Um dos lugares mais quentes da Terra, o Vale da Morte foi batizado assim pelos aventureiros que ousaram atravessá-lo ainda no século 19, atraídos pela corrida do ouro. Quase 200 anos depois, é outra corrida que tem dominado o cenário desta inóspita região do Deserto de Mojave, na Califórnia (EUA).
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Criada em 1987, a Badwater 135 é uma ultramaratona de 217 km (ou 135 milhas) disputada todos os anos no mês de julho. Considerada por muitos como a corrida mais difícil do Planeta, os atletas precisam percorrer a distância total em até 48 horas, sob temperaturas que facilmente ultrapassam os 50°C.
Desde a primeira edição da prova, menos de 1.000 atletas chegaram até o final. Para se ter uma ideia da dificuldade, as condições costumam ser tão insanas durante o evento que os corredores precisam correr na linha branca do asfalto para o tênis não derreter. A umidade do ar gira em escassos 3%, enquanto as temperaturas podem alcançar 100ºC no asfalto.
Inferno na prática
Existem mais pessoas que chegaram ao topo do Everest do que pessoas que concluíram a Badwater. A lembrança é de Alexandre Castello Branco, 41 anos, ultramaratonista carioca especialista em provas extremas e que nesta temporada tentará ser o 32° brasileiro a cruzar a linha de chegada em toda a história do evento.
Alexandre participará da Badwater pela segunda vez consecutiva. Em 2022, com pouco mais de 120 km de corrida, ele “derreteu”, sendo derrotado pelo deserto ao correr em um trecho com temperaturas acima de 60ºC.
Para esse ano, além de aumentar o volume de treinos, ele acredita que estará mais preparado inclusive na parte mental.
“O objetivo em toda a prova é fazer de tudo para não deixar o ‘motor’ ferver. Não é uma tarefa fácil. Agora já sei na prática o inferno que é correr lá. Eu e minha equipe já aprendemos como se joga esse jogo”, destaca Castello Branco.
Como as condições são extremas, cada atleta precisa levar obrigatoriamente uma equipe de apoio com no mínimo duas pessoas. A equipe é responsável pela hidratação, alimentação e por fazer de tudo para levar o atleta vivo até o final.
“Praticamente tudo no carro de apoio precisa estar dentro de um cooler ou isopor com gelo, pois mesmo dentro do veículo, com o ar-condicionado no máximo, as coisas simplesmente derretem”, relembra Alexandre.
Além de utilizar roupas com proteção UV e de preferência em cores claras, existem dois itens que são muito utilizados e podem ser a diferença entre concluir ou não a prova.
Para Alexandre, os itens inseparáveis são um lenço ou bandana recheados de gelo e que vão amarrados ao pescoço, “com o objetivo de refrescar e baixar um pouco a temperatura do corpo”; e um borrifador de jardim, para borrifar água gelada no corpo durante todo o trajeto.
A prova
Neste ano, a Badwater está marcada para o dia 4 de julho, mesma época em que foi registrada no local a temperatura mais alta da história das Américas (América do Sul, Central e do Norte) e a segunda mais alta de todo o Planeta: 56,6°C em 1913.
Alexandre reforça que a Badwater 135 não é uma corrida que qualquer um pode se inscrever e tampouco existe um sorteio, e apenas 100 atletas do mundo todo são convidados anualmente.
“O processo seletivo é bem rigoroso. É preciso ter competido (e concluído) algumas das provas mais desafiadores do mundo nos últimos 13 meses e também é feita toda uma análise do currículo do atleta. Quase uma entrevista de emprego”, ressalta.
Desde a criação da prova, em 1987, apenas 31 brasileiros cruzaram a linha de chegada. Na edição desse ano, além de Alexandre Castello Branco, haverá outra brasileira, a curitibana Zilma Rodrigues, que também tentará concluir a prova pela primeira vez.
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“O calor é o fator mais complicado em toda a prova. Como a largada acontece à noite, a temperatura está mais amena, mas mesmo assim continua sendo muito quente. No ano passado larguei às 20 horas e estava fazendo 49°C. Por causa disso, os trechos onde o sol e o calor estão no seu pico (e no deserto ele costuma ser no meio da tarde) são os mais críticos, porque é ali que o atleta colocará o seu corpo à prova”, explica Alexandre.
Como a prova é toda realizada em estradas de asfalto, o calor irradiado do chão torna a sensação térmica ainda pior.
“A prova começa com trechos mais planos e a segunda metade é recheada de subidas insanas, o que torna a missão ainda mais difícil, já que teoricamente os piores trechos serão feitos com todo o cansaço de dezenas de quilômetros nas costas. Após os primeiros 72 km mais ‘suaves’ vem um trecho de 28 km seguidos só de subida, que geralmente são feitos durante o dia, num calor infernal”, narra Castello Branco.
Soma-se isso ao fato de que existem tempos de corte ao longo da corrida, que obrigam os atletas a percorrerem um determinado número de quilômetros em um tempo específico, e o primeiro tempo de corte é justamente o mais justo de todos, por uma obrigação do Parque Nacional do Vale da Morte. “Então é preciso literalmente correr atrás do tempo para não ser cortado na primeira metade da prova”, pontua Alexandre.
Em busca de apoio
Com a prova marcada para o dia 4 de julho, feriado da Independência nos EUA, os custos de hospedagem, passagens aéreas e aluguel de carro aumentam ainda mais no país. Por conta dessas e outras despesas, Alexandre conseguiu apoiadores, mas ainda segue em busca de outros para finalmente derrotar o Vale da Morte.
“Desde o ano passado estou com essa prova engasgada na garganta e quero provar a mim mesmo que com muita dedicação e foco posso conseguir. E acima de tudo: estar no clube exclusivo de brasileiros que se desafiaram lá e voltaram vitoriosos. A minha hora vai chegar”, finaliza Alexandre, que afirma se inspirar nos brasileiros Valmir Nunes e Marcos Farinazzo, que venceram a corrida mais difícil do mundo em 2007 e 2009, respectivamente.
Para acompanhar a rotina do atleta, siga @xandicastellobranco no Instagram.