Nem todas as corridas de trilha são iguais: Stuart Terrill, campeão universitário de trail run, aprendeu isso da maneira mais difícil no campeonato nacional dos EUA em 2024
No dia 13 de julho, o jovem de 22 anos, natural de Crozet, Virgínia, alcançou o cume do Pico Hidden, a 3.350 metros de altitude, na estação de esqui Snowbird, acima de Salt Lake City. Ele participava da prova da Cirque Series, de 14 quilômetros, que também valia como o campeonato norte-americano de corrida de montanha de 2024 da USA Track and Field.
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Terrill havia acabado de se formar na Universidade de Richmond, onde competiu no cross country e no atletismo e se formou em liderança e comunicação. Mas ele não era nenhum novato nas trilhas. Em maio, venceu o Campeonato Universitário em Fairfax, Virgínia, superando a concorrência por quase um minuto no percurso de 10 km e conquistando seu segundo título consecutivo.
Ao atingir o topo do Pico Hidden e começar a descer em alta velocidade, Terrill ultrapassou um competidor e perdeu o controle, sendo lançado em direção a um penhasco. O fotógrafo Matt Johnson assistiu horrorizado, tentando agarrar Terrill antes que ele caísse. Mas já era tarde. Terrill despencou pela borda e rolou mais de 60 metros pelo terreno acidentado e implacável abaixo.
“Ele se inclinou para ultrapassar um corredor. O impulso o fez desabar em minha direção, e eu larguei minha câmera para tentar segurá-lo”, Johnson relatou no relatório de incidentes do resort. “Ouvi seus gritos de terror enquanto ele desaparecia na ravina rochosa. Naquele momento, gritei por um médico e um resgate aéreo, porque não tinha certeza se ele sobreviveria. Foi brutal. Foi uma das coisas mais horríveis que já testemunhei.”
Terrill sofreu inúmeras fraturas — oito vértebras, quatro costelas, a clavícula direita, o pulso esquerdo, a rótula direita e vários ossos em ambos os pés — e teve sorte de estar vivo. Enquanto seu corpo dilacerado era levado por um helicóptero médico, todos no local só podiam se perguntar: como um acidente tão perigoso aconteceu?
Em seus avisos de segurança no site e em e-mails aos participantes, o evento alerta que “é imperativo, para sua segurança, seguir exatamente o caminho demarcado.” A queda de Terrill não foi resultado de uma falha na sinalização. Ele simplesmente fez uma ultrapassagem arriscada em um ponto perigoso do percurso.
“Estamos muito familiarizados com o local exato do acidente dele”, disse Julian Carr, diretor da prova da Cirque Series. “Vamos posicionar pessoas naquela curva como barreira de segurança para garantir que ninguém mais caia lá novamente.”
Um esporte de contato?
Enquanto muitas pessoas são atraídas pela corrida (em pistas e estradas) justamente por seu perfil relativamente seguro — sem contato físico que possa causar concussões ou movimentos explosivos que levem a lesões agudas — o cenário é outro no trail running, especialmente na corrida de montanha. Na verdade, essa modalidade, que envolve corrida rápida e explosiva em terrenos rochosos e irregulares, com subidas e descidas íngremes, traz riscos consideráveis.
Muitas provas de corrida de montanha levam os competidores por penhascos altos e cristas expostas, além de descidas técnicas fora da trilha. Quedas leves são comuns, e entorses de tornozelo, fraturas de clavícula e escoriações profundas estão entre as lesões mais típicas.
As lesões são tão frequentes que algumas corridas, como a Pikes Peak Marathon em Manitou Springs, Colorado, até premiam o corredor “mais ensanguentado”. A Mount Marathon, uma prova curta em Seward, Alasca, registra vários ferimentos leves a cada ano. Em 2012, teve sua primeira morte presumida, quando Michael LeMaitre, de 66 anos, caiu em um trecho íngreme do percurso e, inexplicavelmente, nunca foi encontrado.
Embora não fosse uma prova curta e ultrarrápida, a americana Hillary Allen sobreviveu a um dos piores acidentes conhecidos no trail running em 2017, durante a Hamperokken Skyrace de 57 km nas montanhas próximas a Tromsø, Noruega. Após tropeçar, ela despencou 45 metros por uma crista, fraturando ambos os braços, duas vértebras, várias costelas e diversos ossos dos pés. Assim como Terrill, ela teve sorte de sobreviver.
“Reconhecemos os perigos inerentes a corridas em alta montanha. Lesões são raras, mas infelizmente acontecem”, diz Carr. “Este foi, de longe, o acidente mais grave em uma prova da Cirque desde que começamos, em 2015. A segurança dos corredores é nossa prioridade máxima.”
