EM AGOSTO DE 2017, eu estava em Nova York dando entrevistas sobre o meu livro Peak Performance [Performance Máxima, sem versão em português]. Entre um compromisso e outro, fui correr no Central Park e não comi ou bebi o suficiente depois. Encontrei um amigo para jantar, mas o local era na verdade um bar sem cozinha. Tomei um drinque forte e comi um punhado de batatas fritas.
Quando voltei para o hotel, duas horas depois, senti que algo estava errado. Achando que algumas calorias rápidas poderiam ajudar, engoli uns biscoitos e tomei um suco de maçã. Mas era tarde demais. Menos de dois minutos após eu começar a comer, minha mente e meu corpo saíram de controle – meus pensamentos aceleraram descontroladamente, meu coração palpitava, minha pulsação latejava em meu pescoço, o estômago revirava e os ouvidos zuniam. Eu estava tendo um ataque de pânico de força total – algo que, aprendi depois, pode ser desencadeado por desidratação ou queda no nível de açúcar no sangue, e eu provavelmente estava com ambos.
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Depois de cerca de uma hora, consegui me acalmar e pegar no sono. Mas na manhã seguinte ainda me sentia trêmulo. Então, antes do meu voo de seis horas de volta para casa, fui a um pronto-socorro. O médico me disse que eu estava ótimo e sugeriu que talvez eu ainda estivesse abalado com a noite anterior ou sofrendo uma reação alérgica a algo nas batatas fritas.
Ao longo das semanas seguintes, porém, continuei me sentindo esquisito, uma impressão que parecia piorar a cada dia. Era uma sensação de inquietude quase constante, com crises de desorientação. As tarefas que antes eram fáceis e agradáveis agora me deixavam tenso e irritadiço. Fui de novo ao médico, que me submeteu a um eletrocardiograma para se certificar de que meu coração estava funcionando direito, assim como uma bateria completa de exames de sangue. Tudo parecia em ordem, segundo o doutor. Mas eu não me sentia nada bem.
As coisas chegaram ao ápice em uma manhã de sexta-feira, cerca de um mês depois do primeiro episódio. Acordei e tentei ler, mas não conseguia focar. Pensei em correr – algo que fiz quase todas as manhãs nos últimos dez anos –, mas me senti aterrorizado com a perspectiva de que algo horrível pudesse acontecer se eu fosse. Decidi sair para caminhar. Fui calçar os tênis com as mãos tremendo. Quando terminei de vesti-los, percebi que tinha esquecido as meias.
Finalmente consegui sair de casa. Porém, após 300 metros, o topo da minha cabeça começou a formigar. Eu me sentia separado do meu corpo, como se estivesse em um videogame de realidade virtual. Logo me vi totalmente paralisado pela sensação de que eu estava enlouquecendo. Decidi que melhor do que uma caminhada seria encontrar o centro psiquiátrico mais próximo, que, felizmente, ficava a menos de 2 km de distância.
Quando cheguei lá, uma enfermeira me deu alguns formulários para preencher. Pedi “aquele negócio duro que a gente usa para escrever em cima”, porque, mesmo sendo um escritor, não conseguia me lembrar da palavra prancheta.
Pensei em ligar para minha esposa para falar que a amava, mas decidi que não queria assustá-la. A médica finalmente me chamou no consultório, e conversamos por 45 minutos. Ela me disse que eu estava sofrendo de ansiedade e que ficaria bem. Eu me senti melhor por algum tempo, mas todas as sensações ruins voltaram poucas horas depois.
ATAQUES de pânico são comuns. Pesquisas publicadas na revista científica Archives of General Psychiatry mostram que 22,7% das pessoas sofrem com isso em algum momento da vida. Dos que sofrem um ataque isolado, a maioria passa alguns dias péssimos e preocupantes e depois segue com sua vida.
Uma pequena parcela acaba desenvolvendo uma forma duradoura de ansiedade, incluindo os 18% de adultos norte-americanos que têm esses distúrbios e os 2% a 4% que sofrem de variedades mais severas desse mal. Agora eu estava nesse último grupo.
