Dropar e prosperar

Izzy Dejene (de boné roxo) com a galera de sua ONG, na Etiópia (Fotos: Divulgação Skate Megabi)

Por Fernanda Beck

EM 2005, O ETÍOPE Israel Dejene, 35, viajou para a Suécia com a banda na qual tocava, no que seria sua primeira viagem para fora de seu país natal. O rapaz nunca tinha visto um skate com os próprios olhos. “Na Etiópia, não é um objeto comum. Gente andando de skate, só pela TV, em programas de esporte”, conta. Topar com um menino andando de skate no meio das ruas suecas deixou “Izzy”, como é mais conhecido, fascinado. “Fui falar com ele na hora. O garoto me deixou dar uma volta e me ajudou a dar as primeiras remadas sem cair”, lembra. A curiosidade tomou conta do jovem africano. Durante os três meses em que ficou na Suécia, não teve olhos para nenhuma outra atividade, ocupando todo o tempo livre fora dos ensaios com a banda com o esporte recém-descoberto. “Não tinha mais hora certa para almoçar ou jantar nem queria fazer outras coisas. Era só skate, skate, skate”, diz.

Na volta para casa, Izzy trouxe na mala o skate, presente do sueco que o apresentara às rodinhas. Assim que chegou à Etiópia, ele quis compartilhar a alegria com as crianças locais. Mais que isso: decidiu criar um projeto social para incluir o esporte na rotina dos jovens, usando o skate como ferramenta de transformação. Era o começo do Megabi Skate, organização que ele lidera desde então. Megabi, o nome da ONG, é o apelido de Izzy, dado por seu pai quando ele ainda era um menino que significa “alguém que leva vida aos outros”.

Izzy e sua trupe no espaço onde andam de skate

No início, o Megabi Skate atendia cerca de 30 crianças, meninos e meninas que se revezavam usando o único skate disponível para deslizar pelas ruas do bairro, sob a supervisão de Izzy. A chance de conhecer o esporte era uma oportunidade única para as crianças na dura realidade etíope (cerca de 30% da população vive abaixo da linha de pobreza). “Na Etiópia, eu sei por experiência própria como é fácil para as garotada se desviar para os maus caminhos. Queria servir de exemplo para elas, e o skate foi um jeito perfeito de tirá-las das ruas e incentivá-las a acreditarem em si mesmas e a buscarem seus sonhos”, conta Izzy.

Atualmente, são cerca de 200 jovens envolvidos no projeto, de crianças ainda na primeira infância até adultos que já passaram pelo programa e hoje atuam como mentores para os mais novos. A ONG oferece quatro programas diferentes: aulas de skate (com sessões dedicadas exclusivamente às meninas), aulas de música, o Dream Big Stage e o Serviço Comunitário. As sessões de skate acontecem de segunda a domingo, na rua e em mini-ramps de madeira que os próprios participantes ajudaram a construir. As aulas de música, ministradas por Izzy e seus companheiros de banda, ensinam aos pequenos os primeiros passos tanto em instrumentos tradicionais ocidentais quanto em versões tribais típicas da região. Compartilhar suas duas paixões – skate e música – com as futuras gerações fez de Izzy um importante líder comunitário. “Meu objetivo é empoderar as crianças e mudar o jeito de elas encararem a vida”, diz. Izzy conheceu a música por meio da igreja que frequentava quando menino. Ele começou tocando violão, depois seguiu para o trompete, que o ajudou a se consolidar como músico e o levou para aquela primeira viagem para a Europa, onde conheceu o skate ao vivo. “Quero que o skate seja uma ferramenta transformadora na vida das crianças, como a música foi para mim, e que o esporte mostre a elas que há alternativas”, explica.

Um dos alunos de Izzy desliza pelo mini ramp construído no quintal da casa dos pais do fundador da ONG

É FALANDO DO aspecto transformador do Megabi Skate que Izzy mais se empolga. O Dream Big Stage (“Palco Sonhe Grande”) acontece uma vez por mês. Trata-se de um encontro dos participantes do Megabi Skate em que as crianças são incentivadas a subir em um palco e falar de seu futuro como se fosse o presente, em uma dinâmica que as aproxima de seus sonhos. “Em uma comunidade onde as crianças às vezes não sabem nem de onde virá a próxima refeição, é difícil sonhar com o futuro”, diz Izzy. “Por isso adoro vê-las explicando seus desejos, falando como se fossem o presidente da Etiópia ou o campeão mundial de skate.” Os eventos têm decoração, palco, música e comidas servidas especialmente para a ocasião – um cenário bem diferente do início do programa, quando as crianças subiam em um degrau no quintal da casa dos pais de Izzy para contarem seus desejos e imaginarem o futuro.

O outro braço social do Megabi Skate é o serviço comunitário, praticado por todos os inscritos no projeto e que os incentiva a praticarem atividades que contribuam para melhorar a região onde vivem. “Queremos que as crianças desenvolvam um senso de comunidade real e que saibam que elas também têm seu papel na sociedade, que possuem habilidades valiosas que podem ser usadas em prol de todos”, conta Izzy. O grupo se organiza para prestar pequenos serviços pela vizinhança, em tarefas variadas, sempre de acordo com as capacidades dos pequenos. Limpeza das ruas, plantio de árvores, ajuda a idosos ou a mães com muitas tarefas em casa e transporte de lenha para a casa de moradores são algumas das funções realizadas pelos jovens skatistas. Uma vez por mês, acontece o “Dia de fazer alguém feliz”, outro incentivo para que eles conheçam sua importância e capacidade na hora de alegrar o outro.

O impacto positivo que o projeto de Izzy causa há anos em sua comunidade não passa despercebido. No começo de 2015, os renomados skatistas norte-americanos Tony Hawk e Nyjah Huston visitaram o Megabi Skate e ajudaram na construção de um pequeno parque onde as crianças podem testar suas habilidades em cima do carrinho. As duas estrelas do esporte também fizeram doações importantes, das quais a mais relevante foi, claro, o aumento no número de skates disponíveis. “Hoje temos um sistema que é como uma biblioteca de skates: as crianças assinam um livro controle e podem retirar skates emprestados para andar pela rua ou em casa e depois o trazem de volta para que outra pessoa possa andar”, explica Izzy.

Com o seu projeto social que une skate, música e trabalho voluntário, Izzy transforma as vidas das crianças e jovens que se unem a ele, propagando uma mensagem de esperança e do fazer bem ao próximo. “Tento ensinar que a vida é como o skate: é preciso ter persistência, se não houver dedicação e paciência não há melhora. O skate serve como inspiração para lidar com os desafios do mundo”, conta.

 

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* Matéria publicada originalmente na Go Outside 142, de julho de 2017