Pedalar no Equador é de tirar o fôlego. E não se trata apenas de um trocadilho infame por causa da altitude, que pesa nos pulmões dos forasteiros, mas especialmente pelas virtudes concentradas em um país que tem de tudo em seu território: montanhas nevadas, floresta tropical, flora e fauna belíssimas, gastronomia deliciosa e povo doce e simpático. Veja alguns roteiros no Equador de bike, de um dia a um mês de pedal:
01. Apenas uma tarde livre
Está de passagem por Quito e quer ter um gostinho do que é pedalar no trópico, com visual de montanhas e vulcões, mas sem sair da cidade? El Chaquiñan é diversão garantida. Uma das trilhas urbanas mais legais da cidade, o caminho é uma rota ecológica, estilo estradão, que atravessa os bairros de Cumbayá, Tumbaco e Puembo. Passando por uma antiga linha de trem desativada de mais de 100 anos, oferece uma mistura graciosa de montanha e bairros tranquilos. São cerca de 20 km, sendo possível fazê-la como ida e volta para dobrar a duração, acumulando, assim, 2.400 metros de altimetria. O caminho é compartilhado com pedestres e corta algumas ruas de tráfego local, bem sinalizadas para favorecer o convívio entre carros e bikes.
Mantido pela prefeitura, El Chaquiñan possui infraestrutura com seguranças, banheiros e água e fica aberto todos os dias da semana, das 6h às 18h. A altitude oscila de 2.385 a 2.434 metros acima do nível do mar – já dá para sentir de leve a altitude. É possível alugar uma bicicleta em Quito com translado até lá, já que o início da trilha fica em Cumbayá, a cerca de meia hora de carro do centro. Na volta, Cumbayá é perfeita para repor as energias: o bairro universitário já foi reduto de imigrantes, que abriram restaurantes étnicos e padarias artesanais charmosas.
02. Um domingo livre
Aos domingos, Quito aderiu aos espaços abertos para a ocupação pública dos moradores. O Ciclopaseo já completa 15 anos – começou com um fim de semana por mês e hoje atrai milhares de pessoas a pé ou de bike para curtir um corredor que une diversas avenidas, totalizando 28,7 km de extensão. Vai do norte, no parque Los Recuerdos, ao sul, no parque Las Cuadras. O corredor passa por diversas avenidas no centro e dá fácil acesso a parques, bares, restaurantes e cafés. Além disso, atravessa o centro histórico de Quito, o primeiro do mundo a ser declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, com arquitetura colonial.
No centro antigo, a pedida é parar para ver a arquitetura colonial e conhecer dois tesouros do Equador: o café e o chocolate tipo exportação. A República del Cacao e a Pacari são duas fabricantes de chocolate premium, com produção sustentável e que usam ingredientes locais. Para levar para casa, o café da Aguila de Ouro em torra clara, média e escura é moído ou embalado em grão na hora. Dessa região da cidade, vê-se um dos ícones da capital, El Panecillo, um monte de 3.000 metros de altitude com a estátua da Virgem de Quito.
É possível usar o sistema de bicicletas compartilhadas, o BiciQuito. São 25 estações, e o uso é gratuito por 45 minutos. Depois disso, o usuário precisa esperar dez minutos da devolução para retirar uma nova. O cartão deve ser feito com antecedência, por meio do formulário disponível no site do sistema (biciquito.gob.ec).
03. Dois ou três dias
Quito está a mais ou menos duas horas de carro de uma infinidade de roteiros incríveis para se fazer de bicicleta. Na dúvida, o icônico vulcão Cotopaxi é cercado de rotas incríveis para mountain bike. É permitido entrar de bicicleta nesse parque nacional, assim como pedalar em suas estradas de terra, entre lagunas e com vista permanente para o vulcão nevado.
Com dois ou três dias, dá para explorar a região de várias maneiras. Uma é se hospedando em um dos hotéis-fazenda especializados em atividades de aventura, com direito a lareira, banho quentinho e à deliciosa comida das haciendas. O hotel El Porvenir, a cerca de 4 km da entrada do Parque Nacional do Cotopaxi, investiu em circuitos de mountain bike cross-country, que rendem por volta de 40 km de percursos desafiadores.
