A nova geração de craques do kitesurf no Ceará começa a colher frutos e lutar por ventos ainda melhores

Por Bruno Romano*

As primeiras pipas de kite dançam nos céus do Ceará. Seus movimentos refletem nas águas e prendem os olhos dos pequenos moradores locais. São as crianças as mais curiosas, elas querem ver tudo de perto. As linhas finas sustentando grandes arcos flutuantes parecem mágicas. E, de certa forma, são. Elas trazem junto dos bons ventos uma chance de mudar vidas.

Quase 20 anos depois, o kitesurf transformou mesmo esse pedaço de litoral, mais precisamente o vilarejo de Cumbuco, a 30 km ao norte de Fortaleza, capital cearense, e a comunidade vizinha da Lagoa do Cauípe, a ponto de esse canto ser chamado hoje de “Havaí do Kite” pela comunidade internacional do esporte. Aí surgiram nomes como Carlos Mário, o “Bebê”, bicampeão mundial na modalidade freestyle. Com apenas 20 anos, é o atual detentor do título. Seu conterrâneo, Set Teixeira, 22, fechou a última temporada em 3º lugar do ranking da World Kiteboarding League (WKT), colocando dois cearenses no pódio da modalidade.

Quando a geração de Bebê e Set presenciou a chegada dos primeiros equipamentos de kitesurf, tudo ainda era um mistério. Na faixa dos 10 anos de idade, eles começaram observando a montagem das velas e ajudando atletas na saída da água. Os mais velhos já arriscavam algumas manobras.

No caso de Set, foi seu irmão Tomas, 28, quem puxou a fila. “Ele ia aprendendo os truques e me ensinando”, lembra Set, que acabou se tornando atleta profissional. Hoje os irmãos cuidam de uma nova escola de kite em Cumbuco, a TS, aberta em agosto de 2017 e pronta para os ventos de 2018, que começam em julho e se estendem até o janeiro seguinte. “O kite me deu direção na vida e nunca mais vai sair de mim. Agora começo a colher os frutos de um esforço”, diz Set.

Nos próximos meses, ele também vai se colocar à prova novamente nas etapas do mundial, em viagens que vão da Europa e Austrália às Ilhas Maurício, competindo contra a elite do esporte. Nessas longas jornadas, a parceria de Set e Bebê tem se fortalecido. Desde o ano passado, os dois se acostumaram a velejar lado a lado. “É importante para a gente, inspira. E acabamos puxando um ao outro para cima”, fala Bebê. “Acho que isso é algo único na elite do kite hoje”, agrega Set, sobre a cumplicidade que se deu há anos na Lagoa do Cauípe, onde ainda treinam juntos.

O cearense Set Teixeira decola nas ilhas Rodrigues, no Oceano Índico – Foto: Svetlana Romantsova

A CERTEZA DE estar voando na direção certa veio para Set no fim de 2016. Durante uma etapa decisiva do mundial daquele ano, disputada em Nova Caledônia, na Oceania, ele pegou embalo nas condições perfeitas de vento e nas águas cristalinas para cravar uma performance precisa e cheia de atitude. “Eu me senti conectado com o local e acertei as manobras”, lembra Set, que sabia que o torneio seria decisivo para seu futuro. “Naquele momento, percebi que, se tinha chegado até ali, eu podia mais”, acredita.

Desde então, ele tem buscado tornar esse sonho real, o que significa viver com os dois lados da moeda. Ainda que habite um dos paraísos do kite no globo – “é um privilégio, e todo mundo no kite sabe onde é Cumbuco”, diz –, a dificuldade com apoios e patrocínios é uma realidade diária. Na visão de Set e Bebê, ambos com patrocínio master de fora do Brasil, a cena de campeonatos no país ajudava muito, mas está enfraquecida. Além do Ceará, estados como Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte são palco de cenários perfeitos e berço de bons atletas.

Pelos cálculos da dupla cearense, há pelo menos mais 20 praticantes locais da mesma geração que velejam em altíssimo nível. Só que acabam esbarrando na falta de perspectiva. “Vários deles têm capacidade de ficar no top 3 mundial”, crava Bebê. A história vai mais longe: crianças com menos de 10 anos já se lançam na água com coragem, boa técnica e amor à vela. “Eles falam que querem ser como a gente. Ajudamos como podemos, com dicas e até equipamentos, mas sempre lembrando que não é fácil”, diz Set.

Bebê sabe bem o que isso significa. Na sua família, foi um tio que passou os ensinamentos para seus irmãos e primos. Madson, um dos irmãos, se tornou tutor de Bebê e o ajudou nos primeiros voos na elite. Aos 15 anos, Bebê foi competir em um evento de destaque na Argentina e se sagrou campeão. Nos cinco anos seguintes, ele se confirmou no topo. “Hoje sou inspiração para os mais novos”, fala Bebê à Go Outside, no fim de junho, pouco antes de embarcar para Tarifa, na Espanha, para treinar e competir. “Fico feliz em ver as crianças escolhendo o esporte e não se perdendo em furadas como drogas. Nisso o kite ajuda muito.”

Com a temporada 2018 começando, cenas como o céu com mais de cem pipas ao mesmo tempo são comuns. O difícil é se sobressair e voar mais longe no lado competitivo, algo que Set e Bebê têm mostrado que é possível. “Sempre haverá obstáculos, mas não dá para desistir: agarre a oportunidade que aparecer e acredite”, diz Bebê. Olhando para os destaques na nova geração, os dois ícones do pedaço concordam: por ali, essa chance pode dar certo com qualquer um.

*Texto publicado na edição nº 153 da Revista Go Outside, julho de 2018.







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