Em 2023, Tommy Caldwell e Alex Honnold encararam uma aventura monumental: eles pedalaram, caminharam e velejaram 4.180 km do Colorado ao Alasca (EUA) e, em seguida, escalaram um enorme monólito de granito no interior da Floresta Nacional de Tongass, chamado The Devil’s Thumb. A dupla fez história ao se tornar os primeiros escaladores a ascenderem os cinco picos irregulares da formação de 2.740 metros — um desafio conhecido como Diablo Traverse — em um único dia.
A aventura é o foco do mais recente documentário de longa-metragem da National Geographic, intitulado The Devil’s Climb, que estreou em outubro nos EUA em streamings como Apple TV e Disney+. Caldwell, idealizador da aventura, falou com a Outside sobre alguns dos momentos cruciais que ficaram fora do filme.
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“Passamos quatro dias avançando cerca de 400 metros por hora, abrindo caminho pela mata do Alasca”, disse Caldwell. “Foi a parte mais difícil de toda a viagem, desde o Colorado, mas nada disso está no filme.”
A maioria dos escaladores que tenta subir o Devil’s Thumb chega de helicóptero. Mas, para o filme, Caldwell e Honnold passaram 38 dias pedalando 3.735 km de sua casa em Estes Park, Colorado, até a pequena cidade de Prince Rupert, na Colúmbia Britânica, onde a estrada termina. Depois, velejaram por dez dias pelo sudeste do Alasca, antes de caminhar mais 32 km até alcançar o pico.
A caminhada até o pico deveria ter sido relativamente simples, seguindo uma rota histórica por uma geleira. Mas, ao chegarem, a geleira havia derretido em um lago de lama e icebergs. Caldwell, Honnold e a equipe de filmagem da National Geographic de oito pessoas tiveram que traçar uma nova rota no vale adjacente, uma floresta temperada de crescimento antigo.
Caldwell lembra de estar “encharcado até os ossos” enquanto atravessava a vegetação densa e úmida, lutando contra arbustos de Devil’s Club de 3 metros de altura, uma planta coberta de espinhos venenosos, por “horas e horas”. Um dos membros da equipe desenvolveu “pé de trincheira”. Outro quase caiu para a morte ao escorregar enquanto caminhava à noite por uma encosta íngreme acima de corredeiras de Classe V.
“Ele perdeu o equilíbrio e simplesmente desapareceu floresta abaixo”, disse Caldwell. “Achamos que ele havia caído nas corredeiras. Felizmente, ele parou bem na borda do penhasco.”
O maior esforço contínuo de toda a jornada foi durante essa caminhada. Eles caminhavam de 15 a 20 horas por dia, pois era impossível se mover rapidamente através da vegetação. “A mata era tão densa”, conta Caldwell, “que em certos momentos nem tocávamos o chão, apenas flutuávamos.”
Ele atingiu o limite mental durante a caminhada e credita à equipe de filmagem por renovar seu ânimo. “Estávamos atravessando a floresta, completamente molhados, meio perdidos, miseráveis, e de repente um dos caras que adora cantar começou a fazer beatbox”, contou Caldwell. “Toda a equipe começou a improvisar uma música.”
A espontaneidade trouxe exatamente o alívio que Caldwell precisava. “O filme foca muito em mim e no Alex,” disse ele, “mas havia tantas outras pessoas que foram importantes para mim.”
Uma dessas pessoas foi o fundador da Patagonia, Yvon Chouinard. Caldwell e Honnold passaram alguns dias na casa de Chouinard durante a primeira parte da expedição, enquanto pedalavam por Jackson, Wyoming. Caldwell idealizou a escalada do Devil’s Thumb para chamar atenção para a necessidade de proteger a Floresta Nacional de Tongass contra o desmatamento e outras ameaças — uma causa também defendida por Chouinard, que, segundo Caldwell, “é basicamente meu chefe atualmente”.
Além de ser um escalador profissional, Caldwell também trabalha na Patagonia como Ativista Global de Esportes. “Uma grande parte do meu trabalho é tentar identificar lugares que precisam de conservação e que tenham um componente de escalada”, explicou.
Chouinard foi parte do motivo pelo qual Caldwell decidiu transformar a escalada no Diablo Traverse em uma grande aventura, realizada de forma autossuficiente e ao lado de seu melhor amigo, Honnold. Caldwell se inspirou ao ler A Wild Idea, uma biografia de Doug Tompkins, empresário e conservacionista falecido, sobre o trabalho de conservação que ele e Chouinard realizaram juntos na Patagônia.
Caldwell considera seu tempo com Chouinard a parte mais “marcante” da jornada. Ao pedalar até a casa de Chouinard, percebeu quantas das casas originais em Jackson foram demolidas para dar lugar a mansões. A de Chouinard, no entanto, é a mesma de 50 anos atrás, quando foi comprada. Chegando na entrada, Caldwell viu um Subaru velho, “o carro mais mal conservado que já vi na vida”, com um adesivo escrito “Todo bilionário é um fracasso de política”.
Chouinard saiu da casa modesta para recebê-los. “Ele estava usando uma camiseta branca manchada e jeans que provavelmente ganhou quando era adolescente, remendados à mão,” contou Caldwell. “E pensamos: Uau, ele realmente vive o que prega.”
Caldwell esperava que o aspecto de conservação fosse uma parte maior do documentário. Em especial, o tempo que ele e Honnold passaram com a líder indígena e ativista Marina Anderson, na Ilha Prince of Wales, enquanto navegavam no arquipélago da Floresta Nacional de Tongass. Caldwell conheceu Anderson em uma conferência sobre clima em Miami e ficou animado para aprender sobre a ecologia e biodiversidade da região de sua casa.
Enquanto as câmeras filmavam, Anderson ensinou os escaladores sobre a importância das florestas temperadas (a Floresta Nacional de Tongass é a maior do mundo, com quase 7 milhões de acres) e os levou para pescar salmão. Essas cenas, no entanto, foram cortadas. “Foi difícil de aceitar, sinceramente,” disse Caldwell. “Estávamos fazendo essa história para salvar a floresta.”