As corridas de montanha apresentam riscos ainda maiores para atletas de alto nível, já que o terreno costuma ser extremamente técnico, variado e, muitas vezes, desconhecido antes da prova. Além disso, os corredores de elite frequentemente assumem riscos em trechos perigosos—o que pode ser a diferença entre um bom desempenho e ficar para trás.
Essa ousadia é um atrativo ou uma consequência do esporte? E qual é o nível de responsabilidade dos organizadores em manter os competidores seguros?
Carr afirma que o plano de emergência do evento é parte essencial do planejamento e começa bem antes da prova.
“Pensamos muito em nossos mapas de segurança”, diz ele. “Ao marcar o percurso, converso com nosso diretor de segurança sobre o posicionamento ideal de socorristas, patrulheiros e voluntários. Depois da marcação, realizamos uma reunião para definir todos os pontos de apoio. Em seguida, geramos o mapa de segurança, que distribuímos em versão digital e impressa para toda a equipe.”
Brendan Madigan, organizador da Broken Arrow Skyrace no resort Palisades Tahoe (realizada todo junho), diz que ter equipes médicas e de resgate em múltiplos níveis é crucial. Assim como a Cirque Series, a prova conta com equipes de emergência posicionadas estrategicamente, incluindo socorristas certificados e especialistas em resgate em montanha.
“Viemos do mundo do alpinismo e do esqui de montanha, muito mais perigosos, então o trail running pode parecer tranquilo em comparação. Mas é preciso organização e preparo”, diz Madigan. “Temos que garantir a proteção de todos e um padrão consistente de segurança.”
Nem todas as trilhas são iguais
Terrill não é novato no trail running. Sua primeira corrida em trilha foi ainda no ensino fundamental —um percurso de 2,4 km com 30 metros de desnível no interior da Virgínia. Durante sua passagem pela Universidade de Richmond, onde competiu no cross country e no atletismo, ele venceu o Campeonato Nacional Universitário de Trail Running em 2023 e 2024.
Em 2023, como calouro, conquistou o título nacional na Thunderbunny 11K em Athens, Ohio, com o tempo de 41:27—batendo o recorde do percurso por um minuto e meio. Foi quando percebeu que tinha talento para corridas off-road. Em maio passado, revalidou o título ao vencer a Fountainhead 10K++ Trail Run na Virgínia, esmagando o recorde anterior por seis minutos e meio, com 44:55.
“Sempre treinei em locais acidentados, e minha passada se adapta bem às trilhas”, diz Terrill.
Aquelas provas ocorreram em trilhas sinuosas por florestas, sem a exposição e o perfil íngreme da corrida em Utah. Mesmo assim, Terrill estava ansioso para experimentar.
Após se formar no início do ano, ele estava em um dilema. Ainda tinha uma temporada de elegibilidade no cross country, que planejava usar como pós-graduando em Richmond. Mas também se via tentado a se dedicar totalmente ao trail running e tentar vaga no time americano para a final da Copa do Mundo da World Mountain Running Association, na Itália, em outubro. Para isso, precisaria terminar entre os dois primeiros em Snowbird, diante de um pelotão de elite.
“Queria representar os EUA. Nunca se sabe o nível dos outros até a prova”, diz Terrill. “Tinha que tentar. Vestir a camisa do time nacional, seja nas trilhas ou na pista, é meu maior objetivo no esporte.”
No mínimo, seria uma experiência valiosa enquanto decidia seus próximos passos —e uma viagem divertida para o oeste.
Fora da zona de conforto
Ao chegar em Utah e percorrer o início do percurso, Terrill ficou apreensivo. O terreno exposto e íngreme era completamente diferente das trilhas da Virgínia. Não sabia se deveria encarar a prova como um treino ou ajustar sua preparação para o desafio alpino. Optou por mirar o título na categoria universitária.
“No dia anterior, ao ver o percurso, fiquei animado. ‘Hora de competir.’ Queria vencer. Meus treinos estavam ótimos”, lembra.
Esses planos desmoronaram no tiro de largada. Logo ficou claro: corridas de montanha em nível profissional são outra história.
“Esses caras são de outro planeta”, diz Terrill, referindo-se a adversários como Christian Allen (campeão da Speedgoat 50K) e Seth Demoor (bi-campeão da Pikes Peak Marathon). “Isso não é uma prova de pista.”
A altitude e o terreno acidentado cobraram seu preço. Subindo bem atrás do líder, ele se conformou: seu objetivo agora era terminar sem caminhar. “Pelo menos será um bom treino de 6 km”, pensou.
“Estava mais atrás do que gostaria. Só sabia que partes do percurso eram técnicas”, conta.
