Ter um pacer [ou coelho, termo também usado em português] é uma prática consagrada – embora controversa – no atletismo profissional. Quem são esses corredores que ajudam outros a alcançar o sucesso, como eles fazem isso e será que essa estratégia deveria ser permitida?
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Reid Buchanan desviou para a direita e olhou por cima do ombro. A segunda estação de hidratação da Maratona de Chicago se aproximava e, dado o caos na primeira, ele sabia que a atleta que estava marcando – ninguém menos que a medalhista de ouro olímpica Sifan Hassan – poderia precisar de mais alguns metros para se preparar.
Ambos estavam em uma curva de aprendizado íngreme. Era apenas a segunda maratona de Hassan e a primeira vez de Buchanan como pacer. O atleta norte-americano de 32 anos sabia como correr sua própria maratona – seu recorde pessoal era 2h11min38s, registrado em 2020 no The Marathon Project, no Arizona. Mas manter um ritmo impecável e estrategizar para outra pessoa era diferente. Ele sentia Hassan na sua esteira e, enquanto as mesas com as garrafas se aproximavam, lembrou-se da conversa marcante que tiveram no dia anterior.
— Me chamaram para marcar um ritmo de 2h16min, mas acho que posso te levar até uns 25 km num ritmo de 2h12min — disse Buchanan. — Se essa velocidade te agrada, estou dentro.
— Ah, tenho certeza de que você pode ir além — respondeu Hassan.
— Como é? — perguntou Buchanan, surpreso. Seu contrato de pacer previa um bônus caso fosse mais longe, mas ser pressionado diretamente assim era inesperado.
— Mais que 25 km. Um pouco mais. Tenho certeza de que você consegue. Você só precisa acreditar — disse Hassan, sorrindo.
Buchanan sorriu de volta, sem saber exatamente o que responder. Talvez ir além de 25 km fosse possível, dado o apetite de Hassan por um grande feito no dia seguinte.
A evolução dos pacers profissionais
Pacers de maratona se tornaram uma presença comum (embora muitas vezes despercebida) nas principais provas, conduzindo a elite por boa parte do percurso. Mas ainda há um certo mistério sobre quem são esses atletas, como são recrutados e se realmente contribuem ou prejudicam a competição.
Embora possa parecer uma estratégia moderna, o pacing existe há décadas. Um dos exemplos mais famosos ocorreu em 1954, quando Roger Bannister quebrou a barreira dos quatro minutos na milha com a ajuda de pacers. Com o tempo, os organizadores das provas passaram a reconhecer os benefícios de contratá-los – não apenas para os atletas em busca de recordes (e dos prêmios atrelados a eles), mas também para atrair espectadores empolgados com a possibilidade de marcas históricas.
Mesmo assim, muitos espectadores casuais nem percebem a existência dos pacers. Nem todas as grandes maratonas os permitem. As de Boston e Nova York, por exemplo, priorizam corridas táticas no estilo campeonato e não utilizam pacers. Já provas planas e rápidas, como Londres e Chicago, os contratam para garantir tempos rápidos e elevar o prestígio do evento. Para os atletas profissionais, essa oportunidade de correr forte e rápido é um atrativo.
— No único ano em que decidimos não usar pacers, posso garantir que a decisão foi extremamente impopular entre os atletas — diz Carey Pinkowski, diretor executivo da Maratona de Chicago.
As regras do pacing profissional
Os organizadores recrutam pacers com base nos tempos-alvo definidos pelos atletas de elite. Os contratos costumam incluir um valor fixo para marcar o ritmo até determinados pontos da prova, com bônus previamente negociados. Algumas provas exigem que os pacers abandonem a corrida em pontos específicos, enquanto outras permitem que eles terminem. Além disso, há regras detalhadas, como a proibição de que pacers entreguem água ou suplementos aos atletas.
No dia da prova, a linha de largada reúne atletas profissionais, pacers oficiais e pacers pessoais, que treinaram com os competidores. Os organizadores informam os ritmos previamente, e qualquer corredor pode se juntar a um pacer se seu ritmo for compatível.
A maratonista americana Betsy Saina atualmente treina com seis pacers. Quando permitido, ela prefere levar seus próprios marcadores para as provas.
— O ideal é correr com alguém que conheça bem seu estilo, mas se isso não for possível, ainda pode funcionar — diz Saina. — Em Chicago, no ano passado, corri um tempo com Matt Centrowitz e ele foi incrível. O ritmo estava superestável. Na maratona, é mais fácil entrar no mesmo compasso com alguém do que em distâncias menores.
