Por Bruno Romano, de Garopaba (SC)
Linhas de skate e de escalada se costuram lado a lado por uma via que parece encontrar rumo no mesmo destino. Ao fundo, o som das rodinhas deslizando no concreto logo entra em sintonia com o barulho das mãos batendo nos blocos das paredes. Tênis e sapatilhas acham seu espaço em bordas e agarras que, a cada manobra, ficam mais castigadas. No fim, pernas e mãos esfoladas se transformam nos verdadeiros troféus.
É neste cenário que nasceu no último fim de semana a Ekos Boulder Garopaba, no litoral de Santa Catarina, reunindo duas tribos de esportes outdoor recentemente incluídos nos Jogos Olímpicos, o skate e a escalada esportiva – leia mais na reportagem “Ué, skate, você por aqui?”, na edição de setembro da revista Go Outside.
Por ali, muros, paredes e obstáculos, só mesmo os da escalada. Localizada bem no centro desta cidade que respira surf (outra modalidade que chega aos Jogos de 2020, no Japão), a novidade é quase um convite a céu aberto à brincadeira. Em vez de um ginásio fechado, a Ekos segue uma via totalmente aberta e oposta.
“Vai um pouco além só da questão do espaço físico sem divisórias”, explica Bruno Maya, 27, idealizador do pico ao lado dos irmãos Matheus e Thiago Veloso, escaladores experientes e donos da Ekos Boulder Florianópolis, que já funciona desde 2014 com proposta semelhante a 90 km dali, na capital do estado. “Este local aberto tem a ver também com ideia de confiança nas pessoas e na abertura para novas interações e ideias”, completa Bruno.
Há pouco tempo, o mesmo lugar era ocupado por uma já desgastada pista de skate street, que deu lugar a um bowl e a uma parede de nível mundial. As novas estruturas começam a receber agora aulas avulsas e adesão de mensalistas, sediando também competições e abrindo espaço para arte e música.
A médio e longo prazo, a ideia é ajudar a desenvolver novos atletas na cidade. E também faz parte dos planos se tornar um centro certificado de alto rendimento olímpico para ambos os esportes, um padrão que deve atender medidas internacionais ainda em pauta, já que a inclusão de skate e escalada na Olimpíada ainda é bem recente.
Alavancar eventos de grande porte, trazer atletas renomados e organizar saídas para aproveitar as rochas da região para escalar são outros pilares que sustentam a recém-criada sede – e que devem servir de inspiração para a nova geração.
Sonhos e conquistas à parte, na prática, todo mundo ali quer saber de botar as agarras das paredes e as bordas do bowl para funcionar. Quanto mais isso acontecer, melhor é o sinal. É exatamente o que se vê durante o dia inteiro. Enquanto amadores se desafiam em um torneio de escaladas, skatistas elevam o nível a cada manobra, e um grupo de break dance coloca todo mundo para dançar.
“A nossa ideia principal aqui é desenvolver as pessoas”, diz Matheus Veloso, de 32 anos. “É um espaço de livre interação, onde as coisas acontecem, e não sou eu que preciso falar o que pode e o que não pode ser feito”, completa, ao lado da parede que segue o design de uma etapa recente do Mundial de boulder, realizada em Mumbai, Índia.
“Precisamos de espaços de alto nível para evoluir, pois estamos estagnados na escalada, principalmente em estrutura, se compararmos aos norte-americanos e europeus”, avalia Matheus.
Algumas horas depois, naquele mesmo canto da parede, reservado agora aos atletas profissionais que aguardam o anúncio oficial da competição principal – eles não podem ver os “problemas” (como são chamadas as vias de boulder) antes de tentarem resolvê-los –, a curitibana Camila Macedo confirma o que estávamos falando.
“O muro está em nível altíssimo”, garante a atleta, que representou o país há uma semana em um mundial na França. “Um lugar que atinge este nível, na verdade, é capaz de agregar todos, unindo segurança e desafio, desde o iniciante e do amador, que veem a escalada como um jeito de evoluir capacidades físicas e mentais, até um atleta de alto rendimento”.
A escaladora entende que o momento olímpico é favorável e que pode embalar ainda mais esta onda. “Nosso esporte pode melhorar muito em matéria de apoios e patrocínios com esta visibilidade, e isso deve se refletir nas academias e no número de praticantes”, defende. “Não tenho como ser negativista agora, estou bem crente de que o caminho é longo, mas vai dar certo. Vamos para frente, ou melhor, vamos para cima!”, diz.
É exatamente para cima que ela aponta na dura competição que começa alguns minutos depois. Com três diferentes desafios para homens e mulheres, o torneio principal atrai a atenção de todos, aos gritos de “bora!”, “venga!” e “c’mon!” – ou da simples cara de espanto e dos sorrisos de quem vê aquilo pela primeira vez na torcida – é impossível não se envolver.
Dezenas de quedas e algumas conquistas depois, o primeiro lugar vai para o mineiro Jean Ouriques, entre os homens, e para a paulista Thais Makino, entre as mulheres, ambos atuais campeões brasileiros da modalidade. No domingo, após a inauguração, a trupe da escalada também se uniu para explorar os rochedos da praia da Barra, ao lado da praia da Ferrugem, um local repleto de boulders de todos os níveis.
Quem também se sente realizado ao fim da competição é André Berezoski, o Belê, um dos maiores nomes da escalada esportiva no país e o route setter (ou o cara que bola as vias) do evento. “A energia aqui foi realmente impressionante, unir as tribos trouxe uma atmosfera diferente, eu nunca tinha visto uma interação desses esportes com essa vibe”, diz.
Responsável por criar os problemas para os escaladores (leia-se: derrubar a galera que vacilar na parede), Belê tem papel chave na evolução da modalidade. “Nossa ideia aqui é aproximar ao máximo os obstáculos das tendências que estão rolando nos eventos mundo afora, para que nossos atletas possam evoluir”, conta.
“É sempre um desafio montar um campeonato para uma galera forte, por isso vamos calibrando. Se todo mundo ‘mandar’, ou se todos caírem, não tem a menor graça”, completa o escalador, referência na “criação” de vias no país, que toca um projeto em São Bento do Sapucaí (SP) também voltado para o crescimento da cena, sobretudo com crianças locais.
Após o torneio, aos poucos, o lugar vai se esvaziando pela primeira vez no dia. As paredes já não têm mais obstáculos, e o bowl volta a ser apenas uma piscina vazia. O que parecia pulsar por conta própria nos lembra agora que, sem ninguém, o espaço é “apenas” uma praça. Bonita e inspiradora, mas vazia.
“O aprendizado profundo da escalada surge na natureza, na rocha, aqui é só o começo desta história”, lembra Matheus. “O conhecimento mesmo vem principalmente da interação com outras pessoas, as estruturas só servem para uni-las”, finaliza.