Como aplicar o “beta do sorriso” ao escalar
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No ano passado, trabalhei a clássica Chaos, V8, em Moab, Utah (EUA) — um problema que exige pendurar numa agarra tipo crimp com a mão direita e encaixar o pé em uma das três cavidades possíveis em um diedro à esquerda. A cavidade mais baixa era a mais fácil para mim, mas eu precisava estar na mais alta para conseguir sair do crux. Num treino revelador, imaginei uma “caminhada com os pés”: pé esquerdo na cavidade mais baixa, direito na do meio, e então o esquerdo na mais alta. Na primeira vez que tentei, com o corpo quase na horizontal enquanto subia pela parede lateral, abri um sorriso — era, sem dúvida, o movimento mais ridículo que já tinha feito. Embora eu tenha caído no lançamento até a borda, soube na hora que aquele era o meu beta.
Mas nas várias tentativas seguintes, não consegui repetir a tal caminhada. Cerrava os dentes, me forçava ao máximo, e errava toda vez. O que havia de diferente naquela primeira tentativa? Sentei, escutei os passarinhos e o barulho do rio Colorado, e fiquei revendo a primeira tentativa mentalmente. De repente, percebi o que tinha feito daquela tentativa algo tão especial: o sorriso. Na próxima vez em que agarrei aquele crimp com a mão direita, coloquei o sorriso de volta no rosto e, como mágica, a caminhada com os pés pareceu de novo fácil.
A ciência por trás do sorriso
Se eu estivesse mais ligado no mundo da corrida de longa distância, talvez tivesse descoberto o beta do sorriso bem antes. Em 2017, quando o maratonista Eliud Kipchoge chegou perto de quebrar a marca mítica das duas horas, veículos especializados reportaram que sorrir periodicamente era uma das táticas essenciais. Kipchoge dizia que o sorriso o “ajudava a chegar à linha de chegada”.
Mais tarde, naquele mesmo ano, pesquisadores das universidades de Ulster e Swansea fizeram um estudo que confirmou o instinto de Kipchoge: num experimento com corredores, os participantes que sorriam apresentaram um aumento de quase 3% na eficiência da corrida. Além disso, os “sorridentes” relataram sentir significativamente menos dor e esforço em comparação aos grupos de “não sorridentes” e “carrancudos”.
A gente costuma pensar que sorri porque está feliz, mas a causalidade também funciona no outro sentido. Podemos nos sentir felizes porque sorrimos. Quando os músculos associados ao sorriso se contraem, eles liberam serotonina (que reduz o estresse) e dopamina (que melhora o humor) no corpo. Em termos fisiológicos, essas substâncias diminuem a pressão arterial e reduzem a sensibilidade à dor. Mas, de forma mais ampla, o sorriso ativa um repertório de lembranças positivas: momentos anteriores em que sorrimos e que resultaram em boas experiências.
Sorrir = mandar, para os escaladores?
Embora isso ainda não tenha sido testado cientificamente, há muitas evidências anedóticas de que sorrir melhora tanto o desempenho quanto a mentalidade dos escaladores, assim como acontece com os corredores. Um ótimo exemplo é o documentário Smile and Fight, lançado em 2023, sobre a temporada dominante de boulder da Natalia Grossman em 2022. Quando ela não teve um bom desempenho em uma etapa da Copa do Mundo em Salt Lake City, nos EUA, a comentarista Meagan Martin observou que Grossman “claramente não estava se divertindo” nas semifinais. Ela escalava com medo de errar, com receio de perder. Mas, ao se preparar para a final, o sorriso largo voltou ao rosto dela — e ela escalou como uma fera. Uma fera feliz e sorridente — e venceu a etapa em casa, diante da torcida local.
Acontece que o segredo para aquela performance forte foi reconectar com seu mantra: “smile and fight” (“sorria e lute”, em portugês) que ela criou com o treinador da Seleção Americana de Escalada, Josh Larson. Como explica Larson: “Não falo sobre vencer Copas do Mundo. Só lembro os atletas de que é preciso se divertir, e que se você começa por aí, todo o resto se encaixa muito mais fácil… Isso é o sucesso: gostar do que você está fazendo.”
Essa mentalidade está espalhada, não só na seleção americana, mas em todo o circuito de escalada de competição. Como os boulders dos campeonatos são pensados para ser ligeiramente abaixo do limite de cada atleta, todo mundo teoricamente é capaz de mandar todos os problemas. Muitas vezes, a diferença está em acreditar que se pode. Por isso, o trabalho mental é uma parte central da preparação para as competições.
No podcast The Nugget, em um episódio sobre treino mental, o treinador Justen Sjong comentou, sobre assistir as etapas da Copa do Mundo: “Eu procuro aquele sorrisinho que diz: ‘Não sei qual vai ser o resultado, mas estou animado’. É a caminhada até a base que me diz tudo… Dá pra ver quando um atleta vai mandar, quando ele está confiante naquele instante.”
Desde que ouvi essa entrevista, tento caminhar até a base de cada via — seja no aquecimento, no projeto ou no Kilter Board — com essa mesma energia otimista. E o aumento no meu desempenho tem sido impressionante.
Dicas para usar o “beta do sorriso”
- Identifique, no seu projeto (seja filmando e assistindo depois, pedindo a observação de um amigo ou simplesmente prestando atenção no próprio corpo), os momentos em que você está fazendo careta ou carranca — e veja o que muda se você sorrir nesses pontos.
- Treine seu corpo para associar o sorriso a movimentos difíceis ou sequências exigentes, tanto nas visualizações quanto nas tentativas reais. Imagine como é fazer cada movimento perfeitamente — e o sorriso que esse acerto colocaria no seu rosto.
- Em tentativas de flash, repare na sua expressão facial enquanto estuda a via; é comum franzir a testa ao encarar um crux complicado, mas tente sorrir, cultivando uma expectativa positiva do que está por vir.
- Peça para seu parceiro de escalada te dar o comando “sorria”, ou algo parecido, se necessário. (Uma frase que ouvi e gostei recentemente foi “olhos brilhando”.)
Lembrete: escalar é divertido
Para além dos efeitos físicos mensuráveis de sorrir, o sorriso também tem o poder mais sutil de mudar a vibe de uma sessão. Desde atletas de elite em competições internacionais até os simples mortais que investem horas no proj, observei esse fenômeno repetidamente. Se você está carrancudo numa via e cai no meio do crux, a carranca provavelmente vira um grito de frustração. Mas se estiver sorrindo quando cair? Pode acabar explodindo em gargalhadas.
Já escrevi antes sobre o poder dos gritos (eles têm seu momento e seu lugar!), mas sei que, pelo menos pra mim, é muito mais agradável estar rindo do que gritando. E também imagino que seja bem mais agradável para todo mundo no pico.
Afinal, a gente escala por prazer. Nosso esporte é um refúgio para adultos que nunca deixaram de curtir um parquinho. Às vezes, escaladores (eu incluído) esquecem disso e acabam presos numa mentalidade de resultados, herança da longa tradição da escalada como um esporte de conquista — de montanhas, de limites internos, de vias duras.
Hoje em dia, em cada novo projeto, identifico o momento mais importante para sorrir — e treino esse momento na memória muscular com o mesmo foco que aplico num drop-knee ou num gaston. A dor diminui, a dopamina flui. O “beta do sorriso” é um passo consciente para longe do tom agressivo e ultrapassado da conquista, em direção a uma experiência centrada, com razão, na alegria.