Ao chegar no cume, uma onda de energia o tomou. Começou a descer em alta velocidade por um terreno instável—pedras soltas, blocos rochosos e inclinação crescente.
“Era super técnico, e eu estava rápido demais. Só pensava: ‘Um pé na frente do outro. Mantenha o equilíbrio'”, recorda. “Ao estender a mão para o fotógrafo, pensei: ‘Vou morrer aqui. Não poderei me despedir da minha namorada, dos meus pais. Eles vão receber aquela ligação.'”
Um ato de altruísmo
Matt Daniels, corredor profissional de Boulder, Colorado, testemunhou a queda horrível.
“Olhei para trás exatamente quando Terrill estava no ar, totalmente descontrolado, antes de bater em uma rocha 55 metros abaixo”, relata Daniels. “Ele quicou na pedra e continuou rolando montanha abaixo em velocidade absurda, até parar na estrada de serviço, mais de 60 metros do início da queda. Foi a pior queda que já vi.”
Daniels abandonou a prova para ajudar.
“Corri até onde ele caiu para ver se estava vivo. Naquele momento, jurei que ninguém sobreviveria àquilo”, diz.
Terrill estava consciente, mas sangrando e com dores intensas. Daniels pouco pôde fazer, além de acalmá-lo.
“Fui o primeiro a chegar. Sua condição me chocou—eu temia movê-lo”, conta. “Uma socorrista (Megan Ross) apareceu logo depois. Apoiamos sua cabeça quando ele recobrou a consciência e estancamos o sangramento.”
Em cinco minutos, a equipe médica do resort assumiu o controle, imobilizando Terrill com colar cervical e prancha espinhal. Em 30 minutos, um helicóptero o levou para o hospital da Universidade de Utah.
“A vida realmente passa diante dos seus olhos”, diz Terrill. “Só lembro de acordar no hospital.”
O protocolo de segurança
Organizadores não podem evitar acidentes, mas podem mitigar riscos com manutenção de trilhas, barreiras de segurança, equipes médicas posicionadas e planos de emergência—muitas vezes exigidos para obtenção de licenças. Um plano eficaz pode ser a diferença entre vida e morte.
O planejamento detalhado de Carr e sua equipe provavelmente salvou Terrill.
“Distribuímos mapas de segurança para socorristas, voluntários e patrulheiros do resort”, explica Carr. “Posicionamos equipes estrategicamente para agilizar resgates. A patrulha estava de prontidão para emergências.”
A resposta rápida foi crucial. Socorristas no Pico Hidden conseguiram prestar atendimento imediato.
“Nos orgulhamos de estar preparados para qualquer situação”, diz Carr. “Nossa equipe chegou a Stuart com a eficiência que treinamos.”
Uma nova perspectiva
Quem já correu em trilhas sabe que a comunidade é única. O vencedor da prova, Christian Allen (que nunca havia conhecido Terrill), visitou-o no hospital.
“Há algo especial nos corredores”, reflete Terrill. “No ensino médio, ultrapassei um cara que depois me agradeceu por tê-lo empurrado. Em que outro esporte isso acontece? A comunidade do trail é assim, multiplicada.”
Terrill sofreu cortes profundos no rosto e precisou de grampos na cabeça, mas não teve traumatismo craniano. Passou duas semanas no hospital antes de voltar para a Virgínia.
Ficou um mês sem andar sozinho, usando imobilizadores nos joelhos por quatro semanas, depois uma órtese por mais oito, e um colete lombar por seis. Sua “quilometragem” passou a ser caminhadas lentas.
“Demorava 40 minutos para andar 1,6 km. Me senti orgulhoso. Ganhei um novo respeito pelo movimento”, diz. “Estou grato por estar vivo.”
E “grato” define o otimismo de Terrill. Sobre a queda, ele é sincero: “Aconteceu porque eu era iniciante. Mas talvez houvesse um propósito. Me deu outra visão da vida—valorizar cada passo, cada momento ao ar livre.”
“Dois meses antes, tinha torcido o pulso direito e fiquei reclamando”, brinca. “Aquilo pareceu pior do que isso tudo.”
Em outubro, 11 semanas após o acidente, Terrill deu seus primeiros passos em uma esteira anti-gravitacional. Em janeiro, ingressará na Wake Forest para seu último ano de cross country universitário.
Carr e sua equipe acompanharam sua recuperação e enviaram um presente.
“Desejamos sua plena recuperação. Esperamos vê-lo em uma prova nossa no futuro”, diz Carr.
Após 2026, Terrill planeja continuar correndo—talvez até em trilhas, mas não em terrenos extremos.
E a pergunta óbvia: vale a pena o risco?
Para ele, a resposta é clara: “Vou ficar no plano. Só de ver fotos de gente correndo em penhascos, já fico nervoso.”