Como a comparação te prejudica na corrida, segundo especialistas

Por Lizzy Rosenberg, para a RUN/Outside USA

mulher checando seu relógio durante a corrida
Foto: wayhomestudio/Freepik

Pensei que a armadilha da comparação pública no meio da corrida estava me estressando — especialistas explicam por que isso estava acontecendo.

+ Overdose de dados: dicas para você ficar só com o lado bom da tecnologia
+ Relógios esportivos e smartphones: como eles podem influenciar nossas corridas

Em 2020, se eu não estava assando pão ou participando de happy hours no Zoom (argh), eu provavelmente estava correndo. Corro com bastante regularidade desde o ensino médio. Mas, na época, tinha acabado de sair de alguns meses difíceis lidando com um distúrbio autoimune e, finalmente, estava retomando minha fase ativa.

No começo, correr era apenas uma desculpa para escapar das quatro paredes da quarentena. Mas, em novembro, dei um passo além e me juntei a um clube de corrida. Todos usávamos máscaras, então eu só conhecia meus colegas de corrida pela metade superior do rosto. Foi nessa época que decidi baixar o Strava, um aplicativo de rastreamento esportivo e rede social que, na última década, basicamente monopolizou esse espaço. Meus amigos corredores me incentivaram a entrar para que eu pudesse dar “kudos” nas corridas deles. Era mais uma forma de conexão em um momento em que todos nos sentíamos tão isolados, e me ajudou a manter a motivação enquanto treinava para minha primeira maratona completa.

Desde então, o Strava me ajudou a continuar em contato com amigos do meu antigo grupo de corrida em Nova York e a fazer novos amigos corredores nos Catskills. Usei o app para registrar meu treinamento para várias provas e receber lembretes úteis, como quando era hora de aposentar um tênis de corrida. O aplicativo até acompanhou minha nova paixão pelo ciclismo. Mas, no ano passado, uma conversa me fez encarar uma questão difícil: será que o Strava estava prejudicando minha corrida?

O Strava está me deixando estressada?

Percebi que o Strava estava me afetando quando, durante uma viagem de carro, meu parceiro e eu discutíamos meu plano de treinos para a maratona. Eu disse que estava muito estressada com isso, sem entender bem o motivo. Mas ele parecia já saber. Ele virou para mim, olhou diretamente nos meus olhos e perguntou:

“Você já reparou que nunca faz suas corridas leves realmente leves?”

Fiquei chocada. Ele estava insinuando que eu estava “trapaceando” no meu treinamento? Eu era totalmente dedicada ao meu plano, e essa acusação repentina parecia um ataque. Até que percebi que ele tinha razão.

Eu estava correndo minhas “corridas leves” a um ritmo de 05:25 por km —apenas 28 segundos por km mais lento que o meu ritmo de prova de 5K. Segundo especialistas, o ideal é que as corridas leves sejam feitas de 56 segundos a 01 min e 15 por km mais lentas que o ritmo de maratona. A menos que estivesse correndo de forma descontraída com o grupo, eu claramente não estava pegando leve o suficiente.

Pensei muito sobre a pergunta dele. Por que eu não conseguia fazer minhas corridas leves realmente leves? Com cerca de 15 anos de experiência na corrida, várias meias-maratonas e um ciclo completo de treinamento para maratona no currículo, eu sabia dos benefícios de desacelerar. Correr devagar previne o desgaste, reduz o risco de lesões e fortalece a base aeróbica—fatores essenciais para uma boa preparação.

Foi então que percebi que o problema podia ser o Strava. Será que eu estava tão ansiosa para manter um bom desempenho no aplicativo que tinha medo de parecer “lenta” para meus amigos?

Ao revisar meu histórico de treinos, percebi que frequentemente deixava de postar corridas em que minhas pernas estavam pesadas. Afinal, qual o sentido de compartilhar uma corrida “ruim”? Mesmo depois das minhas melhores corridas, me pegava desanimada ao rolar pelo feed do Strava. Eu estava me comparando com os outros e isso estava me consumindo.

