Cura psicodélica: o uso de substâncias lisérgicas em terapias ao ar livre

Por David Kushner

Mike Arnold, o fundador do Silo Wellness. Foto: Olivia Bee.

Natalia Del Campo vê a Blue Pool, ou Piscina Azul, reluzente como um oásis de inverno. Ela brilha sob uma trilha nevada e penhascos rochosos acinzentados, suas águas de um turquesa furta-cor ondulando sob a chuva torrencial da cachoeira Tamolitch.

É um dia claro de março em McKenzie Bridge, no Oregon (EUA), um vale ribeirinho na Floresta Nacional de Willamette, cerca de uma hora a leste de Eugene. Em 2020, um incêndio devastou 70 hectares da região. Até agora, a estrada que nos traz aqui cheira a cinzas; no caminho, você passa pelos restos enegrecidos de pinheiros e postes derrubados da linha de energia. O contraste faz a Blue Pool parecer ainda mais espetacular.

Natalia, uma pequena mexicana-estadunidense de 33 anos com cabelos escuros e curtos, também sente que está renascendo das cinzas. Ela teve um ano horrível: perdeu o emprego como gerente de bar por conta da covid-19, entrou em depressão durante a luta contra um transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) decorrente de uma agressão
sexual que aconteceu quando ela era adolescente, tentou suicídio e passou por tratamento psiquiátrico intensivo.

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Ela veio ao vale para limpar a cabeça, e parece estar tendo resultados. Aqui ela sente o espírito da terra, um vínculo profundo com as características naturais desse ambiente, incluindo o antigo fluxo de lava porosa através do qual o rio McKenzie se infiltra para formar a Blue Pool. Se ela olhar para uma árvore por tempo suficiente, vai vê-la iluminada, luzes circulando por todos os lados, tornando-a mais vívida e real do que nunca. Vê seus ancestrais através dos tempos, vivendo com a natureza nas sombra da história. Mais tarde, ela me diz que esses momentos parecem “uma interconexão… sabendo que você é parte de algo maior do que você, algo muito bonito e antigo”.

À medida que Natalia se aproxima da piscina, sente seus pés se enraizando no caminho lamacento, as árvores crescendo ao seu redor, a água subindo e descendo como ondas de luz que caem em cascata dentro de seu peito. “Não era como se eu fosse uma espectadora”, conta. “Ou como se eu estivesse na floresta olhando todas essas coisas. Era tipo… eu sou a floresta.”

A viagem sobrenatural de Natalia não aconteceu em carne e osso. Aconteceu em sua mente, depois de tomar cetamina, um composto sintético usado por médicos e veterinários para iniciar e manter a anestesia. A cetamina, que não é uma droga psicodélica, era notória nos anos 1980 e 1990 como uma droga de festa, conhecida como Special K.

Hoje em dia também é legalmente administrada em clínicas por todos os Esta- dos Unidos para tratar distúrbios psicológicos, particularmente a depressão. Os usos terapêuticos da droga são explorados em um documentário recente, Lamar Odom: Reborn [Lamar Odom: Renas- cido, em tradução livre], em que o ex-craque da NBA diz ter salvado a própria vida durante um período em que tinha ideias suicidas.

Como qualquer paciente típico em uma clínica, Natalia recebeu cetamina num ambiente cuidadosamente controlado, projetado para levá-la a uma experiência segura e recompensadora. Ela ficava sentada dentro de uma velha cocheira, com uma máscara de seda preta sobre os olhos, velas vermelhas queimando suavemente ao seu redor, uma rosa no colo, música clássica tocando, além de um médico e um psicólogo por perto, prontos para lhe dar água ou um toque suave se as coisas ficassem muito intensas.

Mas havia algo novo e muito diferente na viagem de Natalia: ela estava participando de uma forma incipiente de terapia em grupo chamada Psychedelic Wellness Nature Retreat [ou Retiro Natural de Bem-Estar Psicodélico, em português], que no futuro incluirá o uso de psilocibina, ingrediente ativo dos cogumelos mágicos.

