A Deficiência de Energia Relativa no Esporte (ou RED-S, sigla em inglês) está finalmente recebendo muita atenção — talvez até demais.
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O que é Deficiência de Energia Relativa no Esporte (RED-S)
Em 2014, o Comitê Olímpico Internacional (COI) apresentou um conceito chamado “deficiência de energia relativa no esporte” (RED-S, na sigla em inglês). Já se conhecia amplamente a relação entre distúrbios alimentares, ausência de menstruação e fragilidade óssea, chamada de “tríade da mulher atleta”. Mas o RED-S ampliava essa visão. A falta de calorias suficientes para sustentar tanto o metabolismo normal quanto as exigências do treinamento estava associada a uma ampla gama de problemas, divididos em 14 categorias: não apenas a saúde óssea debilitada (afinal, fraturas por estresse na pelve ou no sacro são consideradas um dos principais indicadores do RED-S), mas também disfunções no sistema imunológico, problemas digestivos, distúrbios do sono e até incontinência urinária. A síndrome podia afetar homens e mulheres, e não se limitava a atletas com transtornos alimentares. Alguns simplesmente não percebiam que não estavam ingerindo calorias suficientes para sustentar seus treinos.
O diagnóstico ganhou força. O mais recente consenso do COI, de 2023, analisou dados de 178 estudos envolvendo mais de 23 mil participantes e concluiu que entre 15% e 80% dos atletas podem ter Deficiência de Energia Relativa no Esporte, dependendo do esporte. O problema é mais comum entre mulheres e prevalece em esportes de resistência, como a corrida, onde o peso influencia o desempenho. Mas nem todos concordam que o conceito de RED-S deva ser aplicado tão amplamente. Um artigo recente na revista Sports Medicine, assinado por oito cientistas do esporte renomados, levanta uma questão provocativa: o RED-S é real?
O autor principal do artigo é Asker Jeukendrup, nutricionista do Comitê Olímpico Holandês e ex-diretor do Instituto de Ciências do Esporte da Gatorade. Ele e seus colegas analisaram detalhadamente as evidências por trás do RED-S. Os estudos disponíveis são, em sua maioria, observacionais e de curto prazo, o que impossibilita provar que a escassez calórica causa os sintomas descritos. Além disso, na prática, medir com precisão quantas calorias uma pessoa consome e gasta é tão difícil que não se pode afirmar com certeza quem está ou não em déficit. Como resultado, argumentam que as estimativas sobre a prevalência do RED-S devem ser vistas com ceticismo.
Apesar dessas limitações, os autores observam que “o Deficiência de Energia Relativa no Esporte se tornou um tema amplamente discutido nas redes sociais e na mídia tradicional” — a tal ponto que a falta de calorias virou um bode expiatório conveniente para qualquer problema enfrentado por atletas. Jeukendrup e seus colegas sugerem substituir o diagnóstico por um modelo alternativo, que inclui oito possíveis gatilhos: treinamento, nutrição, transtornos alimentares, sono, infecções, saúde mental, fatores ambientais e condições clínicas não diagnosticadas. Qualquer um desses fatores, isoladamente ou em conjunto, pode causar um conjunto de sintomas semelhantes ao RED-S.
Enquanto isso, na prática, parte dessa nuance se perde. “O título do artigo — ‘O RED-S Existe?’ — gera um impacto que facilita o compartilhamento, mas não reflete totalmente o conteúdo”, diz Megan Roche, treinadora de corrida e pesquisadora dos efeitos da baixa disponibilidade de energia nos hormônios e na saúde óssea de ultramaratonistas. De repente, ela começou a receber perguntas difíceis de atletas e ouvintes de podcasts, muitos dos quais não haviam lido as 11 mil palavras da revisão científica. Convencer atletas a procurar ajuda para a Deficiência de Energia Relativa no Esporte já é um desafio; confundi-los sobre se a condição sequer existe torna tudo ainda mais difícil.
Os cientistas que criaram as diretrizes originais do RED-S também estão perplexos. Nunca foi sua intenção sugerir que todos os problemas de saúde e desempenho dos atletas se devem à falta de calorias, nem que essa deva ser a primeira hipótese a ser considerada. As diretrizes são claras ao afirmar que os sinais e sintomas podem ter outras causas. Ou seja, não há nada de simples nisso. “Nunca vai existir um ‘teste de gravidez’ para RED-S”, diz Trent Stellingwerff, fisiologista do Instituto Canadense do Esporte do Pacífico e um dos autores das diretrizes mais recentes do COI. “A vida não é binária. Doenças não são binárias. Clínicos tomam decisões com base em informações incompletas todos os dias.”
Grande parte do debate gira em torno da forma como a questão é comunicada: será que os riscos da escassez calórica estão recebendo atenção demais? Mas também há pontos específicos de discordância, como a possibilidade de atletas sem sinais claros de transtornos alimentares entrarem inadvertidamente em um déficit calórico. Roche, por exemplo, vê casos de RED-S surgindo em momentos de estresse ou transição de vida — calouros universitários que aumentam a carga de treinos, novas mães ajustando-se à rotina alterada e às demandas calóricas da amamentação.