Não dava para negar que essa comparação constante estava sabotando meu treinamento. Então, decidi buscar ajuda de especialistas.

Claro, o Strava tem seus benefícios

Nem todos os aplicativos de monitoramento de corrida são iguais e, obviamente, nem todo mundo se sente como eu. Na verdade, esses aplicativos podem ser extremamente úteis para corredores de todos os níveis. Conversei com Craig Kain, PhD, que lecionou psicologia do esporte no Departamento de Cinesiologia da Cal State University Long Beach, nos Estados Unidos. Ele é corredor e já trabalhou com atletas de endurance. Concordamos que há muitos benefícios no monitoramento das corridas—o principal deles é a responsabilidade.

“Ver um calendário com os treinos que fizemos—e, talvez ainda mais importante, os que não fizemos—pode nos ajudar a manter o plano de treinamento”, diz ele. “Poder visualizar nosso progresso pode servir como reforço positivo e validar nossas conquistas de uma forma que aumenta nossa autoestima.”

O aspecto social do aplicativo também pode ser uma ferramenta poderosa de motivação. “Saber que outras pessoas verão nosso progresso pode ser um forte incentivo para mantermos o ritmo”, explica. “Além disso, acompanhar os treinos de amigos pode trazer uma competição saudável e nos motivar a treinar mais do que faríamos sozinhos.”

E, às vezes, essa competição pode até ser divertida. Mas, no meu caso, a competição estava longe de ser amigável.

Nunca leve o suficiente

Muitos corredores, como eu, já sentiram os impactos negativos das redes sociais de monitoramento esportivo. Teresa Behrend Fletcher, PhD, diretora e professora do programa de esporte e performance humana da Adler University, também nos EUA, acredita que a linguagem usada nesses aplicativos pode afastar algumas pessoas.

“O termo ‘corrida leve’ pode nunca parecer leve de verdade, o que pode fazer alguém pensar que está fazendo algo errado, que não é apto o suficiente para completar a corrida ou o programa”, explica. “O esforço na corrida é subjetivo e pode variar de um dia para o outro, tornando essa métrica confusa.”

Vejo isso o tempo todo. Na semana passada, por exemplo, vi um corredor no Strava postando uma “corrida de recuperação” a um ritmo de 04:30 por km. Embora seja um pouco mais lento que o ritmo dele em treinos intensos, uma verdadeira corrida de recuperação para ele deveria estar entre 05:54 e 06:13 minutos por km.

Revirei os olhos ao ver a postagem, mas sei que sou parte do problema. Já fiz a mesma coisa inúmeras vezes.

A armadilha da comparação na corrida

Craig Kain me enviou um ensaio chamado Explorando o lado obscuro dos rastreadores de fitness” [em tradução livre], de John Toner, PhD, professor de coaching esportivo e performance da Universidade de Hull, no Reino Unido. O artigo argumenta que, apesar de motivadores, esses aplicativos também podem gerar ansiedade. Eu não estava sozinha.

Enfrentando minhas dificuldades mentais

Ao longo da vida, sempre pratiquei esportes individuais—Tae Kwon Do, esqui alpino e corrida. Mas nunca superei completamente o lado mental desses esportes. Na equipe de esqui do ensino médio, meu técnico sempre dizia que meu maior obstáculo era eu mesma. Pedi a ele um último incentivo antes da minha primeira maratona, mais de dez anos depois.

Correr é tanto um esporte mental quanto físico. E essa força mental só pode ser desenvolvida por mim. Os “kudos” do Strava estavam apenas mascarando minha insegurança. Por que eu não podia me sentir satisfeita com meu verdadeiro ritmo, por mais lento que fosse, se eu estava progredindo?

Percebi que meu problema não era o Strava, mas sim minha insegurança com a corrida. O primeiro passo é aceitar isso. Talvez eu não precise parar de usar o aplicativo, mas posso estabelecer um novo objetivo: não olhar para o rastreador até terminar o treino. Se precisar parar ou diminuir o ritmo, que seja. O mais importante é minha corrida, no meu tempo.