Em novembro passado, os eleitores do Oregon aprovaram a medida 109, tornando-o o primeiro estado do país a legalizar o uso terapêutico da psilocibina. Levará algum tempo até que viajar com qualquer substância desse tipo em um retiro se torne amplamente acessível: a legislação dos EUA estipulou que funcionários do estado passem dois anos estabelecendo regulações e qualificando profissionais antes que as terapias se tornem comuns.

As sessões da semana são conduzidas por uma startup chamada Silo Wellness, que espera criar uma estrutura para retiros psicodélicos com forte componente de natureza. Funcionando sob a nova lei, os fundadores da Silo estão fazendo testes iniciais com cetamina; mais tarde, eles adicionarão psilocibina ao menu e mais quaisquer outras drogas legalizadas para uso terapêutico no futuro, incluindo, possivelmente, MDMA e mescalina. Por seis noites e cinco dias, Natalia e quatro outros participantes foram ao rústico Loloma Lodge para comungar com a natureza e eles mesmos – com a ajuda de três viagens de cetamina.

Ela e os outros participantes esperam ser curados e estão motivados. Todos sofrem de problemas psicológicos graves e, como outro participante me disse durante o retiro, estão tentando essa terapia “porque nada mais funcionou”. O grupo inclui um arquiteto de softwares, um funcionário do governo, um corretor aposentado e uma enfermeira de traumatologia. Enquanto estão aqui, vão fazer as atividades ao ar livre clássicas do Oregon – rafting, observar árvores e cachoeiras e descer encostas escorregadias para chegar à Blue Pool. As sessões de cetamina são um poderoso complemento projetado para levá-los mais fundo em suas mentes e suas percepções do mundo natural. Os terapeutas trabalham com os participantes para explorar pensamentos, sentimentos e conexões que surgem ao longo do caminho.

Como qualquer um que já esteve no Burning Man pode confirmar, não há melhor cenário para esse tipo de experiência do que a natureza. Mas fica a pergunta: esses retiros psicodélicos ao ar livre vão se tornar mais do que apenas uma moda dispendiosa de autoajuda? Poderiam realmente ser uma alternativa radicalmente nova para solucionar problemas mentais? Muita gente séria, incluindo ativistas e pesquisadores, acreditam que há potencial para desenvolver técnicas importantes que realmente contribuam para a cura.

“Quando o ego se dissolve um pouco, você fica tipo: ‘Oh, eu sou a natureza, sou todas essas coisas e sou parte disso”, diz Tal Sharabi, que trabalha com facilitação no retiro. “No sou tão diferente da coruja que vi ou da árvore.” Foto: Olivia Bee.

A CONEXÃO ENTRE psicodélicos e a natureza existe há muito tempo. As culturas indígenas usam, há séculos, substâncias como mescalina e ayahuasca para se conectar ao ambiente. Após sintetizar o LSD pela primeira vez em 1938, o químico suíço Albert Hofmann o descreveu como uma “droga sagrada”, que lhe revelou “a magnificência da natureza e do reino animal e vegetal”. Ralph Metzner, psicólogo estadunidense nascido na Alemanha, que trabalhou em Harvard no início dos anos 1960 com Timothy Leary e Richard Alpert (mais tarde conhecido como Ram Dass), sugeriu que os psicodélicos poderiam reforçar o que ele chamou de “ecopsicologia”.

“Experiências psicodélicas trazem uma expansão do nosso senso de identidade, além dos limites usuais do corpo”, escreveu Ralph em seu livro de 2017 Ecology of Consciousness: The Alchemy of Personal, Collective, and Planetary Transformation [Ecologia da Consciência: a alquimia da transformação pessoal, coletiva e planetária, em tradução livre]. “A consciência também pode se expandir para um sentido muito maior de interconexão com todas as formas de vida na grande teia ecológica da vida.” Ele vinculou essa consciência à ascensão do movimento ambientalista da década de 1960.