O interessante é que aquele ataque de pânico em Nova York foi meu primeiro encontro com ansiedade de qualquer tipo. Tenho 31 anos e sempre me orgulhei de ser calmo e controlado sob pressão. Já enfrentei friamente encontros com ursos, emergências médicas familiares e palestras para grandes públicos.
Entretanto meu cérebro e meu corpo ficaram presos na experiência daquele episódio inicial, e não demorou para que me parecesse que eu havia perdido o controle sobre ambos. Nas semanas que se seguiram, fiquei cada vez mais obcecado com pensamentos sombrios e intrusivos. Situações tenebrosas passavam por minha cabeça por horas, às vezes dias seguidos. “E se eu ficar assim para sempre?”, “E se isso me levar a uma doença que traga risco de morte?”, “E se eu estiver enlouquecendo?”.
Eu não confiava mais em mim mesmo perto de objetos cortantes por receio de me machucar propositalmente. Meus níveis de estresse estavam tão altos que algo inofensivo como a buzina de um carro podia fazer minha frequência cardíaca explodir. Se parece loucura, é porque é.
Um momento particularmente tenso aconteceu em uma longa viagem de carro em outubro. Do nada, fui esmagado pelo seguinte pensamento: “Você devia simplesmente dirigir para fora da estrada e acabar com tudo agora. Sua família vai ficar bem sem você”. Foi como se eu me tornasse o pensamento e não houvesse nada que eu pudesse fazer para escapar dele.
Eu sabia, em algum lugar no fundo de mim, que não queria me matar; eu tinha autoconsciência suficiente para perceber que esses pensamentos e emoções não faziam sentido. Eu daria tudo, com exceção da minha vida, para que aquele sofrimento acabasse. Era doloroso demais.
A viagem resultou nas quatro horas mais difíceis da minha vida. Fiquei aterrorizado por dias – com medo de entrar em um carro, de ficar sozinho. Depois dessa experiência, finalmente fui a um psiquiatra e recebi o diagnóstico de um tipo raro de ansiedade chamado coloquialmente de Puro O – basicamente, o transtorno obsessivo-compulsivo sem as compulsões visíveis. Puro O se caracteriza por obsessões e ansiedades que tendem a mirar nas coisas com que a pessoa mais se importa. Para mim, isso significava meu eterno otimismo, minha família e meu senso de propósito. Minha ansiedade tomou conta de minha vida. Era tudo o que eu conseguia pensar. Às vezes ainda é.
QUANDO A ANSIEDADE está em suas piores fases, não consigo ficar presente em nada que faço. É como se eu passasse pela vida com as mãos em frente aos meus olhos. É um sentimento devastador e insuportável, muito diferente do que eu costumava achar que era ansiedade (sentir-se excessivamente nervoso antes de falar em público ou ficar tenso na largada de uma maratona, por exemplo). Muitas vezes eu me sinto como se fosse duas pessoas diferentes. Durante os períodos “normais”, meu “eu não ansioso” sabe como meu “eu ansioso” é irracional, mas meu “eu ansioso” não acata a razão.
Se isso pode acontecer comigo – que literalmente escrevi o livro sobre performance mental máxima, com capítulos como “Transforme ansiedade em entusiasmo” –, pode acontecer com qualquer um. Doenças mentais nascem de uma ligação complexa entre genes e ambiente, e os gatilhos implícitos em seu surgimento são difíceis, se não impossíveis, de serem identificados. Sem mencionar que os mesmos aspectos de personalidade e química cerebral que formam nossos maiores talentos – por exemplo, a habilidade de pensar obsessivamente e resolver problemas de forma incansável – podem também facilitar nossas maldições mais horrendas.
Felizmente, na minha experiência, os pensamentos obsessivos e a ansiedade diminuíram tanto em intensidade quanto em frequência. Sete meses depois do meu ataque de pânico inicial em Nova York e cerca de quatro meses depois daquela viagem tenebrosa de carro, a ansiedade havia baixado. E quando ela volta não é mais de forma tão intensa. Consegui fazer palestras para cinco grupos grandes, liderei alguns workshops, corri uma maratona e voltei a editar meu novo livro – conquistas que me pareciam inimagináveis quando isso tudo começou.
