Ao contrário de Kumano Kodo, a famosa rota de peregrinação do Japão e uma das duas únicas estradas no planeta designadas como Patrimônio Mundial da UNESCO, o caminho ancestral Nakasendo é pouco conhecido fora do país.
Construído no início do período Edo, no começo dos anos 1600, ele conectava o império através do interior montanhoso do Japão. O Nakasendo prosperou por dois séculos e meio, impulsionando o comércio ao longo de seu caminho de paralelepípedos, antes de ser esquecido pela história.
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Em seu auge, o Nakasendo tinha 530 km de extensão e ligava Kyoto a Edo (atual Tóquio), cortando o país de sudoeste a nordeste, bem pelo centro. Ao longo do percurso, havia 69 cidades, cada uma a cerca de 8 km da próxima, onde os viajantes podiam parar, comer e trocar mercadorias. Embora grande parte do caminho esteja agora asfaltada, alguns trechos e cidades originais estão bem preservados, com construções de madeira e interiores tradicionais, permitindo que os visitantes façam uma viagem de 400 anos no tempo.
Querendo viver essa experiência, reuni um grupo de amigos e corredores profissionais, incluindo dois atletas olímpicos dos EUA, Des Linden e Magda Boulet, além de dois ultramaratonistas experientes, Tim Tollefson e Ruth Croft, para percorrer o trecho mais icônico, de Nagoya a Matsumoto.
Foi um grupo dos sonhos, que se entrosou facilmente porque todos compartilhavam a paixão por usar a corrida como ferramenta para explorar novos lugares e culturas. A cada dia, corríamos cerca de 32 km, parando em cidades postais, templos e lojas de ramen. À noite, ficávamos hospedados em pousadas tradicionais ou onsens, relaxando em fontes termais naturais para nos recuperarmos e nos prepararmos para o dia seguinte.
Rota e Onsens
Construir um percurso em torno de uma trilha com 400 anos tem seus prós e contras. O Nakasendo é perfeito para quem quer mais do que simplesmente correr — ele oferece uma história rica, folclore fascinante, boa comida e pousadas tradicionais, além de trechos remotos e belíssimos. Essas partes transportam os viajantes de volta ao período Edo, proporcionando a experiência de percorrer a antiga rota postal a pé.
Por outro lado, se o seu objetivo é apenas encontrar as melhores trilhas para corrida no Japão, o Nakasendo talvez não seja a melhor opção. O percurso é uma mistura de trilhas, estradas rurais, ruas e rodovias, sem muita continuidade devido ao desenvolvimento moderno. Espere correr bastante em estradas pavimentadas até alcançar os trechos mais icônicos de trilha e enfrentar certa falta de fluidez em alguns dias. Dito isso, depois de percorrer mais de 160 km dessa rota, ainda acho que vale muito a pena.
Nosso trajeto passou por quatro cidades postais bem preservadas — Tsumago, Magome, Fukushima e Narai — e por dezenas de templos e santuários, com muitas oportunidades para ficar em pousadas tradicionais e onsens (banhos em águas termais) pelo caminho. Esse foi um grande destaque da viagem, pois nos permitiu mergulhar na cultura japonesa enquanto nos recuperávamos para mais um dia de corrida. Em algumas manhãs, até acordávamos cedo para aproveitar as águas termais novamente.
Para manter uma média de mais de 32 km por dia, utilizamos um serviço de transporte de bagagem para levar nossos pertences até a próxima acomodação. Isso nos permitiu correr apenas com água, lanches e algumas roupas extras, tornando a experiência muito mais agradável. Se você pretende seguir essa rota, recomendo fortemente essa opção.
A navegação ao longo do Nakasendo é variada — algumas partes são bem sinalizadas, enquanto outras quase não possuem marcações. Por isso, sugiro baixar arquivos GPX e estar confortável com aplicativos de navegação como o Gaia antes de embarcar nessa jornada.