À medida que a pesquisa sobre terapia assistida por psicodélicos se popularizou entre os acadêmicos dos EUA nas décadas de 1950 e 1960, os proponentes procuraram recriar as condições propícias observadas em antigas cerimônias de cogumelos realizadas no México e em outros lugares. Timothy, rei do discurso a favor do ácido, popularizou essa ideia e declarou que uma boa viagem deve apresentar um set and setting adequados – sendo o set o estado de espírito da pessoa e o setting o que ele chamava de “clima”, que se referia tanto ao ambiente físico quanto às pessoas próximas.

A promessa da tal pesquisa terminou abruptamente: em 1970, alarmado por uma percepção pública difundida pela mídia de que bad trips poderiam causar insanidade ou danos cerebrais, o Congresso aprovou a Lei de Substâncias Controladas, que proibia muitas drogas psicodélicas, incluindo psilocibina e LSD, tanto para uso recreativo quanto médico. Esse movimento, que aconteceu mesmo com os psicodélicos listados entre as substâncias recreativas menos nocivas e viciantes, prejudicou a pesquisa por décadas. Só em 2000 foi que pesquisadores de psicodélicos da Universidade Johns Hopkins, motivados pela perspectiva de reviver o trabalho, obtiveram aprovação do governo para tratar voluntários com grandes doses de psilocibina sob condições altamente controladas em seus laboratórios.

Em um estudo inovador de 2006 com um título gigantesco – “A psilocibina pode ocasionar experiências do tipo místico com significado pessoal substancial e sustentado e significado espiritual” –, os pesquisadores da Johns Hopkins concluíram que a psilocibina, um alcaloide vegetal, poderia nos conectar com o mundo de uma forma profunda e espiritual. De acordo com um comunicado da imprensa que acompanhou o estudo, a droga imitou o efeito da serotonina nos receptores cerebrais de uma maneira que “pode induzir experiências místicas/espirituais descritivamente idênticas às espontâneas que as pessoas relatam há séculos. As experiências resultantes aparentemente provocam mu- danças positivas de comportamento e atitude que duram, no mínimo, vários meses”.

Trabalhos como esse desencadearam o que é considerado um renascimento psicodélico moderno, conforme narrado no livro de Michael Pollan de 2018 How to Change Your Mind [Como Mudar Sua Mente, em tradução livre]. Além da Johns Hopkins, instituições líderes como a Universidade de Stanford, a Universidade da Califórnia em Berkeley e o Imperial College London estão confirmando por meio de pesquisas que drogas como psilocibina, cetamina e MDMA podem ser usadas para tratar depressão, ansiedade, dependência, TEPT e problemas de fim de vida.

Mas, apesar de todo o progresso, esses estudos são legalmente obrigados a serem realizados em ambientes de pesquisa clínica. Em resposta, alguns pesquisadores tentaram trazer a natureza para dentro de casa. No Imperial College London, Sam Gandy, ecologista que estuda a relação entre psicodélicos e natureza, usa várias imagens de natureza nos ambientes confinados onde faz sua pesquisa. “Temos telas grandes com bosques e jardins”, conta. “Usamos belos cenários com cortinas para esconder todo o equipamento hospitalar.”

Enquanto isso, o desejo de realizar terapia psicodélica em ambientes naturais está ganhando propósito. Um corpo crescente de pesquisas apoia a existência do que alguns estudiosos chamam de transtorno de déficit de natureza e do que estamos perdendo por causa de nosso distanciamento de ambientes ao ar livre. Os cientistas estão descobrindo que, quanto mais conectados estamos com o outdoor, melhor nos sentimos: fenômeno que eles chamam de “relacionamento com a natureza”. Muitos estudos mostraram que essa conexão mais forte com os ambientes naturais beneficia a saúde mental, melhorando o humor, fortalecendo a função cognitiva e aliviando a depressão.

A pesquisa também mostra que os psicodélicos podem ser uma ferramenta para facilitar este relacionamento. Em um estudo de 2018 feito por psicofarmacologistas do Imperial College London, os participantes receberam uma dose de 10 mm de psilocibina em uma semana, depois uma dose de 25 mm na semana seguinte. Os voluntários relataram sentir uma maior conexão com a natureza a partir da primeira semana, uma consciência que continuou por sete a doze meses.

