Como a análise biomecânica pode nos ensinar a correr melhor

Por Alex Hutchinson*

A velocista norte-americana Sha'Carri Richardson. Foto: Tim Clayton / Getty / Outside USA.

Em 2011, dois anos após o lançamento do seu livro Nascido para Correr desencadear o boom dos pés descalços, Christopher McDougall resolveu oferecer um esclarecimento. “A ‘melhor maneira’ não tem relação com calçados”, escreveu ele no The New York Times. “É uma questão de forma.” Em vez de simplesmente abandonar os tênis, as pessoas precisavam aprender a correr melhor.

Afinal, ninguém presume que nascemos sabendo o melhor método de usar uma raquete de tênis; precisamos aprender a técnica. Por que ao correr seria diferente? Mas havia um problema: ninguém conseguia concordar sobre qual seria a passada ideal para correr, ou mesmo quais elementos eram importantes. O mundo carecia de pesquisa e os cientistas se empenharam por toda parte.

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Desde então, resultados desses estudos têm surgido, mas com descobertas que muitas vezes são difíceis de interpretar e, às vezes, contraditórias. Em busca de clareza, uma equipe de pesquisadores líderes em biomecânica do mundo todo decidiu reunir os dados existentes. Eles se concentraram na economia de corrida – uma medida de eficiência, como o consumo de combustível de um carro, que quantifica quanta energia você queima para manter um determinado ritmo.

Os resultados, publicados no início deste ano na revista Sports Medicine, oferecem algumas pistas sobre como podemos correr melhor. Mas também levantou uma questão: Existe realmente “uma melhor maneira” de correr?

A nova meta-análise foi liderada por Bas Van Hooren, cientista esportivo da Universidade de Maastricht, na Holanda, e corredor de elite com um melhor tempo de 28min41 nos 10 km e de 63min34 na meia maratona. Ele e seus colegas coletaram dados de 51 estudos envolvendo mais de mil participantes no total, em busca de padrões. O mais notável foi o que eles não encontraram. O comprimento da passada não foi associado à economia; nem o ângulo do tornozelo, joelho ou quadril, o tempo de contato com o solo, as forças verticais máximas ou os padrões de ativação muscular, conforme medidos por eletrodos.

Ao contrário do que McDougall e muitos outros supunham, pisar com o calcanhar não parecia ser melhor nem pior do que aterrissar no meio do pé ou na parte da frente do pé.

A análise encontrou uma ligação pequena, mas estatisticamente significativa, entre cadência mais rápida (quantos passos você dá por minuto) e melhor economia. Isso sugere que usar um metrônomo ou correr com música em um ritmo um pouco mais rápido do que a cadência habitual do atleta pode melhorar a economia para alguns, embora a ideia seja amplamente debatida. Menos balanço vertical e pernas que funcionam como “molas” mais rígidas também parecem ajudar, características que podem ser cultivadas com exercícios pliométricos explosivos. Em seu próprio treinamento, Van Hooren incorpora exercícios como saltitos, saltos em profundidade e saltos com foco no tornozelo. “As pessoas dizem que minha forma de correr é boa, então pode ter ajudado”, ele diz, “mas é claro que também pode ser devido a outros fatores”.

Ainda assim, a ideia é que os elementos mensuráveis de uma passada de corrida têm pouca influência sobre a eficiência da passada em si. Pode-se argumentar que a identificação de uma ótima forma de correr é como a famosa definição de obscenidade dos juízes de direito: nós a reconhecemos quando a vemos. Infelizmente, as evidências não apoiam essa afirmação. Alguns anos atrás, pesquisadores da Universidade Estadual do Tennessee enviaram vídeos de cinco corredores para 121 treinadores e pediram que eles classificassem os atletas em ordem de economia. Os treinadores não chegaram a um consenso na classificação dos corredores, independentemente de sua experiência e níveis de treinamento especializado.

A questão interessante é por que tanta pesquisa produziu tão poucos insights novos. “Não acho que tenha havido muitas mudanças nas mensagens principais”, diz Isabel Moore, pesquisadora da Cardiff Metropolitan University que foi coautora da nova análise e também conduziu a última grande revisão sobre o tópico em 2016.

Neste ponto, o problema não é necessariamente a falta de dados. Em vez disso, pode ser que o corpo humano seja simplesmente muito variável: as pessoas têm diferentes formas, tamanhos, proporções de membros e históricos de desenvolvimento, então o passo ideal de cada pessoa é único. “Não acredito que exista uma ‘boa forma’ identificável que sirva para todos”, diz Moore.

“Ao contrário do que muitos supunham, pisar com o calcanhar não parecia ser melhor nem pior do que aterrissar no meio do pé ou na parte da frente do pé.”

Rodger Kram, pesquisador veterano em biomecânica da Universidade do Colorado, cujo trabalho é citado diversas vezes na nova revisão, também está cético de que mais estudos tragam maior clareza. “Destrinchar as ligações entre economia de corrida e biomecânica é um enigma muito difícil, e as médias de grupo não parecem ser o caminho a seguir”, diz ele. “Caso contrário, teríamos resolvido o problema em 1980.”

Também podemos estar otimizando a forma por outros fatores além da eficiência. Economizar energia torna você mais rápido, mas evitar lesões é uma prioridade maior para muitos corredores. As passadas que adotamos podem ser ajustadas em parte por um instinto de evitar sobrecarregar músculos ou tendões individuais, o que confundiria a relação entre biomecânica e economia de corrida. E tentar microgerenciar elementos da sua passada tem um custo: vários estudos descobriram que o simples ato de focar na forma, em vez de deixar sua mente divagar, piora sua economia de corrida em alguns pontos percentuais — o equivalente a correr com tênis ultrapassados em vez dos últimos super tênis.

Então deveríamos tentar correr melhor? “Eu diria que é algo a se considerar”, diz Van Hooren, “mas não é o fator principal, pois a maioria das pessoas otimizirá sua corrida por conta própria com treinamento suficiente”. Esse é um ponto chave: uma das descobertas sólidas das pesquisas é que nos tornamos mais eficientes com a experiência. Estratégias como a pliometria podem acelerar essa auto-otimização, mas não está claro se você obterá uma forma melhor. Nesse sentido, Ed Whitlock, lenda entre os masters da maratona, com passadas suaves e alta quilometragem, que correu para 2h54min aos 73 anos, pode ter tido a ideia certa. Uma vez, ouvi-o falar em um painel de discussão sobre a ciência da corrida antes da Maratona Waterfront de Toronto. Uma série de especialistas se manifestaram sobre questões como dieta, treinamento ideal e, inevitavelmente, forma. O passo de Whitlock ainda era fluido e poderoso mesmo depois dos oitenta anos, então esperamos ansiosamente que ele entrasse em cena. O segredo, ele disse, era simples: “Eu só corro.”

*Alex Hutchinson escreve para a Coluna Sweat Science da Outside USA desde 2017.