Por Mario Mele*
A brasileira Dora Varella salta com seu skate para fora do bowl do Parque Chácara do Jockey, em São Paulo, e vai em direção à mãe, que assiste a cena sentada em uma cadeira de praia. “Agora acertei minha linha inteira. Gostou dessa última volta?”, pergunta a skatista. É feriado, faz sol e a pista está cheia. Mas Dora está treinando. Dali a pouco mais de uma semana, ela embarcaria para Xangai para a final do circuito mundial do disputadíssimo Vans Park Series (VPS), que reúne os melhores skatistas (homens e mulheres) de bowl da atualidade em uma pista inédita montada na metrópole chinesa. Outras meninas que também são verdadeiros fenômenos da nova geração do skate, como as norte-americanas Brighton Zeuner e Nora Vasconcellos e a japonesa Kisa Nakamura estariam na briga pela vitória.
Dora fez 16 anos recentemente e é hoje uma das principais skatistas do Brasil porque anda com estilo e cresce em campeonatos. “Parece que a adrenalina da competição me faz bem”, explica. “Quando é para valer mesmo, acabo acertando até as manobras que ainda não estão na base.”
Faz sentido: em 2015, ela foi campeã brasileira de bowl com apenas 14 anos. No ano seguinte, ao pisar pela primeira vez na Califórnia, terra natal de seu esporte, faturou também o Vans Girls Combi Pool Classic, feito que lhe garantiu o convite para ser uma atleta suplente nos X-Games de Austin (EUA) – Dora não competiu na ocasião, mas já serviu para ela sentir o clima do evento mais cobiçado do skate mundial.
O ano de 2017 tem sido melhor ainda: em abril, depois de vencer o VPS Brasil em Serra Negra (SP), Dora garantiu uma vaga para a edição continental desse evento, realizada em julho em Huntington Beach, na Califórnia. Adivinhe: foi campeã na “Califa”, de novo. Antes mesmo da bateria final, o skatista legend Christian Hosoi, que assistia à competição, declarou: “Quero essa menina no meu time”.
“A gente não acreditava”, relembra a mãe, Paula Varella. “Acenávamos para a Dora, que ainda estava no meio da competição, sem saber de nada, e vibrávamos com a notícia. E ela lá, sem entender muito bem nossa alegria.”
Dora começou a andar de skate aos 10 anos – pegando o carrinho emprestado do primo – e nunca mais parou. Não é um esporte, no entanto, que vem de família. “Eu fazia ginástica olímpica antes, mas aquele ‘jeito certinho’ de fazer tudo não combinava comigo”, explica. “Já queria impor o meu próprio estilo no que fazia, coisa que o skate sempre permitiu.” Sua atitude é visível. Mesmo sem ainda saber surfar bem, Dora caiu em um mar grande durante sua última viagem à Califórnia que deixou até a mãe preocupada. A menina pôs para baixo na raça, como sempre.
Nos bowls de concreto, ela tira proveito da consciência corporal adquirida na época da ginástica olímpica para mandar manobras de invert, giros e aéreos. Das quebradas de São Paulo aos guetos de Los Angeles, já andou muito de skate – competindo, inaugurando uma pista nova ou gravando programas para a TV. É só o começo. Os bons resultados já lhe garantem apoios e patrocínios (entre eles, do site de compras Kanui e das marcas Vans e Hosoi Skateboards). Mesmo assim, é a mãe, Paula, e o pai, Marcelo, que ainda arcam com a maior parte dos gastos. Os dois também costumam acompanhar a filha em treinos e campeonatos. “Só quando é fora do país que vai apenas um de nós, para economizar”, explicam.
“Vai para Xangai!?”, pergunta um amigo de Dora que andava de BMX naquele dia no Parque do Jockey, surpreso ao saber do próximo compromisso da menina. “Não sei nem onde fica no mapa”, completa. Dora deixa escapar seu típico sorriso tímido, que faz os olhos quase se fecharem. No fundo, ela sabe que o skate ainda pode levá-la bem mais longe.
*Reportagem publicada na edição nº 145 da Go Outside, outubro de 2017.