Um estudo feito no ano seguinte por Sam e outros pesquisadores chamado “From Egoism to Ecoism” [“Do Egoísmo ao Ecoísmo”, em tradução livre] encontrou evidências de um efeito causal entre psicodélicos e conexão com a natureza, com duração de até dois anos após o uso. Conforme concluiu o estudo: “Essas descobertas apontam para o potencial dos psicodélicos para induzir mudanças positivas duradouras na maneira como os humanos se relacionam com seus ambientes naturais”.

Outros pesquisadores encontraram evidências de funções cerebrais que podem ajudar a explicar esses resultados. A exposição à natureza reduz a atividade em duas regiões do cérebro ligadas à depressão e à preocupação: o córtex pré-frontal sub-genual e a rede de modo padrão. Estudos mostraram que a psilocibina tem um efeito semelhante, diminuindo o fluxo sanguíneo para essas áreas.

Os participantes relataram menos preocupação durante as viagens de cogumelos e disseram que experimentaram a sensação de dissolução do ego. Com a fronteira entre eles e a terra mais permeável, os participantes forjaram uma conexão mais forte com o meio ambiente. O estudo de Sam de 2019, publicado no periódico Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública, concluiu que “oferecer sessões psicodélicas monitoradas em ambientes mais naturais pode ter um potencial único e apoiar o princípio de incorporar a natureza nos centros psicodélico-terapêuticos do futuro”.

Ao promover o reencontro com a natureza, essas experiências podem aumentar nossa “preocupação ambiental e comportamentos pró-ambientais associados”, segundo o estudo. Quanto mais ligados ao meio ambiente nos sentimos, mais queremos protegê-lo.

Foto: Olivia Bee.

É UMA MANHÃ, fresca e nublada no Loloma Lodge, e Mike Arnold, o atarracado e grisalho fundador do Silo Wellness, de 44 anos, está se sentindo bem novamente – não com cetamina, mas com as notícias do dia: a Silo fez parceria com a propriedade de Bob Marley para desenvolver uma linha de produtos de cogumelos para ser usada em práticas de bem-estar. A Silo já cultiva cogumelos e administra retiros na Jamaica, onde o fungo está disponível para uso recreativo e médico.

Trazer retiros psicodélicos para os Estados Unidos faz parte do plano mestre de Mike para conectar as massas ao poder da natureza. “Quero ver os psicodélicos chegarem às mãos do maior número de pessoas da forma mais barata possível”, diz ele. “Deve ser pelo menos tão acessível quanto a cannabis, se não mais.” O retiro é um primeiro passo importante.
Esta é apenas a segunda vez que a Silo oferece um desses retiros – o primeiro aconteceu em janeiro de 2021 –, e o modelo que ela está criando ainda é um trabalho em andamento.

“Estamos projetando nosso retiro de cetamina como um protótipo para a maneira que imagino a psilocibina sendo administrada”, me conta Mike enquanto caminhamos pelas ricas matas. “Há um pouco de narcisismo psicodélico no mundo onde as pessoas dizem: ‘Oh, o remédio vai te encontrar quando você estiver pronto’. Mas a medicina nunca vai encontrar algum morador do leste do Oregon da classe trabalhadora que nunca infringiria a lei para experimentar um fungo.”

Mike, que é do Estado de Missouri, se formou em direito em 2001 pela Universidade do Oregon. Vinte e três anos atrás, ele se mudou para Springfield – uma pequena cidade liberal a leste de Eugene –, onde montou um escritório de defesa legal e gerou debates acalorados e cobertura jornalística. “Eu era um interrogador muito agressivo”, confessa ele. Entre seus clientes havia plantadores de cannabis e o manifestante antigovernamental Ammon Bundy.

Como uma pessoa na vanguarda dos retiros de natureza psicodélica dos Estados Unidos, Mike pode parecer mais Paul Bunyan do que Timothy Leary: ele é ex- jogador de rúgbi amador que dirige uma Ford F-150 enlameada e vive numa fazenda nos arredores de Springfield. Uma série de ferimentos na cabeça afetou não apenas seu jogo de rúgbi, mas também sua saúde mental. Em 2018, lutando contra um TEPT e ansiedade, ele encontrou um médico que sugeriu terapia psicodélica.

