A ciclista capixaba Helena Coelho conta como, em três meses, saiu de uma lesão – que aconteceu em meio a momentos difíceis de sua vida pessoal – e conseguiu completar a Across Andes, uma prova autossuficiente de bikepacking de mais de 1.000 km no Chile
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Me chamo Helena Coelho e sou atleta de gravel (bicicleta híbrida para terra e asfalto) desde 2019 e embaixadora da Swift. Três semanas antes da minha prova-alvo do ano de 2023 (BikingMan Brasil), eu caí de bicicleta durante um treino. O resultado: um dedo quebrado e uma previsão de um mês sem pedalar.
A queda não só resultou em um dedo quebrado, mas também revirou minha vida do avesso. Tinha me mudado de Belo Horizonte para São Paulo há 3 ou 4 meses, para o emprego dos sonhos. Mas estava sem pedalar, vivendo no ritmo acelerado de trabalho de um escritório de advocacia: não dei conta, a ansiedade estava nas alturas. O resultado, depois de um mês, foi um pedido de demissão, mesmo sem saber como ficaria na cidade após essa decisão. Mas menos de uma semana depois, já tinha novo emprego em perspectiva.
A queda me obrigou a rever meus planos de prova. Até o próximo desafio que poderia entrar no lugar do BikingMan, eu tinha um pouco mais de dois meses: era o Across Andes, uma prova autossuficiente de bikepacking de 1.000 km no Chile, em novembro, em uma das regiões mais bonitas do mundo para pedalar. Acompanhada de profissionais muito sérios, como meu treinador Igor Pimentel e meu médico José Cruvinel, avaliamos juntos e eles disseram que eu teria condições de fazer a prova: tanto de retomar meu nível fitness quanto de reabilitar totalmente a mão quebrada. Trabalhamos duro pra isso; fiz fisioterapia praticamente todos os dias até véspera da prova.
Ainda sem força na mão, precisava comprar a passagem e questionei meu fisioterapeuta. Ele me liberou pra comprar e garantiu que eu teria força até a prova. Passagem comprada um mês antes. Sem força na mão, mas confiando no fisioterapeuta, tomei coragem e decisão de ir. Esse impulso me fez tirar forças pra voltar com tudo nos treinos, estava desanimada treinando no rolo e caminhando, fazendo o que conseguisse sem ter dor na mão. Com a liberação de ir pedalar na rua e a passagem em mãos, estruturamos os treinos para recuperar meu condicionamento a tempo da prova. E deu certo. Consegui crescer e segurar o volume, e o resultado me emocionou: na prova conseguimos alcançar o mesmo patamar de antes da queda.
Me preparei muito ao longo do ano, fiz viagens sozinha, bikepacking com amigos, provas de longa distância que me ensinaram muito, aqui merece uma citação especial os BRMs do Randonneurs Mogi das Cruzes. A cabeça e o corpo estavam prontos. Eu estava pronta para começar o maior desafio da minha vida, em outro país e numa carreira solo.
A prova
A Across Andes foi dura, linda e emocionante. Conheci várias pessoas pelo caminho; gosto de dizer sempre que “nunca estamos sozinhas”. Em nenhum momento me senti só. Encontrei amigos no caminho, fiz novos amigos, cantei sozinha em voz alta muitas vezes. Me sinto imensamente em paz quando pedalo em lugares novos, no meu ritmo, no meu tempo.
Não me preocupei em olhar o “livetrack” (sistema online que mostra a localização dos participantes), não estava preocupada com posição. Queria fazer da prova algo leve, aproveitar tudo que poderia, conseguir dormir e me organizar. Pedalei todos os dias e das 130h de prova, usei 126h. Peguei chuva, neve, ventos de 60km/h e nos últimos dias, sol! Na sexta-feira, no último dia, nas últimas horas, terminei a prova, com força, com um sorriso, com sol! Diante de condições climáticas duríssimas, o resultado foi que apenas 33% dos participantes terminaram a prova, e eu estava entre eles (mesmo que durante o pedal não estivesse acompanhado os números). Eu terminei, nós terminamos: um viva à bicicleta e à comunidade em torno do ciclismo!
*Helena Coelho é ciclista e criadora do Mulheres de Gravel, coletivo que que reúne praticantes e compartilha histórias de personagens desta modalidade de bike no universo feminino. A capixaba também já foi embaixadora do Rocky Mountain Games.