Outra ideia é aproveitar o circuito da Vuelta al Cotopaxi, prova de mountain bike em duas etapas, com distância entre 120 e 140 km que dá a volta no vulcão, misturando terrenos mais técnicos com estradão, altitude, frio e sol. Muita gente faz só o downhill do Cotopaxi com agências, mas o páramo – ecossistema de altitude que fica entre os prados e a alta montanha – é tão cênico que vale a pena ser conferido de perto. Prepare os pulmões: nessa região, a altitude média já sobe para quase 4.000 metros. Mais informações em tierradelvolcan.com.
04. De sete a dez dias
Está com sorte e tempo para aproveitar uma semaninha de pedal no Equador? Então a pedida é o cardápio off road. O país é pouco maior que o Estado de São Paulo, com crescentes opções de roteiros desenhados por mountain bikers para extrair ao máximo o potencial de trilhas técnicas. Os terrenos são variados, com estradão, gravel e downhill, envoltos por cenários que vão do deserto e do páramo de altitude à floresta tropical – às vezes tudo no mesmo pedal.
Os roteiros começam com uma aclimatação nas trilhas na região metropolitana de Quito, como o estradão de El Chaquiñan, as trilhas do Parque Metropolitano ou os trechos construídos de singletrack em Lumbisi, e depois seguem para paraísos sem asfalto a menos de 200 km da capital. O roteiro de El Encañonado dá vista para os lahars, massas de material vulcânico formadas pelo deslocamento ao longo de vales ou de encostas íngremes de lama, cinza, blocos de rocha e lava petrificada. El Infernillo começa com um singletrack na boca do vulcão Pululahua e prossegue por um downhill de 2.800 a 1.500 metros de altitude.
Outro downhill, dessa vez em trilhas de areia no meio de uma vegetação de deserto, é o de Ibarra ao vale do rio Chota, que começa em 2.600 metros de altitude e desce a 1.600 metros, em cerca de três horas de trilha. A região do vulcão Chimorazo, o mais alto do Equador, com 6.310 metros, também é pródiga em trilhas. Quem leva: tierradelvolcan.com.
05. Um mês inteirinho
Atravessar o Equador no estilo backpacking é a nova queridinha de quem curte esse estilo de cicloturismo. Entre os motivos, estão rotas seguras, por caminhos de terra paralelos às estradas asfaltadas, com pequenas cidades, custos bastante acessíveis, uma enorme variedade de paisagens e um povo muito pacífico e acolhedor (que usa tantos diminutivos simpáticos quanto o brasileiro).
São cerca de 1.300 km, que pedem pelo menos 25 dias para serem explorados – e quem sabe uns dias extras, para curtir os locais mais legais. Outra vantagem: é possível escolher entre estradão ou singletrack ou combinar as opções mesclando trechos. Por sinal, o singletrack é épico – caminhos ancestrais, trechos em que não se passa sem empurrar, estradas centenárias calçadas com pedras, no melhor estilo pavé. Em qualquer uma das opções, espere encontrar mercadinhos cheios de verduras e frutas coloridas em vilas aos pés de vulcões e montanhas.
A TransEquador cruza por Cotopaxi, Quilotoa e Chimborazo, pela cidade colonial Cuenca e segue a linha da Avenida dos Vulcões, o que garante um tremendo visual. A altimetria acumulada dessa rota passa facilmente de 30 mil metros, o que pede alforjes leves e pernas bem preparadas. As temperaturas não variam muito ao longo do ano, mantendo-se amenas, mas, por estar em pleno trópico, espere chuvas e tempestades em qualquer estação (as estradas podem ficar mais difíceis de pedalar com isso). A TransEquador é certamente o caminho menos pedalado para conhecer o país. Mais informações em bikepacking. com/routes/trans-ecuador-dirt-road
*Reportagem publicada na edição nº 149 da Revista Go Outside, março de 2018.