Assim como os madeireiros e trabalhadores do Oregon que Mike espera alcançar, ele nunca havia tomado um psicodélico. Sem conseguir fazer isso legalmente, encontrou uma fonte independente que o guiou por uma sessão de psilocibina. Esse tratamento, segundo Mike, o tirou da sua própria cabeça e o levou para o mundo. “Foi como se uma lâmpada tivesse se apagado. Senti paz pela primeira vez”, relata. Ele queria espalhar a palavra. “Eu fiquei tipo, olha, é realmente injusto que eu tenha essa oportunidade e a maioria das pessoas que conheço que precisam disso nunca comeriam cogumelos, certo? Então eu tive a visão.”

Mike estava no lugar certo para explorar novos terrenos, já que o Oregon foi o primeiro Estado norte-americano a descriminalizar a cannabis, em 1973. Ele se juntou a um pequeno e enérgico exército para lutar pela legalização do uso terapêutico de psicodélicos, começando com a psilocibina. Organizações de defesa sem fins lucrativos, como a Portland Psychedelic Society e o Edelic Center for Ethnobotanical Services, com sede em Springfield, começaram a conscientizar o público, fazendo lobby e distribuindo panfletos nas esquinas das ruas para despertar o interesse do público.

Eles também aproveitaram a sabedoria de veteranos locais da década de 1960, incluindo Carolyn “Mountain Girl” Garcia, ex-esposa de Jerry Garcia e membro dos Merry Pranksters, o grupo captado pelo romancista de Oregon Ken Kesey e narrado no livro de 1968 de Tom Wolfe The Electric Kool-Aid Acid Test [O Teste do Ácido do Ki-Suco Elétrico, em tradução livre]. Carolyn, agora com 75 anos e morando em Eugene, foi criada no norte do Estado de Nova York por dois botânicos e, em 1970, escreveu um dos primeiros livros sobre cultivo de cannabis, Primo Plant.

Seu objetivo de longa data tem sido trazer o tipo de relacionamento com a natureza experimentado pela primeira geração de psiconautas nas práticas terapêuticas modernas. “Você realmente começa a notar tudo em volta, e plantas, pássaros e todas essas coisas ganham vida”,conta Carolyn. “Realmente leva as pessoas a um lugar de beleza. Essa poderia ser a maneira de tirá-los da depressão, para que voltem ao mundo com uma mente limpa, podendo apreciar o que temos aqui.”

A medida 109 foi aprovada com um total de 1,2 milhão de votos, um aval de todo o trabalho que durou até o dia das eleições. “Estamos sobre ombros de gigantes”, diz Mike. “Há uma tradição neste Estado, antiga e profunda, que remonta aos povos originários.” Agora, com a lei aprovada, eles estão tentando trazer essa antiga tradição de volta.

Foto: Olivia Bee.

“TODO MUNDO TEM uma batalha pessoal, e é por isso que estão aqui.” Bailey Nelson, funcionária do governo de meia-idade com cabelos escuros e encaracolados e óculos, me conta isso enquanto caminhamos pelo McKenzie certa manhã (Bailey está usando um pseudônimo para evitar complicações com seu empregador). Em uma voz sombria, ela descreve lutas contra a depressão ao longo da vida. Passou por psicoterapia e anti-depressivos – o cardápio de sempre –, mas continuou batendo com a cabeça na mesma parede. “Eu sabia que havia algo, só não conseguia acessar”,ela diz enquanto olha para o outro lado do rio. “Eu não tinha chegado ao nível de pensamento e consciência necessários, e foi isso que senti que precisava.”

Com a aproximação da aposentadoria, Bailey desenvolveu profundos sentimentos de alienação e falta de objetivo. Ela morava em Portland e, apesar dos belos arredores verdes da cidade, se sentia isolada da natureza. Quando tentava dormir, sofria com a dor de seu subconsciente, algo que não conseguia entender, deixando-a ansiosa e irritada durante todo o dia. “Chegou num ponto em que me senti realmente sem esperança e precisava fazer alguma coisa”, lembra. “Era como se eu fosse implodir porque já havia tentado de tudo. Estava desesperada.”