A vida de um pacer
Augustus Kiprono tinha apenas 18 anos quando começou a treinar nas montanhas do Quênia, sonhando com uma carreira no atletismo. Com um único par de tênis, ele não tinha recursos para perseguir sua própria glória. Então, por volta de 2010, passou a acompanhar grupos de treinamento femininos da elite queniana. Foi aí que se destacou: superou todos os outros pacers que acompanhavam Mary Keitany, uma das maratonistas mais rápidas do mundo na época.
— Nenhum outro pacer conseguia acompanhá-la, então ela me chamou e começou a me apoiar com equipamentos e dinheiro para comida — conta Kiprono.
No Quênia, pacers privados geralmente recebem apenas o suficiente para alimentação e estadia, apostando que, se os atletas que acompanham tiverem sucesso no circuito profissional, os bônus virão. Hoje, aos 23 anos, Kiprono dominou a arte do pacing, aprendendo a manter um ritmo estável, se comunicar rapidamente e se adaptar aos desafios durante a corrida. Ele trabalhou exclusivamente com Keitany durante anos, ajudando-a a estabelecer o recorde mundial feminino em provas só para mulheres, com 2h17min01s na Maratona de Londres de 2017.
— É essencial entender cada atleta — diz Kiprono. — Você e a pessoa que está marcando precisam acreditar que tudo é possível e saber como reagir a cada situação para obter o melhor resultado.
Apesar de inicialmente sonhar com sua própria carreira, Kiprono logo passou a encontrar satisfação no sucesso de Keitany.
— As vitórias dela eram minhas vitórias. Se ela ganhasse, era como se eu tivesse vencido também — diz ele.
Enquanto alguns pacers, como Kiprono, fazem disso sua carreira, outros, especialmente nos Estados Unidos, conciliam o pacing com suas próprias ambições competitivas. Muitos são atletas de elite que aceitam o papel conforme surgem oportunidades, mantendo-se preparados para competir em várias distâncias.
O pacing é injusto para os homens?
À medida que os tempos femininos continuam caindo, cresce o debate sobre a equidade do pacing. Hoje, as mulheres de elite são acompanhadas por pacers masculinos de altíssimo nível, o que levanta a questão: isso representa uma vantagem que os homens não têm?
Em resposta a essa crítica, há dois recordes diferentes para mulheres: um para provas mistas e outro para provas exclusivamente femininas. Isso, segundo os profissionais, já responde à questão da equidade.
— Todos usam os recursos que têm à disposição — diz Kiprono. — Eu cresci sem equipamentos e sem comida suficiente, e certamente não tinha tênis com placa de carbono. Isso fazia parte da minha realidade, mas quando tive acesso a esses recursos, aproveitei, como qualquer outro atleta faria.
Para a organização da Maratona de Chicago, o objetivo é proporcionar um ambiente onde atletas possam atingir seu potencial máximo.
— Queremos que nossos atletas de elite se expressem da melhor forma possível — diz Pinkowski. — Por que iríamos limitar isso?
A corrida do pacer
Quando Sifan Hassan cruzou a linha de chegada da Maratona de Chicago de 2023 em 2h13min44s – um recorde do percurso na época –, Buchanan já não estava mais ao lado dela. Ele havia cumprido seu papel e parado pouco além dos 25 km.
Foi um sucesso absoluto para sua estreia como pacer. Mas o pacing perfeito não é o único fator determinante na maratona – às vezes, o limite do corpo humano fala mais alto. Em 2024, Buchanan voltou a Chicago para marcar o ritmo do grupo feminino de 2h20min, que incluía a americana Susanna Sullivan. Aos 35 km, Sullivan começou a perder contato com o grupo. Buchanan tomou uma decisão rápida.
— Foi uma escolha instintiva. Vi que ela estava sozinha, então decidi esperar por ela e ajudá-la nos últimos quilômetros.
Sullivan terminou com um recorde pessoal de 2h21min56s, sendo a melhor americana da prova.
Com duas experiências bem-sucedidas, Buchanan já pensa no futuro.
— Quero continuar sendo pacer em Chicago pelo máximo de tempo possível — diz ele. — Mas as mulheres estão ficando tão rápidas que, no fim, tudo pode acontecer.