Capitã, mãe e multiatleta: Camila Nicolau entra para o Hall da Fama da Corrida de Aventura

Por Alexandre Versiani

camila nicolau
Líder da vencedora equipe Brazil Multisport, Camila Nicolau agora faz parte do seleto Hall da Fama da Corrida de Aventura. Foto: Arquivo Pessoal.

Liderar uma equipe de corrida de aventura não é tarefa fácil. Durante uma prova, o capitão é responsável por funções cruciais como avaliar constantemente a condição de cada atleta, antecipar ameaças e oportunidades, planejar os descansos, gerir a nutrição, hidratação e o emocional do grupo. Cada decisão, por mais difícil que seja, impacta diretamente o desempenho e o resultado final da equipe.

A paulista Camila Nicolau, capitã da equipe Brazil Multisport — a melhor equipe brasileira no ranking mundial da modalidade — conhece bem essa realidade. Desde 2021, ela está à frente de um time com DNA vencedor, que já conquistou resultados inéditos nos principais eventos globais da Adventure Racing World Series (ARWS).

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Atual terceira colocada no ranking, a Brazil Multisport lidera a chamada “tempestade brasileira” no Circuito Mundial. Apesar da tradição no esporte, o país carecia de conquistas significativas no cenário internacional. Esse panorama mudou com a chegada da Brazil Multisport em 2021: além de competir de igual para igual com as melhores equipes do mundo, hoje o país exporta grandes atletas e encerrou a última temporada com quatro equipes entre as 25 melhores no ranking da ARWS, um marco histórico.

No mês de dezembro, o protagonismo de Camila como capitã e incentivadora do esporte foi oficialmente reconhecido: ela passou a integrar o primeiro grupo de brasileiros a ser incluído no Hall da Fama da Corrida de Aventura. Camila recebeu a honraria ao lado de outros quatro brasileiros: seu marido, parceiro de equipe e navegador da Brazil Multisport, Guilherme Pahl, além de Thiago Bonini, Marianinha Pontes, da equipe franco-brasileira AKSA Expenature, e Marco Amselem, integrante da espanhola Vidaraid.

Brasileira é reconhecida pela Adventure Racing, entidade que organiza as principais competições de corrida de aventura no mundo. Foto: Arquivo Pessoal.

“Fico muito honrada em fazer parte do Hall da Fama deste esporte que tanto amo”, afirma a atleta, que teve o seu primeiro contato com os esportes de aventura há mais de 25 anos, durante uma descida despretensiosa de rafting pelo Rio Juquiá, em Juquitiba (SP). Desde então, ela abraçou a versatilidade das corridas de aventura e vêm colecionando feitos inéditos com a Brazil Multisport, como o tricampeonato sul-americano, além de uma histórica vitória em etapa do Mundial, em 2022, no Panamá. 

“O resultado vem da constância, colhemos o que plantamos e a ideia é continuar a plantar ideias para as futuras gerações da corrida de aventura. Temos o sonho de ser a primeira equipe brasileira campeã mundial, mas honramos a história do esporte no Brasil e todos os atletas que vieram antes de nós, mostrando o caminho”, diz Camila, de 39 anos.

Ao contrário do que muitos possam imaginar, em uma corrida de aventura a liderança não está relacionada ao poder, mas à capacidade de inspirar confiança e alinhar os integrantes do time. Entender como essa liderança é percebida pelos outros faz toda a diferença, e a confiança no capitão é essencial para o sucesso da equipe.

“Liderar é fazer com que os outros compreendam o motivo das suas decisões, sem impor, mas cativando com competência e consciência”, explica Camila, que equilibra sua rotina entre os treinos, a maternidade, a gestão da Oficina Multisport — sua empresa de consultoria esportiva — e as longas viagens para competir dentro e fora do Brasil.

Camila ao lado dos integrantes da Brazil Multisport no Mundial do Equador: seu marido Guilherme Pahl, além de Jonas Junckes e Jay Jantaraboon. Foto: Arquivo Pessoal.

Foi justamente em uma dessas viagens que, no último mês de dezembro, Camila desembarcou no Equador para mais um grande desafio: a grande final mundial da Adventure Racing World Series. À frente da Brazil Multisport, sua equipe brilhou novamente, chegando muito perto do título inédito.

A prova foi realizada nos arredores de Cuenca, sul do país, e incluiu como modalidades principais navegação, trekking, MTB e rafting. Foram 558 km percorridos, enfrentando rios sinuosos, florestas densas e algumas das colinas mais desafiadoras do país durante cinco dias — tudo de maneira autossuficiente.

Graças ao desempenho consistente nos últimos anos, a equipe brasileira chegou à prova como uma das favoritas, mas teve pela frente adversários de peso, incluindo todas as dez melhores equipes do ranking mundial.

Diferentemente das três edições anteriores, em que precisou recuperar posições após uma largada difícil, desta vez a Brazil Multisport manteve-se entre os líderes durante toda a competição, disputando lado a lado e com reais chances de trazer o título inédito para o Brasil.

“Infelizmente, um dos nossos atletas sofreu uma queda de bike no arame farpado e precisamos ativar o ‘modo sobrevivência’, ao invés do ‘modo competição’, para poder completar a prova”, conta Camila. “Na chegada, ele foi direto para o hospital e tomou 18 pontos em um dos cortes”, relembra a atleta, que cruzou a linha de chegada na quarta colocação. 

Apesar de o pódio ter escapado, para ela o evento no Equador foi mais uma lição de resiliência, trabalho em equipe e incrível determinação de todos os integrantes da Brazil Multisport.

“Em 2024 optamos em correr apenas duas provas do Circuito Mundial, sendo uma classificatória e outra a final do Circuito, e obtivemos ótimos resultados (2o e 4o lugar), mas mais do que isso, trabalhamos para evoluir os pontos fracos que já havíamos identificado o ano passado após o último mundial na África do Sul e foi muito gratificante ver essa mudança no Equador”, conta.

A entrega total de todos na equipe também mostrou novamente o quanto a corrida de aventura pode trazer lições valiosas para a vida. “Dizem que pessoas transformadas transformam pessoas. Os 21 anos como atleta de corrida de aventura trouxeram lições valiosas para minha evolução como ser humano. Como mãe, busco aplicar estes aprendizados com leveza e generosidade ao meu filho. Como treinadora, encorajo e compartilho minha experiência com meus atletas e me inspiro e me motivo com suas conquistas”, afirma.

Atleta procura transmitir os aprendizados do esporte ao seu filho, o pequeno Kilian. Foto: Arquivo Pessoal.

Desenvolver mais paciência, empatia, eficiência, capacidade de trabalhar em equipe, coragem para sair da zona de conforto, enfrentar fraquezas e, sobretudo, ajudar e ser ajudada pelos companheiros a superar limites físicos e mentais, enquanto expande sua consciência, são algumas das habilidades que a multiatleta afirma ter adquirido ao longo de sua trajetória.

“Essa dedicação aos esportes e todos esses aprendizados me fizeram enxergar o mundo com outros olhos. Iniciei a busca por um estilo de vida mais sustentável e ajudar as pessoas a alcançarem isso me completa. Através do esporte podemos ser mais calmos, alegres, podemos conhecer pessoas, viajar o mundo, se auto conhecer profundamente e com isso ter longevidade”, finaliza a atleta, que agora faz parte do seleto grupo do Hall da Fama do esporte.