Bailey nunca tentou nada mais forte do que maconha, mas depois de fazer algumas pesquisas online, ficou intrigada com a promissora pesquisa sobre terapia psicodélica. Ela também sabia que as opções para experimentar psicodélicos eram limitadas e não queria correr o risco de perder o emprego. “Há muitos estigmas em torno disso, principalmente na minha linha de trabalho”, diz ela.

Bailey olhou o Retreat Guru, um site para pessoas interessadas em fugas espirituais, mas as únicas experiências com drogas que ela viu eram recreativas e fora do país. Seu terapeuta sugeriu que ela continuasse procurando algo mais perto de casa, o que acabou a levando a se candidatar para o retiro Silo.

A Silo recebeu mais de 100 consultas para preencher suas cinco vagas, e os candidatos tinham que responder a um longo questionário, para identificar suas necessidades de terapia e excluir pessoas que pudessem ser instáveis. “Temos muitas pessoas em crise que querem vir para cá”, conta Mike. “Eu poderia encher um retiro de 20 pessoas em crises ativas.”

Depois de aceitos, os participantes fizeram duas sessões em grupo e uma individual com Matthew Hicks e Tal Sharabi, facilitadores do retiro. Matthew e Tal estudaram terapia psicodélica assistida no Instituto de Estudos Integrais da Califórnia – uma universidade privada sem fins lucrativos em São Francisco – e realizaram suas próprias sessões de cetamina em seu escritório em Portland.

Ambos estão otimistas com a possibilidade de a medida 109 abrir caminho para uma maior legitimidade. “Já existe um importante cenário de terapia acontecendo não oficialmente e, claro, não é regulamentada, o que é uma preocupação de segurança”, explica Matthew. “Mas a nova lei criará um caminho para as pessoas oferecerem essa terapia de forma legalizada. Isso é bem significativo.”

Durante as reuniões preparatórias para a semana, os participantes discutem o que esperam do retiro e que tipo de ajuda querem que perdure. O formato de terapia de grupo é importante – ele oferece uma chance para que pessoas de diferentes momentos da vida compartilhem essas jornadas juntas.

Quando os participantes chegam ao hotel no início do curso, se acomodam em quartos rústicos na casa principal – um aconchegante chalé de montanha com sofás profundos, uma grande lareira e uma cozinha abastecida com lanches, café e chá. Depois de um café da manhã que contempla ovos fritos e batata-doce com canela, cada dia começa com uma sessão em grupo no andar de baixo do chalé principal. Nesses encontros, cada pessoa compartilha suas experiências, esperanças e medos. Os participantes terão duas sessões particulares com um terapeuta nos dias em que não estiverem tomando cetamina.

As sessões de cetamina acontecem na antiga cocheira da pousada, cheia de janelas com vista para as colinas. À medida que os participantes se sentam, têm sua pressão arterial verificada, para garantir que estejam em boas condições físicas. Em seguida, Matthew e Tal repassam o que chamam de “instruções de voo”, orientação para a viagem que está por vir. Eles discutem os fundamentos da medicação: como é tomado (uma pastilha sublingual), qual o gosto (não é ótimo), quanto tempo leva para fazer efeito (dez minutos) e qual é a sensação do início (um pequena dormência na língua). A experiência começa com uma cerimônia de 20 minutos e, para alguns, os aspectos ritualísticos podem ser desanimadores. Mas há um propósito claro: preparar os participantes para o que está por vir.

“O sagrado é útil”, diz Tal. “Em nosso mundo moderno, não tornamos muitas coisas sagradas, mas nossa existência é sagrada e nos esquecemos disso”, afirma ela. “A cerimônia é realmente para dizer ao sub-consciente: ‘Ei, estamos fazendo algo diferente’”, acredita Matthew.