Apesar de ainda sofrer mais do que gostaria, estou evoluindo e sou grato por ter ajuda. Tomo uma medicação que ajuda a reequilibrar o cérebro quando ele sai do prumo. É usada comumente para tratar depressão, mas também serve para transtornos graves de ansiedade. Nunca pensei que teria que tomar um remédio como esse.
Já escrevi artigos defendendo os benefícios do exercício e do contato com a natureza, em vez de medicamentos assim. Mas eu nunca havia experimentado depressão ou ansiedade severas e não tinha ideia do quão irracional, incontrolável e debilitante elas podem ser. E ainda assim tenho que admitir que mantenho um certo preconceito contra essas medicações, o que, claro, é esquisito, porque eu mesmo estou usando-as, e isso mostra o quão poderoso e burro um preconceito pode ser.
Também tenho trabalhado regularmente com um terapeuta especializado em terapia cognitiva-comportamental, que essencialmente é um kit de ferramentas para reabilitar um cérebro ansioso. O remédio abre espaço para treinarmos de novo o cérebro, e a terapia é o treinamento (ou pelo menos essa é a história que estou contando para mim mesmo). Ainda assim é difícil assumir e aceitar uma doença que afeta minha mente. Quando machuco meu corpo, é fácil dizer “estirei a panturrilha” ou “tenho uma fratura por estresse em meu calcanhar”.
Mas se não tenho controle sobre minha mente, não posso evitar me perguntar quem sou “eu”. Encontrei um pouco de conforto na meditação, que me ajudou a perceber que talvez o “eu” seja a consciência que jaz embaixo não só da dor física, mas também de pensamentos e senti mentos. Também é difícil reconciliar ser um especialista em performance e passar pelo que estou passando.
Em alguns momentos, eu me sinto como uma fraude ou um impostor frágil e com medo. Escrever este texto já me deixa ansioso. Sinto como se, ao escrever sobre minha ansiedade, eu esteja tentando exercer algum tipo de controle sobre ela e que ela vai voltar para se vingar. Mas recentemente um amigo que é psiquiatra aposentado me lembrou que uma das grandes chaves para a performance máxima é conseguir seguir em frente através da dor.
Atravessar essa experiência abriu minha visão sobre o que significa ser humano e mudou a minha perspectiva sobre meu trabalho. Descobri que é importante ter técnicas e ferramentas não apenas para pequenos revezes e para quando tudo está indo bem – o que vinha sendo o foco do que escrevi nos últimos cinco anos –, mas também para quando não está.
Já escrevi inúmeros artigos e colunas que terminavam com dicas práticas. Continuo assinando embaixo desses textos e ferramentas – elas fazem sentido para quando as coisas estão bem. Mas, agora, as lições a seguir (nas quais eu mesmo estou trabalhando e não estou nem perto de dominar) parecem ser as mais importantes de todas.
Pense na impermanência
Quando estou no meio de um ataque especialmente ruim, parece que vou ficar preso ali para sempre. Nesses momentos, faço tudo o que posso para lembrar que o futuro não está predestinado e que as sensações que estou tendo vão passar. Tento não dizer “isto é loucura”, mas, sim, “isto vai passar”. É algo difícil de se fazer. Mesmo agora às vezes ainda luto para acreditar no que digo para mim mesmo.
Esqueça o controle
Tenho uma personalidade rigorosa e obsessiva. Eu desejo controle. Historicamente, isso foi um ponto forte importante; arrisco dizer que possibilitou muitas de
minhas conquistas. No entanto, quando se fala em ansiedade, querer controle é nocivo. Descobri que, quanto mais tento controlar (e resistir a) minha ansiedade, pior ela fica. E, quanto mais eu aceito a incerteza – mesmo que isso signifique reconhecer que posso piorar –, melhor me sinto. Esse tipo de libertação do controle é um desafio contínuo para mim, e acredito ser um trabalho para toda a vida.
