Guias veteranos compartilham dicas e estratégias para evitar ou lidar com os engarrafamentos que sempre surgem no caminho até o topo
Centenas de montanhistas e guias estão a caminho do cume do Everest para aproveitar a primeira janela de bom tempo da temporada de escaladas de 2025.
Aqui no Acampamento Base, o assunto entre os líderes das expedições são os engarrafamentos que em breve vão aparecer na montanha. Você provavelmente já viu fotos da superlotação no Everest, com uma fila de dezenas de escaladores se estendendo por uma encosta gelada.
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Este ano, cerca de 450 alpinistas estão tentando alcançar o cume. Frequentemente, há o dobro disso em guias, sherpas de escalada e membros de apoio ajudando esses clientes a chegar ao topo. Com tanta gente subindo ao mesmo tempo, a superlotação ao longo da rota — que sobe 3.475 metros ao longo de 8,8 km — é inevitável.
A Outside conversou com operadores de expedição sobre esses engarrafamentos, por que eles acontecem e como os guias conseguem enfrentá-los com segurança.
Onde ocorrem os engarrafamentos – e por quê?
Devido às condições imprevisíveis na montanha mais alta do mundo, centenas de escaladores partem rumo ao cume ao mesmo tempo para aproveitar as poucas “janelas de bom tempo” que se abrem a cada primavera. Todos seguem pela mesma trilha estreita e usam as mesmas cordas fixas de segurança durante a subida.
A superlotação ocorre sempre que a fila desacelera, seja por causa de um escalador exausto, de um trecho técnico ou de algum outro obstáculo.
Os guias apontaram diversas áreas onde os gargalos aparecem todos os anos. Não é coincidência que esses trechos estejam entre os mais difíceis da rota.
Yellow band on Mt Everest (8848.86 m), 20.05.2024. Video ©: Rajan Dwivedi. pic.twitter.com/yUwbdQuvlc
— Everest Today (@EverestToday) May 22, 2024
As primeiras seções congestionadas aparecem na Cascata de Gelo do Khumbu, a geleira em constante movimento que escorre pelas partes mais baixas do Everest. Nesse trecho tortuoso de gelo e fendas, os engarrafamentos ocorrem nas seções verticais. Os montanhistas usam uma combinação de escadas, cordas fixas e ascensores chamados jumars para escalar essas paredes de gelo e rocha, mas o progresso é lento — o que gera atrasos quando muitas pessoas chegam ao mesmo tempo.
O próximo trecho problemático aparece mais adiante na rota, perto de uma fenda profunda chamada bergschrund, logo abaixo do Campo 3, próximo ao topo daFace do Lhotse. Os alpinistas precisam subir a parte íngreme e gelada de uma geleira antes de alcançar as encostas mais estáveis e cobertas de neve ao redor do acampamento.
Outros pontos de lentidão ocorrem logo acima do Esporão de Genebra, a 8.230 metros de altitude, onde a inclinação se torna quase vertical, e em uma série de grandes rochas próximas ao Cume Sul, a 8.748 metros.
A seção final é talvez a mais perigosa: a aresta estreita do cume, que vai do Hillary Step até o topo. Em 2024, dois alpinistas caíram e morreram ao tentar desviar da multidão nesse trecho.
Por que é difícil evitar a superlotação
Os guias no Monte Everest precisam encontrar um equilíbrio delicado entre as exigências dos clientes — alguns dos quais estão impacientes para chegar ao cume — e as janelas de bom tempo na montanha.
Ryan Waters, cofundador da empresa Mountain Professionals, sediada em Boulder, Colorado (EUA), contou que informa seus clientes com antecedência sobre a data prevista para a escalada do cume. Ele também mantém um cronograma relativamente flexível, caso várias outras equipes decidam subir no mesmo dia.
“Existem algumas maneiras de lidar com isso. A primeira é saber, pelas conversas que você ouve nos acampamentos, quando outros grupos provavelmente vão sair para tentar o cume”, ele disse. “A segunda é mudar o horário de partida para tentar evitar estar por perto de outros grupos — isso pode ajudar bastante.”
No entanto, Waters admite que isso é mais fácil falar do que fazer, já que informações concretas são difíceis de obter no Acampamento Base. Eu posso confirmar essa frustração. Por todo o acampamento, circulam boatos constantes sobre quais grupos estão mirando quais datas, e quais montanhistas estão se preparando para subir. As informações críticas sobre a lotação da montanha fazem parte dessa rede de rumores.
Por isso, às vezes os grupos simplesmente não conseguem evitar a dinâmica inevitável de subir a montanha junto com todo mundo.
“Se a gente acabar entrando na multidão, então vira uma questão de gerenciamento da situação”, disse Waters.
Como escalar no meio da multidão
Fiz a seguinte pergunta a Mingma David Sherpa, cofundador da empresa de guias Elite Exped, enquanto tomávamos um café sob o sol da manhã: Como navegar na multidão?
“Não é como um engarrafamento de carros”, ele me disse. “Muitas vezes há oportunidades de ultrapassar ou contornar os escaladores mais lentos. Mas o guia precisa conhecer bem suas próprias habilidades e as do cliente.”
Ele descreveu vários métodos que guias e montanhistas usam para passar pessoas mais lentas ao longo da rota — todos envolvendo técnicas avançadas com cordas. No entanto, essas técnicas se tornam especialmente desafiadoras em grandes altitudes, quando todos os alpinistas devem estar presos às cordas fixas de segurança.
Ao ultrapassar um escalador mais lento, o guia e o cliente precisam se desacoplar da linha, contornar a pessoa à frente e depois se reconectar. Não é impossível, mas é uma técnica que deve ser deixada para profissionais experientes.
Talvez o fator mais importante na hora de ultrapassar, ele disse, seja saber se o cliente tem ou não capacidade de fazê-lo.
“Ter experiência como guia é realmente importante”, disse Mingma David. “Ajuda muito. Durante as rotações de aclimatação, eu aproveito para entender o ritmo e a habilidade de cada cliente.”
O fluxo de oxigênio também pode acelerar ou desacelerar um montanhista, segundo ele. “Conforme vamos subindo, eu ajusto o fluxo de oxigênio deles — diminuo se o ritmo estiver lento, aumento se o terreno for muito íngreme ou exigir mais esforço.”
A importância da cortesia
Todas as fontes com quem conversei destacaram um ponto em comum: gritar com escaladores lentos nunca ajuda e não acelera o fluxo na montanha.
“Você pode ajustar seu horário e começar bem mais cedo”, disse Mingma David, “mas o cliente pagou muito dinheiro, e quer estar no topo durante o dia.”
O guia holandês Arnold Coster, que este ano está liderando a expedição da Seven Summits Treks, me contou que “ser educado ajuda” na hora de tentar ultrapassar alguém na trilha.
“Não é algo tão problemático assim, especialmente quando todo mundo está subindo junto,” disse Coster. “A multidão não te atrasa tanto assim.”
Em vez disso, Coster afirma que os montanhistas e guias precisam se concentrar mais nos fundamentos do alpinismo ao subir o Everest ao lado de dezenas — ou centenas — de outras pessoas. Hidratação adequada, alimentação e suporte de oxigênio são essenciais nos momentos de maior movimento na montanha. E os guias precisam entender que a tentativa de cume pode se estender por várias horas devido aos engarrafamentos.
“É como em qualquer lugar da vida”, disse Coster. “Lembre-se de que muitos escaladores aqui em cima perdem a noção do que está ao redor. Se você falar com eles com educação, eles vão sair do caminho e deixar você passar.”