O dia em que nossa cadela salvou meu marido após um grave acidente na neve

Por Claire Cameron

A heroína Phoebe. Foto: Claire Cameron.

Meu marido bateu em uma árvore enquanto esquiava, ficou isolado, ferido e com a luz do dia se esvaindo rapidamente. Sem um meio de chamar ajuda, sua única esperança era nossa cadela, Phoebe

Meu marido, Dave, estava esquiando em uma encosta arborizada atrás de nossa cabana, perto de Collingwood, Ontário, Canadá. Era um daqueles raros dias perfeitos quando ele saiu com nossa cachorra, Phoebe. A neve fofa os atraiu.

Phoebe adora esquiar. Ela é uma golden retriever e muito caseira, com características criadas para a vida doméstica. Seu nome vem de uma personagem de Friends, e combina com ela. Nas encostas, ela salta pela neve atrás dos esquis de Dave. Quando chegam ao final do percurso, ela se vira e corre para casa.

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Naquele dia perfeito, Dave e Phoebe fizeram três descidas. Na quarta, a borda do esqui de Dave bateu em um tronco caído. O impacto o lançou para frente. Com o tronco de um bordo se aproximando rapidamente, ele se lembra de pensar: “É melhor eu mover minha cabeça.”

Depois disso, tudo ficou escuro.

Dave e Phoebe. Foto: Claire Cameron.

Eu poderia contar essa história de outra forma: poderia ser sobre todas as árvores que Dave não acertou.

Na primeira vez que nos conhecemos, eu o vi fazendo uma curva apertada na face do Mount Washington, no Oregon. Ao longo dos anos, ele percorreu as árvores das Cascatas Centrais. Esquiamos em geleiras, vulcões e bosques, e ele sempre saiu ileso. Mas o perigo encontrou Dave no dia em que ele esquiou pouco para fora da nossa porta dos fundos.

Quando Dave recobrou a consciência, estava a cerca de 100 metros da nossa cabana, descendo a encosta. Ele sentiu algo preso no pescoço. Quando tentou afastá-lo, percebeu que era sua própria clavícula.

Embora não soubesse na hora, ele havia colidido de peito contra a árvore. Sua cabeça foi poupada, mas ele tinha 16 ossos quebrados.

Seus esquis ainda estavam presos às botas. Ele tentou se virar, mas desmaiou e acordou mais abaixo na encosta.

A cabana à noite. Foto: Claire Cameron.

Phoebe, nossa cachorra, arfava, nervosa, correndo em círculos ao redor de Dave. Eram quase 16h. A luz estava se esvaindo; o sol se poria em mais 30 minutos. Ele teve um pensamento vago sobre seu celular, mas ele estava enterrado sob uma camada de roupa no bolso traseiro. Ele não conseguia alcançá-lo.

Não é ideal fazer atividades em áreas remotas sozinho, mas isso virou um hábito quando nossos filhos eram pequenos. Se você não aproveitasse cada momento livre, provavelmente perderia sua chance.

Agora, Dave lutava contra a vontade de se sentar e fechar os olhos. A temperatura estava bem abaixo de zero graus Celsius.

Ele conseguiu tirar os esquis. A guia da cachorra estava enrolada em seu ombro. Ele puxou a ponta para prender o braço contra o corpo. A guia virou uma tipoia, o que reduziu a dor da clavícula o suficiente para que ele não desmaiasse. Com os bastões de esqui em uma das mãos, deu um passo. Cambaleou, quase desmaiou de novo e olhou para o alto da colina. Para que lado ficava a cabana?

Phoebe tem hábitos caseiros. Foto: Trish Mennell.

Daquele ponto da encosta, ele não conseguia vê-la. Sua visão tinha se estreitado como se estivesse dentro de um túnel. A direção parecia confusa. Ele só conseguia focar no que estava bem à sua frente.

O que apareceu naquele campo de visão reduzido foi Phoebe. Ao olhar nos olhos dela, Dave percebeu que ela queria correr para casa, como sempre fazia.

“Vai”, ele disse, pensando que, se Phoebe aparecesse sozinha na porta de casa, alguém poderia estranhar e se perguntar o motivo. “Vai para casa”, repetiu.

Um cachorro pode ser um herói? A pesquisadora de cognição canina Alexandra Horowitz questiona se os cães podem, intencionalmente, resgatar pessoas em perigo. Ela cita um estudo que testou a capacidade de resgate de cães domésticos (e não de cães treinados para isso). No experimento, uma pessoa foi colocada dentro de uma caixa e começou a gritar pedindo ajuda. Então, seu cachorro era solto para ver a reação. Segundo a pesquisa, um em cada três cães “resgatou” seu tutor da caixa.

Clive Wynne, o principal pesquisador do estudo, afirma que é difícil avaliar a intenção do cachorro. Ele ajudou por altruísmo ou simplesmente porque aquilo também o beneficiava de alguma forma? Wynne acredita que, ao encontrar uma maneira de acabar com o sofrimento do humano, os cães também se sentiam melhor.

Mas, em vez de correr para casa, Phoebe se virou, deu alguns passos e esperou. Dave avançou um pé, apoiou um bastão de esqui e deu um passo doloroso. (Mais tarde, descobriria que oito de seus ossos quebrados eram costelas.) Phoebe deu mais um passo e esperou de novo. Dave foi avançando, centímetro por centímetro. Ele manteve os olhos fixos na traseira dela e no rabo que se movia devagar.

Aquele rabo virou sua única referência. Passo a passo, Phoebe seguia sempre um pouco à frente. Ele perdeu a noção do tempo. Tudo que lembra é que estavam subindo a encosta — e que manter o rabo da cachorra no campo de visão era como um fio de vida. No meio do caminho, parou e teve dificuldade para respirar. Achou que algo tinha acontecido com seu pulmão. Mais tarde, descobriria que ele estava perfurado.

Eles continuaram avançando juntos. Quando o rabo de Phoebe finalmente parou, Dave olhou para cima e, para sua surpresa, viu a casa. Ela o havia guiado até a porta da frente. Ele chamou, e nós corremos para ajudá-lo.

Mais tarde, refiz os passos deles morro acima. As pegadas não seguiam o caminho mais íngreme ou direto. Phoebe guiou Dave por uma linha constante, um trajeto que ele conseguiria suportar. Ela ficou ao lado dele o tempo todo.

Quando vi Dave na emergência, ele usava um colar cervical. Os médicos o levaram para fazer exames e, eventualmente, encontrariam os 16 ossos quebrados, incluindo alguns nas asas das vértebras. O acidente não deixou sequelas permanentes; ele teve uma sorte incrível. Dois anos depois, Dave está totalmente recuperado, embora um pouco mais torto do que antes.

Mas, naquele momento, no hospital, uma enfermeira tinha acabado de injetar Fentanil nele. Ele estava relativamente lúcido, ainda que um pouco grogue, quando começaram a levá-lo para mais exames, mas havia algo que ele precisava dizer.

Quando me aproximei, percebi que, na mente de Dave, não importava se as intenções de Phoebe eram altruístas ou não. Não havia necessidade de questionar isso. O que realmente importava era a presença dela. Ela ficou com ele, e isso foi o que lhe deu força.

Ele sussurrou no meu ouvido:

“Phoebe salvou minha vida.”