mulheres que o acusam. Elas relataram um padrão consistente: Crist, ex-embaixador da Arc’teryx NorCal e ex-funcionário do ginásio Movement Climbing, Yoga and Fitness, costumava se aproximar de escaladoras jovens e inexperientes, que ainda não conheciam a comunidade nem possuíam habilidades para escalar ao ar livre. Em um ginásio de escalada em Presidio, São Francisco, Crist atuava como mentor, sendo “a chave” para introduzir as novas escaladoras às montanhas, relatou uma das mulheres.
“Ele dava aulas no ginásio”, disse outra denunciante. “Ensinava mulheres e homens e podia até dar aulas para crianças. Parecia que, por estar ligado à academia, havia uma segurança ali.” Mas, uma vez fora do ginásio, ele “cruzava limites estabelecidos de maneira inaceitável”.
“Ele usa as viagens de escalada como o momento ideal para machucar as pessoas”, disse outra mulher. Segundo ela, atualmente existem 10 mulheres com acusações semelhantes contra Crist.
A prisão de Crist segue a condenação, em fevereiro de 2024, do ex-escalador profissional Charlie Barrett por estupro de uma mulher no Parque Nacional de Yosemite. Para uma das mulheres, a semelhança é inquietante por uma razão principal:
“Todo mundo sabia”, disse ela. “Mas ninguém da comunidade masculina avisava as garotas para evitarem Crist. Só me falaram depois do ataque, como, ‘Ah, eu sabia que ele era uma pessoa ruim, fiquei preocupado por você.’”
As três denunciantes afirmam que os gerentes da Movement Climbing, Yoga and Fitness foram informados das alegações de assédio feitas por funcionárias e membros contra Crist, que trabalhava na empresa há três anos. Depois de investigações de terceiros, ele foi demitido e proibido de frequentar as 29 unidades da Movement.
Uma das mulheres disse que apreciou a decisão da Movement e o apoio da comunidade, mas outras expressaram frustração pelo fato de que a academia não divulgou amplamente as informações descobertas.
“Se a Movement sabia mais sobre os ataques do que qualquer outro, eu fico decepcionado que tenham guardado essas informações em vez de compartilhá-las com a comunidade de escaladores,” disse Kimbrough Moore, professor de filosofia na Universidade Estadual de São Francisco e autor do Golden State Bouldering Guidebook. “Não entendo como alguém pode fazer essa escolha.”
(Em resposta ao pedido de comentário da Climbing, um porta-voz da Movement afirmou que “a Movement Climbing, Yoga and Fitness prioriza a segurança e o bem-estar de todos os membros da comunidade e leva todas as alegações de má conduta muito a sério”. E acrescentou: “Como esta é uma investigação em andamento, não podemos comentar.”)
Moore foi informado das denúncias quando as vítimas entraram em contato com ele em meados deste ano. Sabendo que casos de violência sexual podem levar anos até uma prisão, ele começou a trabalhar com a Coalisão de Escaladores da Bay Area. No entanto, ainda não haviam tomado nenhuma ação quando Crist foi preso inesperadamente.
“Fico inspirado pelo apoio da comunidade de escaladores”, acrescentou Moore. “Isso nem sempre foi assim. Dois anos atrás, as mulheres que denunciaram Charlie Barrett enfrentaram hostilidade e ceticismo. Há mais consciência sobre violência sexual hoje, e, com isso, os escaladores podem se proteger melhor, cuidando uns dos outros.”
Ainda assim, as mulheres com quem conversamos notaram que, embora Crist e Barrett sejam casos extremos, eles não são os únicos com má conduta.
“Quando tudo sobre o Charlie Barrett veio à tona, todos apontaram para ele e disseram: ‘Isso é terrível. Ainda bem que o pegamos.’ Mas acho que muitos perderam o ponto de que isso ainda acontece ao nosso redor,” disse uma das mulheres. “Não quero que esta história seja apenas ‘Pegamos outro; ainda bem que o pegamos.’ Quero que seja uma conversa contínua. Quero que os caras conversem com os amigos sobre como estão tratando as mulheres… Quero que as pessoas saibam que a violência sexual é um motivo pelo qual as mulheres abandonam a escalada. Todos merecem se sentir confortáveis e seguros na rocha. Eu poderia ter desistido da escalada. E se eu poderia ter desistido, acho que outras mulheres provavelmente já o fizeram. E eu odeio isso.”