Do Ártico à Antártica: bióloga brasileira explora os dois polos do mundo

Por Maysa Santoro*

Ártico Antártica
Em apenas quatro meses, Maysa Santoro visitou os extremos do Planeta. Foto: Arquivo Pessoal.

Um Planeta, dois extremos. O Ártico e a Antártica podem ser facilmente confundidos entre si por olhares desatentos, que enxergam apenas seus glaciares, icebergs e montanhas imponentes.

Mas, com um pouco de calma e observação, é possível identificar para além de uma paisagem frequentemente tomada pela neve. Isso significa que, apesar de similares, os extremos possuem diferenças principalmente quanto a sua fauna e flora.

Enquanto o Ártico é um oceano profundo coberto por uma fina camada de gelo marinho, a Antártica é um continente (e não somente um oceano rodeado por ilhas), coberta por uma calota de gelo muito espessa e cercada por uma borda de gelo marinho que expande no inverno e derrete no verão.

O primeiro possui vegetação do tipo tundra, abriga mamíferos terrestres como renas, morsas, raposa do ártico, lebres e o famoso urso-polar, mamífero marinho presente apenas no Hemisfério Norte.

O segundo quase não possui vegetação, sendo em grande parte formada pelas algas, liquens e musgos, além de não abrigar mamíferos terrestres, e sim marinhos como orcas, jubartes, focas e os pinguins, aves presentes somente no Hemisfério Sul.

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Diário de bordo

CAPÍTULO 1: O ÁRTICO
Iceberg na Groelândia. Foto: Maysa Santoro.

Era uma tarde decisiva para mim em Estocolmo, na Suécia, já que esperava a confirmação de um cliente para a próxima melhor expedição da minha vida.

As horas se passavam, eu não sabia se embarcava de volta ao Brasil ou se eu renovaria a minha estadia neste hostel simples no centro de uma das cidades mais caras do mundo.

Em um turbilhão de sensações e incertezas, finalmente veio a confirmação: “Maysa, tudo certo. Você irá para uma expedição de 15 dias no Ártico e o seu navio parte em quatro dias. Consegue?”.

Com certeza, mas não sem antes chorar muito de emoção e estudar tudo o que poderia sobre a região, já que uma das minhas entregas de trabalho seria escrever sobre o ecossistema geral das ilhas que exploraríamos próximas ao Polo Norte, como Svalbard, Groenlândia e Islândia.

Estava prestes a embarcar numa das jornadas mais esperadas da vida de qualquer pessoa que ama a natureza! Nosso navio de expedição partiu de Svalbard, arquipélago que pertence à Noruega e considerado a maior área selvagem da Europa.

Morsas descansam no arquipélago norueguês de Svalbard. Foto: Maysa Santoro.

Como esperado, já no primeiro dia de expedição tivemos um encontro mágico: morsas descansando em uma praia com uma geleira azul e montanhas ao fundo. Eu não pude acreditar no que via; havia pelo menos 20 delas quase sobrepostas no topo da areia.

Parecia um daqueles impressionantes documentários de natureza que vemos na televisão, mas ainda melhor, tinha frio, cheiros e perspectiva. O som delas era alto e vê-las interagindo umas com as outras foi memorável.

A morsa é a maior espécie de foca do Ártico e olhar para elas com respeito – e a uma distância segura – foi um presente! Mas o melhor ainda estava por vir.

“A hora chegou” pensei alto ao lado dos meus amigos exploradores. Uma das nossas maiores expectativas de toda a viagem era definitivamente ver o grande predador de ponta, os ursos-polares.

Em Svalbard os vimos muitas vezes, já que eles estão protegidos desde 1973 e estima-se que hoje existam três mil indivíduos no arquipélago. Um desses avistamentos foi único: avistamos um urso-polar no alto de uma colina, descansando na montanha.

Urso-polar, o ameaçado predador do Ártico. Foto: Maysa Santoro.

