Não seria viagem dizer que o “homem” é o personagem principal de O Livro dos Bichos. Nele, apesar de o jornalista Roberto Kaz (da revista Piauí) compilar 21 de suas reportagens cujo tema são os animais, é o bicho-homem que acaba sendo a espécie em foco. A seguir, Roberto explica melhor os motivos.
GO OUTSIDE: O livro tem a intenção de despertar o leitor para determinadas realidades?
ROBERTO KAZ: Ele não tem um caráter ativista, embora, no fundo, grande parte das histórias seja sobre uma relação de abuso dos humanos em relação aos animais. Em alguns casos, os bichos até tinham ganhos secundários nessa relação. O Fajardo, por exemplo, era um touro reprodutor que vivia em uma central de inseminação, onde era obrigado a ejacular quatro vezes por semana. Era extremamente bem cuidado, mas trabalhava em um esquema fordista (e embora tenha tido mais de 200 mil filhos, morreu virgem). Outra história emblemática foi a do Macaco Tião, chimpanzé do Zoológico do Rio que, em um misto de protesto e chacota, teve a candidatura a prefeito lançada pelos humoristas do Casseta & Planeta, em 1988. A história do Tião fala do caos político vivenciado pelo país naquele ano, mas mostra também o encarceramento injusto de um chimpanzé, que recebeu uma sentença de prisão perpétua sem jamais ter cometido um crime para tal. Nesse sentido, o livro pode, sim, ajudar a repensar nossa relação com os animais.
Você tem apreço especial pelos bichos?
Já tive dois cachorros, e agora tenho três gatos, Aderbal, Charlinho e Marieta. Gosto demais de bicho, mas não foi isso o que guiou minha vontade de fazer o livro. O interesse por cada história foi jornalístico. Cada bicho ali teve uma história de vida que merecia ser contada. O Presley, por exemplo, era uma ararinha-azul traficada do Brasil para os Estados Unidos e depois repatriada, em 2002, no intuito de cruzar com outras ararinhas e tentar salvar a espécie do desaparecimento. Outro exemplo: em 2013, a Rússia enviou 45 camundongos para uma viagem de 30 dias pelo espaço, a bordo de um satélite chamado Bion M-1. Um deles, que tinha um marca-passo para medir o batimento cardíaco, se chamava Major Tom (personagem de uma música de David Bowie). Dessa forma, o livro poderia ser, no fundo, sobre pessoas, salvo pela diferença de que as “pessoas”, no meu livro, não podem narrar suas próprias histórias.
Qual das histórias é a mais especial para você?
Tenho um carinho especial pela última história, sobre o archeopteryx, o fóssil que marca a transição entre dinossauros e aves (hoje se sabe que dinossauros tinham penas, e que todas as aves, do avestruz ao sabiá, são dinossauros). Gosto dessa história porque no fundo ela fala da evolução das espécies: aves vieram dos répteis, que vieram dos peixes, que vieram de formas mais simples, unicelulares, que surgiram, um dia, da interação dos elementos químicos disponíveis na natureza, cerca de 3,8 bilhões de anos atrás. Existe aí uma beleza maior do que qualquer obra de arte já feita pelo homem. É a beleza do tempo misturado ao acaso, que resultou em todos os bichos atuais.
O Livro dos Bichos, de Roberto Kaz. R$ 45, 248 páginas | companhiadasletras.com.br