Voos e trens
Viajar para o Japão tem se tornado cada vez mais fácil, com as portas abertas para estrangeiros. Nosso grupo se encontrou no aeroporto de Haneda e passou um dia na cidade para explorar o famoso mercado de peixes, comer ramen e se recuperar do fuso horário. Embora pudéssemos ter ficado mais tempo, decidimos maximizar nossos dias no Nakasendo.
De Tóquio, é fácil e acessível pegar trens de alta velocidade para outras cidades do país, incluindo nossos pontos de partida e chegada. A viagem para Nagoya durou algumas horas, e o retorno de Matsumoto levou aproximadamente o mesmo tempo. Se eu fosse correr o Nakasendo novamente, não mudaria nada na nossa logística. Os trens nos pouparam o custo de alugar um carro, o esforço de dirigir na mão inglesa e o incômodo de ter que mover o veículo todos os dias.
Clima e vida selvagem
Visitamos o Japão no outono, buscando temperaturas mais amenas para correr, menos turistas e as cores vibrantes da estação. Essa decisão valeu a pena, com a maioria dos dias variando entre 5°C e 20°C, boa disponibilidade de hospedagem em pousadas e onsens, e uma paisagem deslumbrante, especialmente nas áreas montanhosas.
Começamos nossa corrida próximo ao nível do mar e atingimos altitudes de até 1.200 metros. O outono costuma trazer um clima imprevisível aos Alpes Japoneses, mas tivemos sorte: o tempo se manteve estável durante toda a viagem.
Nos recomendaram levar capas de chuva devido à alta probabilidade de tempestades, mas nunca chegamos a usá-las. Com condições quase perfeitas para correr, pudemos desacelerar e aproveitar as casas de chá, templos e paradas para ramen ao longo do caminho. Além disso, apesar de vermos várias placas alertando sobre ursos e muitos caminhantes usando sinos para espantá-los, não encontramos nenhum. Um guia local nos disse mais tarde que eles praticamente não existem mais nessa região dos Alpes Japoneses.
Autorizações e taxas
Correr no Nakasendo exige um bom planejamento — o que pode ser desafiador se você não fala japonês — mas não requer nenhuma permissão ou taxa de entrada. Fora das grandes cidades, o inglês não é muito comum, nem mesmo em restaurantes e lojas, então esteja preparado para usar ferramentas como o Google Tradutor.
Grande parte do Nakasendo atravessa áreas rurais, onde você encontrará mais moradores locais do que outros corredores ou trilheiros. No entanto, a comunicação pode ser difícil. Algumas das cidades são destinos turísticos populares, mas há longos trechos do Nakasendo que parecem completamente esquecidos pelo tempo.
Equipamentos que funcionaram
Nike Ultrafly Trail Shoes: Como queria levar o mínimo de bagagem possível, escolhi um único par de tênis para passear pela cidade e um para correr. Precisava de algo versátil, durável e confortável para longas distâncias. O Ultrafly — sim, tênis de corrida com placa de carbono — provou ser uma ótima escolha para viagens, oferecendo aderência suficiente nas trilhas sem tornar os trechos de asfalto desconfortáveis. Sem bolhas, sem tombos. Aprovado.
GU Stroopwafels: Como não sabíamos exatamente onde e quando almoçaríamos, levei uma boa quantidade de lanches na minha mochila de corrida. Normalmente prefiro opções salgadas, como batatas chips, mas nesta viagem me vi devorando stroopwafels — um doce holandês que funciona como um gel energético, mas tem gosto de café da manhã.
Patagonia Slope Runner Vest: Costumo correr com uma câmera grande, um kit de primeiros socorros, roupas extras, um dispositivo InReach e vários lanches, então prefiro mochilas de maior capacidade. Ao mesmo tempo, quero algo que fique firme e confortável. Minha escolha foi a Slope Runner, que comporta até 18 litros e pode ser ajustada para ficar bem segura nas costas.
Theragun Mini: Embora não seja leve o suficiente para levar em trilhas remotas, o Theragun Mini foi perfeito para esta viagem. Não o carregamos durante o dia, mas usávamos à noite para acelerar a recuperação, reduzir dores musculares e garantir que minhas pernas não desabassem ao tentar acompanhar esse grupo de corredores super-humanos.