Dos zodíacos (botes infláveis que usávamos para sair do navio e nos aproximarmos mais da costa), pudemos nos aproximar com segurança e observá-lo de perto com nossos próprios olhos, e não somente através das lentes dos nossos binóculos.

Entre grandes predadores e pequenas vegetações, vimos as raposas do ártico caçando bem na nossa frente e na Groenlândia, considerada a maior ilha do mundo e 90% coberta por gelo, incontáveis geleiras e icebergs. De arrepiar!

O tradicional e revigorante polar plunge. Foto: Arquivo Pessoal.

Mas claro que a expedição não poderia acabar sem antes fazer parte de uma tradição da região: o polar plunge, um breve, mas memorável, mergulho polar!

Entrar em águas geladas coloca todos os nossos sentidos à prova. Não seria possível vivenciar tão profundamente uma jornada como essa sem estimular o nosso maior órgão do corpo.

CAPÍTULO 2: A ANTÁRTICA
O lugar mais frio, ventoso e seco do mundo: bem-vindo à Antártica. Foto: Maysa Santoro.

O ponto de partida para quem deseja conhecer o continente gelado é Ushuaia, na Argentina, considerada a cidade mais populosa ao sul do planeta, também conhecida como “a cidade do fim do mundo”.

De lá embarcamos no navio de expedição e o nosso destino era certo: atravessar o tão temido canal de Drake e alcançar a Península Antárctica.

Foram dois dias inteiros só de navegação em alto-mar para chegar lá, cinco dias inteiros explorando o continente e as ilhas ao redor e mais dois dias de travessia para retornar.

Mapa do temido canal de Drake, porta de entrada da Península Antárctica. Foto: Reprodução.

O canal de Drake é o oceano que fica entre a extremidade da América do Sul e a Península Antártica, tão temido pelas suas ondas e ventos violentos. A imprevisibilidade do tempo torna essa travessia ainda mais emocionante para quem navega: tudo pode acontecer, desde ondas de 1 metro a 10 metros de altura.

Felizmente a nossa ida foi tranquila e as ondas não passaram dos 3 metros. Nesse caminho foi possível estudar a bordo nas mais diversas palestras ministradas pelos biólogos guias de expedição, e sair para a proa do navio com binóculos para fazer identificação das aves marinhas que vivem justamente nesse pedaço de mundo, como algumas espécies de petréis e albatrozes.

Iceberg antártico.

O momento mais emocionante foi quando bem na virada do ano, à meia-noite, vimos o primeiro iceberg e as primeiras baleias jubartes se alimentando próximas a nós! Dia primeiro de janeiro de 2014… Chegamos!

Meia-noite e luz como dia! As regiões polares compartilham uma singularidade: o sol não se põe nos meses de verão, fenômeno chamado de sol da meia-noite ou em inglês midnight sun.

As baleias jubartes (nome científico: Megaptera novaeangliae), são baleias migratórias. Nessa parte do mundo, durante o verão, vão para a Antártica se alimentar principalmente de krill, pequenos crustáceos base da cadeia alimentar, e durante o inverno, se deslocam por mais de 3 mil km rumo aos trópicos para alcançar as regiões do Brasil, onde encontram temperaturas mais amenas para reprodução.

Estação argentina Brown Station. Foto: Maysa Santoro.
Os curiosos pinguins-gentoo, a terceira maior espécie de pinguim do mundo. Foto: Maysa Santoro.
Ártico Antártica
Amanhecer no continente gelado. Foto: Arquivo Pessoal.

Vale mencionar que os filhotes nascem com uma camada de gordura ainda fina para suportar as águas congeladas do sul, o que justifica a longa jornada. São animais fascinantes e vê-las pela sacada do quarto ao acordar foi mais um presente da expedição!

