Como Gustavo Batista de Oliveira, o Bala Loka, saltou da periferia de Carapicuíba para brilhar nas Olimpíadas
Depois dos Jogos Olímpicos de Paris 2024, ficou difícil conhecer um brasileiro não familiarizado com o apelido Bala Loka. Com giros e saltos que desafiaram as leis da física, Gustavo Batista de Oliveira, 22 anos, brilhou no céu da capital francesa com o melhor resultado da história do nosso ciclismo em Olimpíadas. Bala Loka terminou a final do BMX Freestyle em sexto lugar e colocou o Brasil em evidência em uma modalidade nova no contexto olímpico, mas que vem ganhando visibilidade no cenário internacional há bastante tempo.
Inspirado nos movimentos dos pilotos de motocross, o BMX Freestyle nasceu na Califórnia, nos Estados Unidos, no final dos anos 1970. Dividido nas categorias Street, Park, Mini Ramp, Dirt Jump, Flatland e Vertical, o esporte tornou-se popular nas décadas seguintes e passou a ser integrado às grandes competições de esportes extremos, como o X-Games, nos anos 2000. Em Tóquio 2020, o Freestyle finalmente fez sua estreia olímpica com a modalidade Park, mas ainda sem brasileiros na disputa.
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Responsável por apresentar o BMX a milhões de pessoas em terras verde-amarelas, Bala Loka iniciou sua jornada longe das pistas de concreto, no chão batido dos “terrões” de Carapicuíba, na Grande São Paulo, onde arriscou as primeiras manobras aos 7 anos, com uma bike recuperada de um ferro velho.
O apelido surgiu nos tempos de infância, depois de um voo arriscado sobre uma mesa de dois metros que resultou em acidente. Nesta época, Bala ainda disputava o Dirt Jump, modalidade praticada em rampas de terra. Ao migrar para o Park no embalo de feras como Leandro Moreira, o “Overall”, também expoente de Carapicuíba, Bala começou a acumular títulos com a mesma velocidade de um projétil. Nos últimos anos, trouxe conquistas inéditas para o Brasil, como a medalha de bronze nos Jogos Sul-Americanos de 2022 e o bronze nos Jogos Pan-Americanos de 2023.
Assim como o surf e o skate, o BMX Freestyle é uma das modalidades mais recentemente integradas ao cronograma olímpico. No entanto, ao contrário dos irmãos rebeldes – modalidades em que o Brasil sempre despontou como forte candidato ao pódio – no BMX Freestyle não havia representantes classificados até poucas semanas antes dos Jogos de Paris. Foi no apagar das luzes, graças a uma performance avassaladora no pré-olímpico de Budapeste, que Bala Loka garantiu a vaga inédita para o país. Ali ele também mostrou que poderia brigar de igual para igual contra os melhores riders do mundo em busca de uma medalha no maior evento esportivo do Planeta.
No entanto, o pouco tempo de preparação acabou impactando o desempenho do brasileiro. Do pré-olímpico até os Jogos foram apenas 20 dias para trabalhar corpo e mente. “Como não tinha muito tempo, procurei manter a mesma rotina de sempre: me alimentar bem, cumprir a rotina na academia, andar de bike e treinar ao máximo”, relata Bala.
Nos dias de batalha na efervescente arena de La Concorde, sob um calor de quase 40 graus, Bala Loka avançou até a final após uma apresentação consistente na fase eliminatória. Na grande decisão, ele sacou seu repertório ninja da cartola e melhorou o score, arrancando o sexto lugar com duas voltas limpas de 90.20 e 88.88 pontos. Mesmo sem pódio, deixou os brasileiros “balalokizados” e escreveu seu nome na história com o melhor resultado de um brasileiro em todas as modalidades do ciclismo em olimpíadas.
“Mesmo sem pódio, Gustavo deixou os brasileiros “balalokizados” e escreveu seu nome na história com o melhor resultado de um brasileiro em todas as modalidades do ciclismo em Olimpíadas.”