Encare a fera
Se você entra em uma sala pela primeira vez e vê um tigre em um dos cantos, as chances são altas de você pirar de medo. Mas, se você já entrou mais de 200 vezes
nessa sala e o tigre nunca te incomodou, provavelmente não vai se atormentar muito com ele. Ansiedade é como o tigre. Descobri que uma das melhores maneiras de diminuir sua força é fazer exatamente o que me deixa ansioso. Essa abordagem se chama terapia de exposição e, apesar de ser horrível enquanto você está se submetendo a ela, provou ser altamente eficaz no tratamento de transtornos de ansiedade, especialmente os obsessivos-compulsivos. Venci meu bizarro e recém-adquirido medo de correr me forçando a correr todo dia por duas semanas seguidas. Nas primeiras corridas, sentia uma impressão constante de tragédia iminente. Nas últimas, já me sentia quase normal. A terapia de exposição também pode funcionar com pensamentos angustiantes. Encarar os medos, porém, não é fácil.
Saiba que você não está só
Um amigo próximo que tem transtorno bipolar me disse que sofrer de um problema de saúde mental grave pode nos fazer sentir como se estivéssemos em um lad do rio quando todas as outras pessoas estão na outra margem. Eu costumava ficar na outra margem. Achava que sabia o que era ansiedade, mas somente quando atravessei pessoalmente o rio e experimentei na pele o pior da outra margem foi que tive uma ideia real do quão debilitante uma condição dessas pode ser. Mais do que ninguém (além do meu terapeuta, psiquiatra, esposa e irmão), tem me ajudado muito falar com pessoas que também colocaram os pés na outra margem.
Exercite-se
Uma vez que venci meu medo de correr, retomei esse hábito com força total. Também comecei a fazer fortalecimento com pesos regularmente. Descobri que o exercício é especialmente benéfico quando stou em um momento difícil. Um amplo conjunto de pesquisas mostra que a atividade física ajuda a tratar tanto a ansiedad quanto a depressão. Isso é importante, pois a depressão pode ser provocada pela ansiedade.
Pratique autocompaixão
Quando estou mal, eu me sinto culpado ou com raiva de mim mesmo por estar ansioso, triste e por ter pensamentos invasivos mesmo sem motivos para tanto. Quando isso
acontece, faço tudo o que posso para me lembrar de que uma doença mental é exatamente isso – uma doença que afeta um órgão (o cérebro) com interações bioquímicas extremamente complexas. Digo a mim mesmo que eu nunca me culparia por ter uma condição que afetasse meu corpo, como uma gripe forte, e deveria ser igualmente
gentil com minha mente. Também tento lembrar que, no longo prazo, essa experiência vai me deixar mais forte, mais bondoso e mais sábio.
Tenha paciência
Infelizmente, a ansiedade grave geralmente não vai embora de um dia para o outro. No começo, minha expectativa era que iria. Quando isso não aconteceu, fiquei mais ansioso. Ainda tenho uma boa cota de momentos sombrios e estou fazendo tudo o que posso para aceitar que essa jornada será longa. Quando estamos nela, é horrível, assustador, irritante e totalmente distante de qualquer experiência normal. Nesses momentos, às vezes tudo o que se pode fazer é ter esperança, se permitir se sentir seja lá como for e ter paciência. Sei na prática que isso é muito mais fácil de falar do que fazer. Talvez a coisa mais importante que eu tenha aprendido com essa experiência seja que às vezes a autoajuda não é suficiente.
Se você está enfrentando uma doença mental, não tenha vergonha e não guarde isso para si. Não posso enfatizar aqui o quanto é importante buscar ajuda. Conversar com outras pessoas que estejam passando por algo semelhante pode ajudar. Terapia pode ajudar. Medicação pode ajudar. Se você ou alguém que você ama está passando por ansiedade, depressão, raiva ou algum outro problema desse tipo, por favor busque o apoio de que precisa, especialmente de especialistas treinados. Você pode falar com alguém agora mesmo no Centro de Valorização da Vida (CVV) ligando gratuitamente para 188. Pode parecer impossível, mas você vai se sentir melhor.
Matéria originalmente publicada na Revista Go Outside 168.