Me recordo de não conseguir fechar os olhos, sentar longe das janelas ou fazer qualquer outra coisa que não ficar olhando para esse continente. A Antártica é o lugar mais bonito que eu já vi na vida! Nunca valorizei tanto os meus olhos como aqui… Como é bom poder enxergar tanta beleza!

Não somente as gigantes gentis eram esperadas por nós, mas também os famosos pinguins e as focas de weddell e caranguejeira! Viagens como essa tem uma dinâmica interessante, em que duas vezes por dia temos a oportunidade de, ou descer em terra para longas e às vezes íngremes caminhadas, ou fazer um safári a bordo dos zodiacos, que nos permitem chegar mais perto dos glaciares e da vida marinha.

Ártico Antártica
As montanhas intocadas da Antártica. Foto: Maysa Santoro.
Ártico Antártica
Baleias-jubartes bem à vontade. Foto: Maysa Santoro.
Ártico Antártica
Visita a um vulcão ativo em Deception Island. Foto: Arquivo Pessoal.

Em uma dessas descidas, visitamos a base científica argentina Brown Station e tivemos a oportunidade de pisar nas bordas da cratera de um vulcão ativo, em Whalers Bay, Deception Island. Sim, existem vulcões em plena atividade por aqui, muito embora sem erupção vulcânica no momento.

A Antártica é um ambiente que nos atravessa e nos revira. O que eu era antes de vê-la, não sou mais. Isso me faz pensar em um trecho escrito por Mary Anne Radmacher: “Eu não sou mais a mesma depois de ter visto a lua brilhar no outro lado do planeta”.

TODOS PODEM CONHECER AS REGIÕES POLARES
Ártico Antártica
As morsas do Ártico. Foto: Maysa Santoro.

Ambas as expedições são turísticas. Os navios são menores do que um cruzeiro comum, comportando não mais que 200 passageiros e chamados de navios de expedição, pois dependem das condições do tempo para fazer a sua programação que pode mudar dia a dia.

Esse modelo de turismo visa enaltecer a natureza, oferecer aulas a bordo sobre os animais avistados, bem como as características dos ecossistemas e a relação de tudo o que vimos com as mudanças climáticas. É um modelo de turismo com educação que tem como objetivo aproximar as pessoas de ambientes remotos, mas que precisam de mais visibilidade.

Para visitar o Ártico certifique-se que a empresa faz parte da AECO e na Antártica, que faz parte da IAATO, organizações que regulamentam o turismo para que ele seja feito da forma correta minimizando os impactos ambientais a cada visita.

Cada vez que eu estou em um ambiente único como esse eu sinto um chamado forte para ação. É conhecendo que nos importamos e só nos mobilizamos para grandes mudanças quando de fato nos sentimos pertencentes.

Visitar as regiões polares é como abrir uma janela para um novo ambiente nunca antes visto em nenhum outro lugar do mundo.

O QUE LEVAR?
Ártico Antártica
Passeio ao lado de focas caranguejeiras. Foto: Maysa Santoro.

O importante é se vestir em camadas e garantir que a última seja impermeável.

O recomendável é usar uma camiseta primeira pele seguida de um fleece e uma calça primeira pele seguida de uma calça impermeável.

Usar acessórios como gorro, luvas e balaclava são essenciais.

Da empresa contratada nós ganhamos a bordo uma parka (casaco de duas camadas sendo a externa impermeável), uma garrafa retornável e botas impermeáveis.

PARA RESERVAR

A empresa Epic Polar é referência em expedições polares tanto para o Ártico como para a Antártica.

Para garantir 5% OFF e ainda um crédito de US$ 150 (cerca de R$ 750) para usar a bordo, mencione o meu nome Maysa Santoro no momento da reserva.

TEMPORADAS

Ártico: de abril a outubro

Antártica: de novembro a março

*Maysa Santoro é bióloga, fotógrafa, líder de expedições e criadora de conteúdo. Para acompanhar suas aventuras, siga o perfil @maysasantoro no Instagram.







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