“Fazia muito tempo que eu não sentia esse nervoso de andar de bike numa competição, de suar frio e tudo mais. Costumo ser bem calculista nas minhas voltas, só que nessa competição, sendo as Olimpíadas, a maior competição do mundo, acho que isso bagunçou um pouco a minha cabeça. Pode ter complicado o resultado final, mas consegui o sexto lugar e o melhor resultado que o ciclismo inteiro do Brasil já teve. Fico muito feliz com isso”, comenta o atleta de Carapicuíba.
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O nascimento de um ídolo
Desde que começou a decolar nas rampas do Caracas Trail, em Carapicuíba — a pista de Dirt Jump mais famosa do Brasil — Bala Loka já aspirava grandes conquistas. Mas nem nos melhores sonhos imaginava alcançar uma final olímpica com apenas 21 anos, o que exigiu trabalho duro e muito sacrifício, com mudanças importantes em sua rotina.
A principal delas foi sair de Carapicuíba, a capital do BMX brasileiro, para morar em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Ali, Bala tornou-se um atleta de alto rendimento, passou a integrar a seleção nacional e treinar na estrutura do CT BMX. Apesar do caminho pavimentado e do suporte do COB e da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), Bala ainda considera que o cenário brasileiro precisa evoluir, especialmente quando compara as pistas nacionais com as que encontra no exterior.
“Hoje no Brasil a gente não tem rampas parecidas com as de competições de que participo lá fora”, pontua. “Tem algumas semelhantes aqui em São Bernardo, o tamanho e tudo mais, mas não se compara realmente. Todos os outros países que ganharam medalha, têm o seu Park, a sua pista, que é bem semelhante às das etapas de Copa do Mundo, Mundial e também Olimpíadas. São bem grandes, bem altas. Então eu acredito que a gente possa trabalhar nisso e desenvolver um novo Centro de Treinamento para esse próximo ciclo”, reforça o brasileiro.
Da Cohab 2 de Carapicuíba, onde tudo começou, até a final olímpica em Paris, Bala garante que a fórmula do sucesso está em manter a mesma essência que o impulsionou ao topo do BMX brasileiro. Com um apelido que reflete sua ousadia, ele encara cada desafio como uma grande diversão. “Vou seguir esse caminho que desde criança eu sigo. Que é sempre andar com felicidade, com meus amigos, sem essa de rivalidade, sabe? Sem ter aquela coisa na cabeça ‘ah, é campeonato, eu preciso ganhar’. Sim, eu quero ganhar, mas se não ganhar tudo bem. É sobre ter esse conforto mental, sabe? Então eu sempre tenho isso em mente. O que for pra ser, vai ser”, afirma Bala.
Logo após as Olimpíadas, o brasileiro, que nunca tinha quebrado nenhum osso, “rachou” o cotovelo ao cair de uma manobra no CT de São Bernardo do Campo. Com o cotovelo quebrado, ele precisou passar por cirurgia e colocou uma chapa e oito parafusos no braço. De molho, Bala perdeu a etapa do X-Games em Chiba, no Japão, mas espera estar recuperado a tempo para o Mundial de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, a competição mais importante do calendário do BMX, em dezembro.
Enquanto se recupera, Gustavo vai colhendo os frutos de uma performance histórica em Paris. O celular não para de tocar com pedidos de entrevistas e nas ruas o brasileiro já escuta uma molecada atirada dizendo que começou a andar de BMX por causa dele. “Ser uma inspiração para essa garotada é realmente incrível e me deixa com ainda mais vontade de ser um dos melhores do mundo. Talvez minha participação nos Jogos tenha vindo para isso: para as pessoas conhecerem o BMX e descobrirem como é lindo o nosso esporte, como é da hora e divertido, né? Foi sim importante para a minha carreira, mas também para fomentar o esporte, devolver um pouco do tanto que o BMX fez por mim. Espero que isso resulte em novos talentos, evolução e visibilidade”, finaliza Gustavo.
*Trecho da reportagem “A receita de um campeão”, publicada na Go Outside 183.