A experiência soava sedutora: fui conhecer a Flutuar Float Center, um centro de flutuação criado em São Paulo que oferece sessões terapêuticas de relaxamento e bem-estar. A técnica, que tem ganhado adeptos mundo afora, promete um relaxamento profundo, revitalizante e com poder anti-inflamatório, em um tanque isolado de ruídos, mais ou menos do tamanho de uma cama de casal, no escuro (quem flutua pode optar por luzes suaves, cromoterápicas). Tudo isso em um fluido denso como a água do Mar Morto, produzido a partir de meia tonelada de sulfato de magnésio (o Sal de Epson, com propriedades terapêuticas) diluída em 1.000 litros de água. Sensação de gravidade zero. Confesso que a primeira dúvida que tive, sendo uma pessoa extremamente agitada e ansiosa, era se eu teria capacidade de passar tanto tempo sem fazer nada, olhando para o escuro e boiando dentro de um tanque fechado – ou se iria pedir para sair bem antes disso.
Cada tanque fica em uma sala individual climatizada, com ducha para um banho pré-imersão e iluminação tranquila. A água do tanque fica em uma temperatura próxima à média do corpo humano, a 35,5º C. Ao entrar, a sensação é engraçada: a água resiste ao peso do corpo, que não afunda facilmente. Há protetores auriculares para evitar líquido no ouvido e uma boia em formato de travesseiro para ajudar a “encaixar” a posição. Uma música ambiente, que logo desaparece, torna o relaxamento mais gradual, até o corpo ficar imóvel, idealmente no escuro e no silêncio. É possível fazer a flutuação com a tampa da célula levantada e as luzes acesas, mas os centros de flutuação recomendam a experiência completa de privação dos sentidos (caso a pessoa tenha um desconforto inesperado, um botão de pânico pode ser facilmente acionado de dentro da água). Cada sessão sai por R$ 180.
Entrei ansiosa, mas aos poucos a mente foi se aquietando e o corpo relaxou. Há pessoas que até cochilam durante a flutuação – não foi o meu caso, mas cheguei perto.
“Os tanques de flutuação são antigos”, conta Tobias Nold, 36, alemão radicado no Brasil que fundou a Flutuar há um ano, no bairro de Pinheiros. “Nos Estados Unidos, já existem cerca de 450 centros de flutuação”, diz. A noção de que a água do mar tem efeitos terapêuticos remonta a vários textos médicos gregos antigos, e, na medicina moderna, o neuropsicólogo norte-americano John C. Lilly começou a realizar experimentos nos anos 1950. A ideia central dos primeiros estudos era avaliar o efeito psicológico da privação dos sentidos.
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A privação total, na verdade, nunca acontece, mas no tanque de flutuação é possível reduzir os estímulos como os da audição, visão e tato ao mínimo, isolando o ambiente de influências externas e induzindo um relaxamento profundo. A maior parte da literatura científica a respeito estuda os efeitos mentais da prática, mas nos Estados Unidos a técnica tem sido usada de forma bem pragmática no esporte. Já foram divulgados alguns estudos sobre o método como um de 2016, publicado no Performance Enhancement & Health, que estudou os efeitos da flutuação em um grupo de 60 atletas de elite de nove modalidades – 28 homens e 32 mulheres, avaliando os efeitos de uma sessão de 45 minutos de flutuação logo após o treino. Os esportistas completaram um questionário de percepção que incluía de dor muscular e cansaço a disposição antes e depois da flutuação. Das 16 variáveis avaliadas, 15 tiveram respostas positivas dos atletas após a sessão, além de ter sido reduzida a percepção de dor muscular.
Diversos atletas têm feito suas próprias experiências com flutuação. A ciclista californiana Evelyn Stevens, de 33 anos, bateu o Recorde da Hora na categoria feminina em um velódromo de Colorado Springs (EUA), em 2016, usando os tanques para melhorar a concentração, com uma sessão semanal de uma hora durante a fase pré-desafio. Ela completou 47,97 km, quebrando a marca anterior em quase 1,6 km. Estudos feitos na década de 1980 pelo psicólogo Peter Suedfeld, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, já indicavam que o uso dos tanques ajudava na concentração e na performance de atletas de basquete, tênis e tiro ao alvo.
Os efeitos da flutuação parecem ser similares aos da meditação, graças à redução da atividade da amígdala, responsável por nossa resposta aos estímulos. Se por um lado a meditação é mais “portátil” e pode ser praticada por qualquer pessoa em qualquer lugar sem aparatos especiais, é inegável que o ambiente de isolamento acústico, conforto térmico e a própria sensação aveludada da água, que deixa o corpo em uma posição absolutamente confortável sem esforço, ajudam muito a desligar a mente dos estímulos externos e focar na própria respiração. Na prática, é como se a água tivesse um papel ativo na indução do relaxamento físico – um atalho que nós, ansiosos e tensos, recebemos de bom grado.
Os centros de flutuação defendem que a flutuação na solução de Sal de Epson tem efeitos anti-inflamatórios, mas não há ainda estudos conclusivos a respeito. É mais provável que o efeito se dê por meio de um relaxamento mais profundo, muscular e psicológico, que acaba estimulando o sistema imunológico. No fim da sessão, não apenas eu tinha conseguido entrar de cabeça na experiência, como algumas dores de tensão muscular do dia foram aliviadas. Ainda que a flutuação tenha sido o equivalente a uma boa massagem ou, quem sabe, uma meditação bem feita (que nunca consegui manter por mais de cinco minutos), eu repetiria sem pensar duas vezes: depois de sair da água, continuei com a mente flutuando por mais umas boas horas.