O set and setting são chamados de “container”, o que significa o ambiente cuidadosamente pensado para a cerimônia. Como Tal diz: “Gostamos de criar esse ambiente acolhedor e seguro para que as pessoas se sintam confortáveis em sua jornada”. Acendem as velas e tocam música clássica. Cada participante recebe uma rosa, tradição que remonta à primeira onda de estudos de terapia psicodélica na década de 1960. “É algo belo, para oferecer uma base, colocá-los num estado mental positivo em sua jornada e ter algo para o qual retornar”, diz Matthew. “Sigam a música”, ele fala aos buscadores.

Foto: Olivia Bee.

DURANTE SUA PRIMEIRA sessão, Bailey não sentiu muita coisa, apesar de ter tomado uma dose de 200 mm. Mas a segunda é indiscutível. No início, ela sentiu o que mais tarde chamou de “sensação de afundamento, um calor”. Então sentiu que olhava para si mesma de cima, em terceira pessoa. A cetamina tem esse efeito dissociativo e também traz visões alucinatórias.

Bailey viu sua consciência se expandindo e começou a sentir sinestesia. “Lembro-me, a certa altura, de provar as cores”, contou mais tarde. “Parecia muito seguro.” Durante as sessões, os terapeutas são discretos, permanecendo quietos, a menos que sejam requisitados. Dizem que as reações negativas são raras: se alguém está desconfortável, um copo de água ou um toque reconfortante geralmente são suficientes para acalmar.

Mas não são apenas os terapeutas que proporcionam tranquilidade durante as viagens – é o próprio ambiente natural, que vem mesmo que as viagens aconteçam dentro de casa. Os participantes são incentivados a se ancorar conectando a sensação de seus pés no chão com o que eles absorveram do lado de fora.

Um descreve sentir a suavidade da terra, musgo e grama molhada. Outro visualiza uma grande ave de rapina vista no início do dia, girando ao redor deles. “Quando o ego se dissolve um pouco, você fica tipo: ‘Oh, eu sou a natureza, sou todas essas coisas e sou parte disso’”, diz Tal. “Não sou tão diferente da coruja que vi… ou da árvore.”

Após as sessões, o grupo faz uma caminhada até a Blue Pool. Bailey já viu esse local antes, mas nunca no inverno. A cada passo, ela se sente mais permeável, mais consciente, mais conectada com as cores vivas e o ar. A neve branca e brilhante desce entre as árvores, o sol brilhando na superfície gelada como diamantes estilhaçados. Ela percebe cada detalhe – a rocha em forma de coração, os rostos reconfortantes na pedra dos penhascos irregulares. “Está falando comigo”, ela pensa.

Enquanto Natalia caminha atrás de Bailey, lembra de como costumava ter medo da floresta, a ansiedade enchendo seu cérebro com visões de ferimentos e acidentes. Ela nem sempre foi assim, e resgata momentos alegres na natureza quando criança. Natalia nunca imaginou voltar a esse sentimento feliz.

Mas agora tudo o que vê e sente é a beleza: como o musgo brilha, como pequenas plantas se erguem das rachaduras na rocha vulcânica negra, como as suculentas verdes e roliças e os minúsculos cogumelos guarda-chuva cinzentos se erguem dos troncos caídos. Ela ouve os pássaros, os sons da água, absorvendo tudo.“Viemos da floresta”,afirma. “Não fomos feitos em um tubo de ensaio. Olhe toda essa beleza.”

Quando o grupo chega à Blue Pool, seus olhos se arregalam para captar o azul mais azul, a cor de um céu brilhante. Bailey observa a água na brisa fria e parece que o líquido faz parte dela, imperioso e eterno. “A forma como a água se move é feroz e poderosa e exige respeito”, diz ela.

Cada detalhe vira uma metáfora, uma extensão de si mesma: o redemoinho que ela sentia preso, girando sem rumo, até encontrar aqui a calma brilhante e fria. “Sempre fui capaz de sair na natureza e me sentir fundamentada e conectada, mas é apenas um nível diferente”, revela. “Agora é mais profundo.”

