Meu encontro com Kipchoge, o maior de todos os maratonistas

Meu encontro com Kipchoge o maior de todos os maratonistas
Por Andrea Estevam

O 4 de novembro de 2017 em Nova York foi a véspera da minha primeira maratona – um novo desafio para mim, que vinha das corridas de aventura e de montanha, e tinha me tornado mãe recente.

Junto com os outros editores da revista Runner’s World pelo mundo, fui convidada para uma corrida leve para experimentar o novo modelo de tênis da Nike; em seguida, haveria um café da manhã e uma “surpresa”.

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Esse tipo de encontro, promovido para jornalistas especializados, é comum, e geralmente envolve comida gostosa e uma sacola recheada de produtos novos ao final. Disseram que seria especial, imperdível, e achei que seria uma versão caprichada disso.

Sim, havia comidinha gostosa. Sim, tínhamos ganhado o novo lançamento da marca. Não, não esperava que a porta se abrisse e entrasse no lugar ninguém menos que ele, o maior de todos os tempos. O cara que é parte da História da corrida desde que calçou os tênis. O queniano que há poucos meses havia quase quebrado a então impensável barreira da maratona abaixo das 2 horas: Eliud Kipchoge.

Meu encontro com Kipchoge o maior de todos os maratonistas

Nem eu, nem os outros jornalistas conseguiram disfarçar a emoção e a tietagem. Kipchoge passou os olhos pela sala, sorrindo. Sentou-se em um banquinho e foi entrevistado por uma diretora da marca. Falou da tentativa do correr uma maratona abaixo das duas horas, de seus sonhos como corredor, de suas expectativas para a maratona do dia seguinte.

Impressionou demais a calma na fala e nos gestos, as palavras gentis, a humildade. Acima de tudo, me impressionou algo no olhar dele que eu nem sei explicar direito: eram olhos transparentes, grandes, brilhantes e totalmente desarmados. Um olhar de criança. Ainda me emociono lembrando disso.

Depois da entrevista, Kipchoge ficou ali conversando com os convidados. Éramos cerca de 20 pessoas, e ele circulava por nós sorrindo, trocando amenidades, assinando camisetas.

Quando me vi à sua frente, gaguejei que era sua fã. Contei que ia fazer minha primeira maratona, e estava curiosa e um pouco nervosa sobre como seria a experiência. Meus olhos nos seus olhos transparentes, mão suada, tentando pensar rápido em alguma coisa interessante para dizer.

Meu encontro com Kipchoge o maior de todos os maratonistas

 

Ele então me perguntou se eu tinha alguma expectativa de tempo, e respondi que ficaria feliz de terminar em menos de 4 horas. “Breaking 4”, ele me disse. Ele realmente me viu, me ouviu, e com generosidade elevou o meu ridículo desafio pessoal ao patamar de sua própria grandeza. É empatia que diz?

A dignidade de Eliud Kipchoge me marcou profundamente. Nos anos em que publicamos a Runner’s World aqui no Brasil, tive a chance de conhecer outros grandes nomes da corrida: Kenenisa Bekele, Dennis Kimeto, Mo Farah, Wilson Kipsang, Shelly-Ann Fraser-Pryce.

E nos muitos anos de Go Outside, estive pertinho de muitas outras dezenas de superatletas. Mas em Kipchoge há maior. Uma aura, uma sabedoria que não se vê comumente no esporte ou na vida.

Terminei a maratona em menos de 4 horas. Em 2018, fui para a maratona de Berlim com objetivos mais ambiciosos. O mundo estava de olho na prova, porque Berlim é um percurso plano e rápido, perfeito para recordes, e Kipchoge estava na pista. Sonhos podiam se realizar. Por volta do quilômetro 25, um corredor de fones grita para todos ao redor que Kipchoge havia batido o recorde mundial. Todos ao redor comemoraram, à medida que as forças e o fôlego permitiam.

Lembro de um espectador na calçada segurando acima da cabeça um cartaz improvisado: “NOVO RECORDE MUNDIAL! KIPCHOGE!”.

Eu fiquei feliz, muito feliz.

No ano anterior eu estava cobrindo a prova e vi a vitória de Kipchoge. Desta vez, não o vi cruzar a chegada, mas me senti ainda mais parte dessa história. Fiz parte dela, mesmo que muitos quilômetros atrás. E ele fez parte da minha história, mais uma vez. Tomei um gel, brindei ao Grande e acelerei com força renovada.

Obrigada, Kipchoge.