Por Mário Mele*
O jeito “fofo” e os traços angelicais da gaúcha Amanda Criscuoli escondem o poder descomunal de uma criança que acabou de fazer 11 anos: em 2016, quando ainda tinha 10, ela se tornou a mais jovem escaladora brasileira (entre homens e mulheres) a encadenar (escalar do começo ao fim sem cair) uma via de 8º grau – para se ter uma ideia, há escaladores que treinam a vida inteira para chegar a esse nível.
“Acredito que os movimentos bastante técnicos da Amanda, buscando sempre o equilíbrio e o posicionamento ideais e nunca recorrendo à força bruta, sejam suas principais qualidades como escaladora”, diz o pai, Deivis Tavares, um dos principais incentivadores da menina no esporte. Deivis e a esposa, Fabiane, já eram escaladores fieis quando a filha nasceu e passaram a levá-la às paredes, no ginásio e na rocha, quando Amanda tinha apenas 3 meses. “Naturalmente, fomos transformando a escalada em um ambiente de diversão e descobertas”, conta Deivis. “E, do ponto de vista de uma criança, os colchões de uma área de boulder são um local incrível para se brincar”, completa.
Por um tempo, Amanda levava as bonecas e o estojo de pintura para se entreter enquanto os pais escalavam. Mas logo ela achou mais divertido ficar pendurada nas agarras. “Uma de minhas primeiras lembranças na escalada é de quando eu tinha 4 anos e ficava meia hora me balançando em uma cadeirinha presa em uma corda”, diz. No meio das brincadeiras, os pais começaram a propor alguns desafios em troca de pequenas recompensas. “Se você chegar até aquela agarra, vai ganhar um picolé”, exemplifica Deivis.
Amanda subiu cada vez mais. Ao completar 6 anos, estava tão motivada e inspirada pelo esporte que Deivis e Fabiane acharam que era a hora de ela ter um treinador. O casal poderia acabar pesando demais a mão, e Amanda, não ser orientada corretamente. “Foi tudo por pura intuição”, conta Deivis. “Percebemos que a escalada estava prestes a acontecer em alto nível para ela e não queríamos estragar.”
Atualmente, Amanda é instruída por Thiago Balen, uma referência na escalada esportiva brasileira, enquanto o pai se dedica mais à sua “preparação mental”. “Acho legal ela celebrar as conquistas, mas também quero que aprenda com as derrotas”, diz Deivis. “São pequenas e infinitas lições que acabam servindo tanto para ela quanto para nós.”
Competições são importantes nesta fase de evolução, e, no Brasil, Amanda tem adversárias à altura, como a paranaense Mariana Hanggi, de 10 anos. “Meus pais sempre dizem: ‘Só há uma competidora com a qual você deve se preocupar, e ela se chama Amanda’”, fala a garota, que neste ano ficou de fora do Campeonato Brasileiro de Boulder por ter contraído coqueluche dias antes do evento.
O foco virou a escalada em rocha, em vias de diferentes estilos e graduações. “Mandei várias de sexto e sétimo graus e recentemente guiei 50 metros de uma escalada de quinto grau com a mochila nas costas, sofrendo com o peso da corda para conseguir costurar”, diz. Amanda também escalou uma via de sétimo grau à vista (quando se consegue logo na primeira tentativa, sem ter ouvido dicas de alguém que já havia escalado ali) e está na fase final de concluir outra escalada de graduação 7c. “Falta eu isolar apenas um movimento”, conta.
O reconhecimento tem chegado por meio de marcas dispostas a patrociná-la, por reportagens publicadas em sites especializados relatando suas conquistas e até em um convite para ela revelar, em uma série de TV, sua vida em família. E isso tudo com apenas 11 anos…
*Reportagem publicada na edição nº 145 da Go Outside, outubro de 2017.