ALGUM DIA O OREGON não será a única opção para retiros de terapia psicodélica. Várias cidades dos Estados Unidos, incluindo Washington DC, Santa Cruz, na Califórnia, e Ann Arbor, no Michigan, já descriminalizaram a psilocibina para uso recreativo. E agora, na esteira do sucesso da medida 109, o foco está na expansão para o uso terapêutico legalizado também.

Os legisladores de Connecticut aprovaram um projeto de lei no início de junho de 2021 para criar uma força-tarefa que estudará os benefícios terapêuticos da psilocibina. Em Denver, onde os eleitores descriminalizaram os cogumelos mágicos em 2019, um painel de policiais, autoridades municipais e defensores da saúde mental elaborou uma política que, se aprovada pelo conselho da cidade, legalizaria a psilocibina para uso em medicina, terapia e grupos.

E na Flórida, no início deste ano, o deputado estadual democrata Michael Grieco apresentou uma legislação para liberar a psilocibina para uso terapêutico. Em uma declaração de janeiro de 2021, Michael Grieco a divulgou como um tratamento promissor para veteranos e outros que sofrem de TEPT, depressão e vício. “A ciência da psilocibina é real, não pode ser ignorada e em breve será uma forma de tratamento amplamente aceita nos Estados Unidos”, discursou ele.

Alguns cientistas, no entanto, estão alertando contra a crença de que programas como o da Silo serão amplamente replica- dos em breve, já que as drogas envolvidas ainda são ilegais em nível federal.

Albert Garcia-Romeu, psicólogo e pesquisador do Center for Psychedelic and Consciousness Research da Universidade Johns Hopkins, diz que a onda de interesse pode enviar pessoas incapazes de receber terapia com psicodélicos para provedores não licenciados. “Estou preocupado que o avanço da iniciativa do Oregon possa prejudicar o resto do país e o trabalho que venho fazendo há 20 anos no laboratório.”

Sam Gandy diz que, apesar das pesquisas promissoras que ligam psicodélicos e relações com a natureza, estamos nos estágios iniciais de tudo isso. “Precisamos ter cuidado ao fazer uma reivindicação muito grande nesta fase”, acredita ele. “Definitivamente, não vejo psicodélicos como uma espécie de elixir mágico, mas acho que são ferramentas poderosas de conexão com a natureza e consciência ambiental.”

Carolyn também adverte contra o excesso de empolgação. Quanto mais legitimidade os psicodélicos ganham, segundo ela, maior a necessidade de educação para evitar os tipos de baixas que atormentavam membros de sua geração que abusavam de drogas e álcool. “Todo o movimento psicodélico cresceu a ponto de se tornar algo comum, mas ainda não há nenhum ensinamento oficial sobre isso”, diz Carolyn.

“Ainda não estamos ensinando as pessoas como gerenciar, como usar, como se comportar, como administrar. Se você é a pessoa que dá uma substância para outra pessoa, quais são seus protocolos para passar isso para alguém? Existe algum protocolo? Você vai se certificar de que essa pessoa vai ficar bem? Você vai se sentar com ela? Essas são questões muito importantes. Ainda estamos no Velho Oeste.”

Enquanto isso, a Silo já está expandindo seus planos no Oregon. Durante uma caminhada até as cataratas de Tamolitch, Mike diz que espera realizar cerca de uma dúzia de retiros no Estado este ano, aumentando para eventos semanais ao longo do tempo, além das escapadelas recreativas que acontecem na Jamaica. Quando chegamos às cataratas, observamos por alguns minutos a incrível corrente de água caindo na piscina abaixo. “Você poderia ter essa mesma experiência sem cetamina?”, pergunta Mike.

“Você poderia ter a mesma experiência com a cetamina sem cachoeira, ou com a cachoeira, mas sem a sessão de grupo? Aprenderemos isso ao longo dos anos. Mas podemos dizer que esta é uma maneira muito agradável de tratar da saúde mental. Você vai passar por uma jornada que talvez seja difícil, mas que terá uma bela vista.”

*David Kushner é colaborador da Outside USA e host do podcast Alligator Candy.







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